Irmã venerável Maria de Ágreda (Espanha, 1602-1665). Obra: "Mística Cidade de Deus. Ed. Mosteiro Portaceli. 2011." [3º Tomo - 2ª Parte - 5º Livro - Cap. 9 - pág. 52/54:]
[Maria de Ágreda diz:] Maria e os 7 artigos da fé referentes à divindade: 809. Naquela visão, conheceu profundamente nossa grande Rainha todos estes mistérios e quanto neles se contêm: que
a santa Igreja teria, desde seu princípio, os catorze Artigos da fé católica; que depois, em épocas diversas, determinaria muitas proposições e verdades que estes artigos e as divinas Escrituras encerravam como raiz, cuja cultura produzia aqueles frutos. Depois de conhecer tudo isto em Deus, na visão que referi, viu-o também na visão, que sempre gozava, da alma santíssima de Cristo, e conheceu como toda esta estrutura estava ideada na mente do divino Artífice. Em seguida,
conferiu tudo com o Senhor, e este lhe revelou como seria realizada, sendo a divina Princesa a primeira a crer nos Artigos, distinta e perfeitamente. Assim Ela o fez.
O primeiro dos sete que se refere à divindade, conheceu e acreditou que o verdadeiro Deus é um só, independente, necessário, infinito, imenso em seus atributos e perfeições, imutável e eterno. E, quão devido, justo e necessário era, para as criaturas, crer e confessar esta verdade. Agradeceu pela revelação deste artigo e pediu a seu Filho santíssimo continuasse a conceder este favor aos homens, dando-lhes graça para que o aceitassem, recebendo o conhecimento da verdadeira divindade. Nesta luz da fé, infalível e obscura, conheceu a culpa da idolatria que ignora esta verdade e a chorou com dor e amargura incomparável. Em sua oposição fez grandiosos atos de fé e reverência ao Deus único e verdadeiro, e outros muitos das virtudes exigidas por este conhecimento.
A Santíssima Trindade: 810.
Creu no segundo artigo, Deus é pai. Conheceu que assim era revelado aos mortais para que eles passassem, do conhecimento da Divindade ao da sua Trindade de Pessoas. Este conhecimento seria conexão para entenderem os outros artigos que explicam ou supõem a trindade das Pessoas. Chegariam, assim, a conhecer perfeitamente seu último fim, como o haveriam de gozar e os meios para consegui-lo.
Entendeu que a pessoa do Pai não podia nascer, nem proceder de outra. Era a origem de tudo, e por isto se lhe atribui a criação do céu, da terra e de todas suas criaturas. Sendo sem princípio, o é de tudo quanto existe. Por este artigo, nossa divina Senhora agradeceu, em nome de todo gênero humano, e fez todos os atos que esta verdade pedia.
O terceiro artigo, crer que é Filho, creu-o a Mãe da graça, com especialíssima luz e conhecimento das processões “ad intra”. Desta,
a primeira, na ordem de origem, é a eterna geração do Filho. Por obra do entendimento é e sempre será gerado só do Pai, não lhe sendo posterior, mas igual na divindade, eternidade, infinidade e atributos.
O quarto artigo, crer que é Espírito Santo, creu-o e entendeu que a terceira pessoa, o Espírito Santo,
procedia do Pai e do Filho como de um único princípio, por ato da vontade. Igual às outras duas Pessoas, sem outra diferença senão a distinção pessoal que resulta das processões do entendimento e da vontade infinitos. Deste mistério recebera Maria santíssima notícias e visões noutras ocasiões que já deixo descritas. Desta vez se lhe acrescentaram as circunstâncias de virem a ser artigos de fé na futura Igreja, e a inteligência das heresias que, contra estes artigos Lúcifer semearia, como as tinha forjado em sua idéia desde que caíra do céu ao lhe ser revelada a Encarnação do Verbo. Contra todos estes erros, fez a beatíssima Senhora grandes atos no modo que já descrevi.
Deus criador, salvador e glorificador: 811.
No quinto artigo, o Senhor é criador, creu Maria santíssima, conhecendo como a criação de todas as coisas,
ainda que se atribui ao Pai, é comum às três Pessoas, enquanto são um só Deus infinito e poderoso; que dele dependem a existência e conservação das criaturas e que nenhuma tem poder para criar outra produzindo-a do nada. Nem mesmo um anjo poderia criar um bichinho, porque só Deus que é independente em seu ser, pode agir sem dependência de outra causa, inferior ou superior. Maria santíssima entendeu como este artigo seria necessário à santa Igreja, para se apor aos erros de Lúcifer, e para Deus ser conhecido e respeitado como autor de todas as criaturas.
O sexto artigo, que é salvador, entendeu-o novamente, com todos os mistérios que encerra sobre a predestinação, vocação e justificação final. Compreendeu também a reprovação dos prescitos que, por não se aproveitarem dos meios oportunos que a misericórdia divina lhes oferecia, perderiam a felicidade eterna. Conheceu também a fidelíssima Senhora, como o atributo de Salvador convinha às três divinas Pessoas, e especialmente à do Verbo, enquanto homem. Ele se entregaria como preço de resgate, e Deus o aceitaria, dando-se por satisfeito com essa reparação do pecado original e dos atuais. Contemplava esta grande Rainha todos os sacramentos e mistérios que a santa Igreja havia de receber e crer, e na inteligência de todos fazia heróicos atos de muitas virtudes.
No sétimo artigo, que é glorificador, entendeu a felicidade preparada para as criaturas mortais na fruição da visão beatífica. Compreendeu quanto lhes importa crer nesta verdade para se dispor a consegui-la, considerando-se peregrinos na terra e cidadãos do céu (Ef 2,19). Esta fé e esperança seriam seu consolo no desterro.
Os sete artigos referentes à humanidade de Cristo 812. Dos sete artigos que pertencem a humanidade, teve nossa grande Rainha igual conhecimento, com novos afetos de seu puríssimo e humilde coração.
O primeiro seria que seu Filho santíssimo fora concebido, enquanto homem, por obra do Espírito Santo; que este mistério se realizara em seu virginal tálamo. Ao entender que estas verdades seriam artigo de fé na Igreja militante, foram inexplicáveis os sentimentos da prudentíssima Senhora. Humilhou-se até o ínfimo das criaturas da terra; aprofundou a consciência de que fôra criada do nada: cavou alicerces e colocou-lhes o cimento da humildade, para o elevado edifício de ciência infusa e excelente perfeição que a destra do Altíssimo ia nela edificando. Louvou o Todo-poderoso e deu-lhe graças por Si e por toda a raça humana, por ter escolhido meio tão admirável e eficiente para atrair os corações, e mantê-los em sua lembrança mediante a fé cristã.
Fez o mesmo quanto ao segundo artigo: Cristo Senhor nosso nasceu de Maria, virgem antes e depois do parto. A divina Rainha estimava grandemente o mistério de sua intacta virgindade e de tê-la escolhido o Senhor por Mãe entre todas as criaturas, em condições que emprestavam tanto decoro e dignidade a este privilégio, tanto para a glória do Senhor como para a dela. Tudo isto seria reconhecido e crido pela Igreja com a certeza da fé católica. Ao conhecer estas disposições divinas, não é possível manifestar com palavras a elevação de seus atos, dando a cada um destes mistérios a plenitude de exaltação, culto, fé, louvor e agradecimento que pediam, enquanto Ela mais profundamente se humilhava. Na medida em que era exaltada, aniquilava-se apegando-se ao pó.
Maria, Mestra da fé: 813.
Terceiro artigo: Cristo nosso Senhor sofre paixão e morte.
Quarto: desceu à mansão dos mortos e de lá tirou os santos Pais que no limbo esperavam sua vinda.
Quinto: ressuscitou dos mortos.
Sexto: subiu aos céus e se assentou à direita do Pai eterno.
Sétimo: de lá virá julgar vivos e mortos no juízo universal, para dar a cada um a recompensa das obras que houver praticado. Estes artigos, como todos os demais, Maria santíssima conheceu e creu, quanto à substância, ordem, conveniências, e a necessidade de sua fé para os mortais.
Ela sozinha preencheu as falhas e supriu os defeitos de todos os que não creram nem crerão, e compensou a escassez de nossa tibieza em crer nas divinas verdades, em dar-lhes a importância, a veneração e o agradecimento que merecem. Que toda a Igreja proclame nossa Rainha felicíssima e bem-aventurada porque acreditou (Lc 1, 45) não só no embaixador do céu, mas também nos Artigos que resultaram do fruto de seu tálamo virginal. Creu-os por Ela e por todos os filhos de Adão.
Foi a Mestra da divina fé; foi quem, à vista dos cortesãos do céu, arvorou o estandarte dos crentes na terra. Foi a primeira Rainha católica do orbe, e não haverá outra que a iguale. Os católicos a terão por verdadeira Mãe, se a Ela recorrerem, pois aquele título os faz filhos seus. Não há dúvida que esta piedosa Mãe e Capitã da fé católica olha com especial amor aos que a seguem nesta grande virtude, trabalhando por sua propagação e defesa.
[4º Tomo - 3ª Parte - 7º Livro - Cap. 12 - pág. 124/129:]
[Maria de Ágreda diz:] Solicitude de Maria pela doutrina: 211.
Considerou a prudentíssima Senhora que, ao se espalharem os discípulos para pregar o nome e fé do Salvador, não levavam uma norma expressa e definida para a uniformidade da pregação, a fim de que, sem diferença nem contradição, os fiéis recebessem e cressem as mesmas verdades ensinadas. Entendeu também ser necessário os apóstolos se espalharem por todo o orbe para, com sua pregação, fundar e propagar a Igreja.
Convinha que fossem unânimes na doutrina, sobre a qual seria fundada a vida e perfeição cristã. Para este fim,
a prudente Mãe da sabedoria julgou conveniente fazer um breve resumo de todos os mistérios divinos, que os apóstolos deviam pregar e os fiéis crer. Estas verdades, compiladas em poucos artigos, estariam mais ao alcance de todos, constituiriam a essência da unidade da Igreja, e as colunas imutáveis sobre as quais se levantaria o edifício espiritual da nova Igreja do Evangelho.
[...] Os apóstolos se preparam para compor o Símbolo: 215.
Jesus despediu-se de sua santa Mãe e voltou à destra de seu eterno Pai. Inspirou ao coração de seu vigário, São Pedro, e aos outros, ordenarem o Símbolo da fé universal da Igreja. Com esta idéia, foram conferir com a divina Mestra as conveniências e necessidades que havia nessa resolução. Determinou-se então que jejuassem dez dias contínuos e perseverassem na oração como pedia tão árduo negócio, para que nele fossem iluminados pelo Espírito Santo. Terminados estes dez dias, e os quarenta em que a Rainha tratava com o Senhor sobre a mesma matéria, reuniram-se os doze apóstolos na presença da grande Mãe e Mestra. São Pedro fez a seguinte exortação:
Exortação de São Pedro: 216. Meus caríssimos irmãos, a divina misericórdia, por sua infinita bondade, e pelos merecimentos de nosso Salvador e Mestre Jesus, quis beneficiar sua santa Igreja, começando a multiplicar seus filhos tão gloriosamente, como em poucos dias todos vimos. Para isto, seu poder operou e renova cada dia, tantas maravilhas e prodígios por nosso ministério. Escolheu-nos, ainda que indignos, para ministros de sua divina vontade nesta obra de suas mãos, e para glória e honra de seu santo nome. Junto com estes favores nos enviou tribulações e perseguições do demônio e do mundo, para imitarmos nosso Salvador e chefe, e para que a Igreja, com este lastro, caminhe mais segura ao porto do descanso e felicidade eterna. Os discípulos, ameaçados pela indignação dos príncipes dos sacerdotes, espalharam-se pelas cidades circunvizinhas e pregam por toda parte a fé do Redentor, Cristo nosso Senhor. Nós também, logo precisaremos ir pregá-la por todo o mundo, como nos ordenou o Senhor antes de subir ao céu (Mt 28, 19).
Para que todos ensinemos uma só doutrina, e os fiéis, tenham uma só fé, como um só é o Batismo (Ef 4,5) no qual a receberam;
convém que juntos, reunidos no Senhor, determinemos agora as verdades e mistérios que aos crentes de todas as nações se hão de propor expressamente. E promessa infalível de nosso Salvador que onde se reunirem dois ou três em seu nome, estará entre eles (Mt 18,20). Sob esta palavra, esperamos firmemente que nos assistirá agora com seu divino Espírito, para que em seu nome entendamos e declaremos sob forma imutável,
os artigos da fé. Serão a base da santa Igreja, sobre a qual se apoiará até o fim do mundo, pois subsistirá enquanto ele durar.
Composição do Símbolo: 217. Os Apóstolos aprovaram esta proposição de São Pedro. O santo celebrou a Missa na qual todos, com Maria Santíssima, receberam a comunhão. Terminada, prostraram-se em terra, invocando o Espírito Santo. Havendo orado algum tempo, ouviu-se um trovão, como quando o Espírito Santo viera a primeira vez sobre os fiéis. O Cenáculo encheu-se de admirável luz e resplendor, e todos foram cheios do Espírito Santo.
Maria Santíssima pediu então que cada um enunciasse um mistério, conforme o divino Espírito os inspirasse. A começar por São Pedro, os outros continuaram nesta ordem:
São PEDRO: Creio em Deus Pai, todo poderoso, Criador do céu e da terra; Santo ANDRÉ: E em Jesus Cristo, seu único Filho nosso Senhor; São TIAGO MAIOR: Que foi concebido por obra do Espírito Santo, nasceu de Maria Virgem; São JOÃO: Padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; São TOMÉ: Desceu à mansão dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia; São TIAGO MENOR: Subiu ao céu, está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso; São FILIPE: De onde há de vir a julgar os vivos e os mortos; São BARTOLOMEU: Creio no Espírito Santo; São MATEUS: Na santa Igreja católica, na comunhão dos Santos; São SIMÃO: Na remissão dos pecados; São TADEU: Na ressurreição da carne; São MATIAS: Na vida eterna. Amém.
Maria, a primeira a professar o Símbolo: 218. Este Símbolo, que vulgarmente denominamos Credo, foi composto pelos apóstolos depois do martírio de santo Estêvão, e antes de se completar um ano da morte de nosso Salvador. Mais tarde, para refutar Ario e outros hereges, a santa Igreja explicou, em seus concílios, os mistérios contidos no Símbolo dos apóstolos compôs o Símbolo usado na celebração da Missa
[Nota de rodapé da tradutora: “Símbolo de Nicéia, nome da cidade onde se realizou o concílio no qual foi composto”].
Em substância, porém, ambos são iguais, contendo os catorze artigos que a doutrina cristã nos propõe ao catequizar-nos na fé, e temos obrigação de os crer, para sermos salvos. No momento em que os apóstolos terminaram de pronunciar o Símbolo, o Espírito Santo aprovou, com estas palavras que todos ouviram: Determinastes bem. A grande Rainha com os apóstolos deram graças ao Altíssimo, por terem merecido a assistência do divino Espírito e falado como seus instrumentos, com tanto acerto para a glória do Senhor e bem da Igreja.
Para maior confirmação e exemplo aos fiéis, a prudente Mestra se ajoelhou aos pés de São Pedro e professou a santa fé católica, como estava expressa no Símbolo que tinha acabado de pronunciar. Fez isto por Si e por todos os filhos da Igreja, dirigindo a São Pedro estas palavras: Senhor meu, a quem reconheço por vigário de meu Filho Santíssimo, em vossas mãos, em meu nome e no de todos os fiéis da Igreja, confesso e protesto tudo o que determinastes, por verdades divinas e infalíveis da fé católica; nelas bendigo e louvo o Altíssimo de quem procedem. Beijou a mão do Vigário de Cristo e dos apóstolos,
sendo a primeira a protestar a santa fé da Igreja, depois que seus artigos foram definidos.