Irmã venerável Maria de Ágreda (Espanha, 1602-1665). Obra: "Mística Cidade de Deus. Ed. Mosteiro Portaceli. 2011." [4º Tomo - 3ª Parte - 8º Livro - Cap. 21 - pág. 398/399:]
[Nossa Senhora diz a Maria de Ágreda:] O caminho do céu é estreito: 773. Com este sentimento que desejo despertar em ti, procura trabalhar com solicitude, para não incorrer nesse perigo. Tens o vivo exemplo de minha vida que foi um contínuo padecer, tal como o conheceste. Quando, porém, cheguei a receber a recompensa, tudo me pareceu nada e o esqueci, como se não tivesse acontecido. Resolve-te, minha amiga, a seguir-me no sofrimento. Ainda que ele seja maior que o de todos os mortais, considere-o levíssimo, e nada te pareça difícil, pesado ou amargo, ainda que seja padecer a ferro e fogo. Estende as mãos a coisas árduas (Pv 31, 19), guarnece teus domésticos, os sentidos, com vestes duplas (Idem, 21), para trabalhar e sofrer com todas tuas potências. Além disto,
quero que não te atinja outro erro, comum entre os homens, quando dizem: é preciso garantir apenas a salvação, pois estando na glória, não importa seja ela pouca ou muita. Esta ignorância, minha filha, não garante mas
arrisca a salvação porque procede de grande estultice e pouco amor a Deus. Quem pretende assim negociar com Ele, desobriga-o e será deixado no
perigo de vir a perder tudo. No bem, a fraqueza humana sempre faz menos do que deseja.
Se o desejo não for grande faz muito pouco, e se deseja pouco, arrisca-se a nada fazer e a perder tudo.
Ambicionar grande recompensa: 774. Quem se contenta com o medíocre ou o mínimo na virtude, sempre deixa lugar na vontade e nas inclinações, para admitir deliberadamente outros afetos terrenos e amor ao transitório. Tal disposição não se pode manter, sem entrar em conflito com o amor divino. É absolutamente necessário renunciar a um, para permanecer com o outro.
Determinando-se a criatura a amar a Deus, de todo o coração e todas as forças, como Ele manda (Dt 6,5), este afeto e resolução é levado em conta pelo Senhor, mesmo quando a alma, por outros defeitos, não alcança os mais elevados prêmios. Desprezar a este e intencionalmente não o estimar, não é amor de filho nem de verdadeiro amigo, mas indiferença de escravo que se contenta em viver só para passar o tempo.
Se os santos pudessem voltar à terra, para merecer mais algum grau de glória, padecendo todos os tormentos do mundo até o dia do juízo, sem dúvida voltariam. Eles têm verdadeiro conhecimento de quanto vale aquela recompensa e amam a Deus com caridade perfeita. Não convém que isto seja concedido aos santos, foi porém, concedido a Mim, como deixas escrito nesta História (n° 2, livro 8°). Com meu exemplo fica confirmada esta verdade, e reprovada a insipiência dos que, por não padecer, nem abraçar a cruz de Cristo,
querem reduzir a recompensa. Isto contradiz a propensão da infinita bondade do Altíssimo desejosa que as almas adquiram méritos, para serem copiosamente premiadas na felicidade da glória.
[...] [4º Tomo - 3ª Parte - 8º Livro - Cap. 22 - pág. 401/402:]
[Maria de Ágreda diz:] A glória e seus diferentes graus: 775. Quando Cristo Jesus, nosso Salvador, se despediu de seus discípulos, antes da paixão, disse-lhes que não se perturbassem (Jo 14, 1) pelo que lhes advertira, pois na casa de seu Pai, e bem-aventurança,
havia muitas mansões. Garantiu-lhes haver lugar e recompensa para todos, ainda que os méritos e as boas obras fossem diversos; que ninguém se perturbasse e se entristecesse, perdendo a paz e a esperança, ao ver outro mais perfeito e mais adiantado,
porque na casa de Deus há muitos graus e moradas. Cada qual ficará contente com o que lhe tocar, sem invejar os outros, sendo esta uma das grandes felicidades daquela bem-aventurança eterna. Tenho dito que Maria santíssima foi colocada no supremo lugar, no trono da santíssima Trindade, e muitas vezes usei esta palavra para descrever tais mistérios, assim como é usada pelos santos e pela própria sagrada Escritura (Ap 1, 4; 3, 21). Depois desta justificativa, não seria necessária outra advertência. Contudo, para os menos entendidos, dou mais alguma explicação. Deus, puríssimo espírito, sem corpo, infinito, imenso e impossível de ser limitado, não tem necessidade de trono e assento material. Ele tudo enche, está presente em todas as criaturas, nenhuma o abarca nem cinge, antes é Ele que a todas encerra e compreende em Si mesmo. Por sua vez,
os santos não vêm a Divindade com olhos corporais, mas com os da alma. Como, porém, olham-no em alguma parte determinada (para o entender a nosso modo terreno e material), dizemos que está em seu real trono, onde a santíssima Trindade se assenta, ainda que é em Si mesmo que tem a glória que goza e que comunica aos santos. Não obstante, não nego que a humanidade de Cristo, nosso Salvador e sua Mãe santíssima estão no céu em lugar mais eminente que os demais santos, e que
entre os bem-aventurados que estão em alma e corpo, haverá alguma ordem de mais ou menos proximidade com Cristo, nosso Senhor e com a Rainha. Aqui, porém, não é lugar para declarar o modo como isto acontece no céu.
O trono da Divindade: 776. Chamamos, portanto, trono da Divindade, onde esta se revela aos santos como a principal causa da glória; como Deus eterno, infinito, que não depende de ninguém, mas de cuja vontade todas as criaturas dependem; manifesta-se como Senhor, Rei, Juiz e Dono de tudo quanto existe. Cristo, nosso Redentor, enquanto Deus, tem esta dignidade por essência, e enquanto Homem, pela união hipostática, pela qual se comunicou à Humanidade santíssima. No céu está como Rei, Senhor e Juiz supremo.
Os santos, ainda que sua glória e excelência ultrapassam a todo humano pensamento, estão como servos e inferiores àquela inacessível Majestade. Depois de Cristo, nosso Salvador, participa Maria santíssima desta excelência, em grau inferior a seu Filho santíssimo, por outro modo inefável e proporcionado ao ser de pura criatura, imediata a Deus-Homem. Sempre assiste à destra de seu Filho (SI 44,10), como Rainha, Senhora e Dona de toda a criação, estendendo-se seu domínio até onde chega o do Filho, embora por outro modo.