Irmã venerável Maria de Ágreda (Espanha, 1602-1665). Obra: "Mística Cidade de Deus. Ed. Mosteiro Portaceli. 2011." [2º Tomo - 2ª Parte - 3º Livro - Cap. 11 - pág. 49:][Maria de Ágreda diz:] Somente para o inferno houve novo pesar e dor. Ao descer das alturas o Verbo eterno, sentiram-se os demônios arrastados pela impetuosa força do poder divino, como ondas do mar, e precipitados no fundo daquelas tenebrosas cavernas, sem poderem resistir nem se levantar. Depois que lhes permitiu a vontade divina, saíram e percorreram o mundo, investigando se haveria alguma novidade para justificar o que haviam sofrido. Não puderam, contudo, suspeitar a causa, ainda que tivessem feito alguns conciliábulos para descobri-la.
O poder divino ocultou-lhes o mistério da Encarnação e o modo como Maria santíssima concebera o Verbo, conforme adiante veremos.
Somente quando Cristo morreu na Cruz é que souberam, com certeza, que Ele era Deus e homem verdadeiro, como nessa passagem explicaremos.
[2º Tomo - 2ª Parte - 3º Livro - Cap. 26 - pág. 129:][Maria de Ágreda diz:] Investigação dos demônios: 322.
No momento em que se realizou a Encarnação, — como disse acima, capitulo 11, número 140, — Lúcifer e todo o inferno sentiram a força do poder do Altíssimo que os lançou no mais profundo das cavernas infernais. Oprimidos, ali permaneceram alguns dias, até que o Senhor, com sua admirável providência, permitiu que saíssem daquela opressão
cuja causa ignoravam. Levantou-se o grande dragão, e saiu para rodear a terra, investigando por toda ela, se haveria alguma novidade a que atribuir o que lhe sucedera. Não quis o soberbo príncipe das trevas confiar este cuidado só a seus aliados, mas acompanhou-os percorrendo todo o orbe. Com suma astúcia e malignidade, andou inquirindo e espreitando, por diversos modos, para apurar o que desejava. Nesta diligência gastou três meses, no fim dos quais voltou ao inferno,
tão ignorante da verdade como dele sairá.
Não devia, por então, entender tão divinos mistérios. Sua tenebrosa maldade não gozaria de seus admiráveis efeitos, nem por eles glorificaria seu benfeitor e Criador, como nós a quem se destinou a Redenção.
[2º Tomo - 2ª Parte - 3º Livro - Cap. 26 - pág. 129/130:][Lúcifer diz aos seus companheiros:] O ódio de Lúcifer contra Maria: 324. Este negócio exige particular atenção. Meu furor está firme e a ira de minha vingança insatisfeita. Saí e rodeei todo o orbe, fiz com grande cuidado o reconhecimento de todos seus moradores e nada encontrei de notável. Observei e persegui as
mulheres virtuosas da espécie daquela nossa inimiga que vimos no céu, talvez a encontrasse entre elas.
Não vejo indícios de que haja nascido, pois em nenhuma encontro as condições que, me parece, deve ter a Mãe do Messias. Uma donzela de grandes virtudes que eu temia e persegui no templo, já está casada. Assim, não pode ser aquela que procuramos, porque Isaias disse que Ela seria virgem (Is 7, 14). Apesar disso, a temo e odeio porque é possível que, sendo tão virtuosa, dela venha a nascer a Mãe do Messias ou algum grande profeta. Até agora não a pude vencer em coisa alguma, e de sua vida entendo menos do que das outras. Sempre me tem resistido invencivelmente. Facilmente dela me esqueço, e quando me lembro não lhe posso aproximar muito. Não acabo de compreender se esta dificuldade e esquecimento são misteriosos ou nascem de meu desprezo por essa mulherzinha. Vou, porém, prestar mais atenção, porque nestes dias, duas vezes nos ordenou e não pudemos resistir ao império e valor com que nos expulsou daquelas pessoas de que nos havíamos apossado. Isto é sério, e só pelas provas que deu nestas ocasiões, merece minha indignação. Estou resolvido a persegui-la e derrotá-la. Com todas vossas forças e malícia ajudai-me, e quem se distinguir nesta vitória, receberá grandes prêmios do meu grande poder.
[2º Tomo - 2ª Parte - 3º Livro - Cap. 26 - pág. 131:][Maria de Ágreda diz:] Dúvida dos demônios: 326. Admirável foi a providência do Altíssimo no ordenamento dos incomparáveis mistérios da Encarnação, assim como agora o é no governo da Igreja católica. Não há dúvida, que
convinha a esta forte e suave providência esconder muitas coisas aos demônios. Indignos de conhecer estes mistérios, como disse acima, estes inimigos devem manifestar o poder divino permanecendo subjugados a ele. Além disto, quando ignoram os fatos que Deus lhes oculta, transcorre mais suavemente a ordem da Igreja e a realização dos mistérios divinos. A excessiva ira diabólica é assim melhor contida, quando Deus não lhe quer lhe permitir a ação diabólica. Ainda que sempre o podia e pode reprimir
o Altíssimo usa o modo mais conveniente à sua infinita bondade. Por esta razão,
ocultou a estes inimigos a dignidade de Maria santíssima, a origem miraculosa de sua gravidez, como também sua integridade virginal antes e depois do parto. O fato dela se ter desposado encobria, muito naturalmente, seus privilégios. Não tiveram também conhecimento certo da divindade de Cristo Senhor nosso, a não ser na hora de sua morte. A partir desse momento, é que entenderam muitos mistérios da Redenção, que antes os alucinaram. Se, então os tivessem compreendido, teriam procurado impedir a sua morte, como disse o Apóstolo (1 Cor 2,8), antes do que incitar os judeus a lha tomarem tão cruel, como adiante narraremos. Teriam procurado impedir a Redenção, revelando ao mundo que Cristo era verdadeiro Deus. Por isto, quando São Pedro assim o compreendeu e declarou (Mt 16,20)
o Senhor ordenou a ele, e aos demais apóstolos, que não o dissessem a ninguém. Os milagres operados pelo Salvador, a expulsão dos demônios dos possessos, levavam os maus espíritos, como refere S. Lucas (Lc 4,28; 8,34,35), a suspeitar que era o Messias, chamando-0 Filho de Deus altíssimo, o que o Senhor não consentia que dissessem.
Tampouco o afirmavam com certeza, porque ao verem Cristo, Senhor nosso, pobre, desprezado e sujeito à fadiga, logo se desvaneciam suas suposições. Cegos pela soberba, nunca puderam penetrar o mistério da humildade do Salvador.
[2º Tomo - 2ª Parte - 3º Livro - Cap. 26 - pág. 132:][Maria de Ágreda diz:] Lúcifer não compreende a sabedoria divina 328.
Alguns respondiam achar impossível ser aquela mulher a Mãe do Messias esperado pelos fiéis. Além de ter marido, eram ambos pobres, humildes e pouco aplaudidos no mundo. Não se exibiam com milagres e prodígios, nem procuravam ser estimados e temidos pelos homens. Sendo Lúcifer, e seus ministros, tão soberbos, não podiam se persuadir ser compatível a grandeza e dignidade de Mãe de Deus com tão grande desprezo de si mesma e rara humildade. O que a ele, muito menor em excelência, tanto havia repugnado, julgavam que de modo algum o Poderoso escolheria para Si. Finalmente,
acabou enganado pela própria arrogância e pretenciosa soberba que são os mais tenebrosos vícios para cegar o entendimento e precipitar a vontade. Por isto, disse Salomão (Sab 2,21), que a própria malícia os cegou e não compreenderam que o Verbo eterno escolheria tais meios, justamente para destruir sua arrogância e altivez. Os pensamentos deste dragão se distanciam dos juízos do altíssimo Senhor (Is 55, 9) mais do que o céu da terra.
Julgava que Deus desceria ao mundo para o vencer, com grande aparato e ruidosa ostentação; que humilharia com seu poder aos soberbos, e a muitos príncipes e monarcas que o demônio pervertera antes da vinda de Cristo nosso Senhor. Mostravam-se estes homens tão cheios de soberba e presunção, que pareciam ter perdido o juízo e a lembrança de serem terrenos e mortais. Tudo isto media Lúcifer por sua própria cabeça. Parecia-lhe que, em sua vinda, Deus procederia do mesmo modo que ele, quando com ódio e furor ataca as obras de nosso Senhor.
[2º Tomo - 2ª Parte - 3º Livro - Cap. 28 - pág. 143:][Maria de Ágreda diz:] O ódio do demônio por Jesus e Maria: 359. Se o príncipe das trevas pudesse desistir de sua maldade, as vitórias que sobre ele obtivera a Rainha do céu, teriam destruído e humilhado aquela desmedida soberba. Como, porém, sempre se ergue contra Deus (SI 73,23), e nunca se sacia de sua malícia,
apesar de vencido não se submete. Refugia-se nas chamas de seu inextinguível furor, ao ser derrotado e tão arrasado por uma humilde e delicada mulher, quando ele e seus ministros infernais tinham derrubado tantos homens fortes e varonis mulheres.
Por disposição divina chegou a saber o inimigo que Maria santíssima estava grávida. Entendeu que era de um menino apenas, porque a divindade e outros seus mistérios lhe permaneceram ocultos. Persuadiram-se de que não era o Messias prometido, pois não passava de simples criatura como os demais homens. Este engano os persuadiu também que Maria santíssima não era Mãe do Verbo, aqueles santíssimos Filho e Mãe que lhe esmagariam a cabeça (Gn 3, 15). Apesar disso, julgaram que, de mulher tão forte e invencível, nasceria algum varão de santidade insigne. Nesta previsão,
o grande dragão concebeu contra o fruto de Maria santíssima, aquele ódio que São João escreveu no capítulo 12 do Apocalipse (a quem me referi outras vezes), esperando devorá-lo quando Ele nascesse.
[2º Tomo - 2ª Parte - 4º Livro - Cap. 12 - pág. 213/214:][Maria de Ágreda diz:] Coisas que o demônio não conheceu: 501. Por esta disposição divina, ocultaram-se a Lúcifer e seus ministros muitas coisas que normalmente teriam podido saber, tanto sobre a Natividade do Verbo, como no decurso de sua vida santíssima, como nesta História será forçoso repetir algumas vezes. Se conhecesse, com evidência, que Cristo era Deus verdadeiro, é certo que não lhe procuraria a morte (ICor 2, 8), antes tê-la-ia impedido, como direi melhor em seu lugar.
Do mistério da Natividade, só conheceu que Maria santíssima, dera à luz um filho, na pobreza de uma gruta abandonada, por não ter encontrado outro abrigo e hospedagem. Depois conheceu a Circuncisão do Menino e outras coisas que, suposta sua soberba, mais podiam lhe esconder, do que revelar a verdade. Não conheceu o modo do nascimento, nem que a feliz Mãe permaneceu virgem, nem que o era antes. Não viu as embaixadas dos anjos aos pastores, não ouviu o que disseram, nem a adoração que prestaram ao Menino Deus.
Não viu a estrela miraculosa dos Magos, nem soube a causa de sua vinda. Ainda que os viu fazer viagem, julgou que era por outras finalidades temporais. Percebeu as mudanças havidas nos elementos, astros e planetas, mas não chegou a compreender sua causa. De igual modo se lhe ocultou o motivo do encontro dos Magos com Herodes, da vinda dos Reis à gruta, da adoração e presentes que ofereceram. Conheceu e ajudou o furor de Herodes contra os meninos, mas não entendeu sua depravada intenção, e assim estimulou sua crueldade. Lúcifer conjecturou que Herodes procurava o Messias, mas em tais circunstâncias pareceu-lhe disparate e zombava de Herodes.
Para seu soberbo juízo, era loucura que o Verbo, quando viesse conquistar o mundo, o fizesse de modo tão escondido e humilde. Deveria vir com grande ostentação de majestade e poder, e nada disso havia no Menino Deus, nascido de Mãe pobre e desestimada pelos homens.
Engano de Lúcifer: 502. Ciente das novidades que notou, mas enganado, Lúcifer reuniu seus ministros no inferno e lhes disse: Não encontro motivo para temer pelo que temos visto no mundo.
A mulher, a quem temos perseguido, teve um filho em tanta pobreza e tão desconhecido que não achou pouso onde se recolher. Sabemos, quão longe estão estas condições do poder e da grandeza de Deus. Se Ele tem que vir nos combater, como nos foi mostrado e entendemos, não há que temer que este seja o Messias, pois as suas, não são forças para enfrentar nosso poderio. Além disso,
estão tratando de circuncidá-lo como aos demais homens; logo não pode ser o salvador do mundo, pois está necessitando do remédio da culpa. Estes sinais não indicam a vinda de Deus ao mundo, e me parece podemos ficar certos de que, por enquanto, não veio. Aprovaram os ministros da maldade este julgamento de sua danada cabeça, e ficaram satisfeitos de que o Messias não houvesse nascido, obscurecidos pela malícia da qual eram cúmplices. (Sab 2,21).
Não cabia na implacável soberba e vaidade de Lúcifer, que a majestade e grandeza se humilhasse. Ambicionava o aplauso, ostentação, reverência e exaltação, e se pudesse conseguir, obrigaria todas as criaturas a o adorarem. Por isto, não chegava a admitir que Deus, sendo poderoso para obter tudo aquilo, consentisse no contrário e se sujeitasse à humildade que ele, o demônio, tanto detestava.
[3º Tomo - 2ª Parte - 6º Livro - Cap. 8 - pág. 241/242:][Nossa Senhora diz a Maria de Ágreda:] Nem tudo é conhecido pelo demônio: 1137. Minha filha, tudo o que entendeste e escreveste neste capítulo contém grandes mistérios e ensinamentos para o bem dos mortais, se atentamente os consideram. Em primeiro lugar,
deves compreender que meu Filho santíssimo veio vencer o demônio e enfraquecer-lhe a influência nefasta que exercia (1 Jo 3, 8) sobre os homens. Para este fim, não lhe alterou a natureza e ciência habitual de anjo, mas ocultou-lhe muitas coisas, como em outros lugares escreveste. Não chegando a conhecê-las, seria reprimida a malícia deste dragão pelo modo mais adequado à suave e forte providência (Tob 8, 1) do Altíssimo.
Por este motivo se lhe ocultou a união hipostática das duas naturezas divina e humana. Ignorante deste mistério, enganou-se e andou flutuando em suspeitas e suposições falaciosas até que, a seu tempo, meu Filho santíssimo permitiu-lhe conhecer que sua alma divinizada havia sido gloriosa desde o instante de sua concepção.
De igual modo, ocultava-lhe alguns milagres de sua vida santíssima, e deixava que visse outros. O mesmo acontece agora com algumas almas: não consente meu Filho santíssimo que o inimigo conheça todas as suas obras, ainda que, naturalmente, as poderia conhecer.
O Senhor lhas esconde, para conseguir seus altos fins em beneficio das almas. Depois de realizadas, deixa que o demônio as veja para sua maior confusão. Assim aconteceu nos fatos da Redenção quando, para seu tormento e maior opressão, o Senhor consentiu que os conhecesse. E por esta razão, que a serpente infernal anda sondando as almas para rastrear seus atos, não só interiores, mas também exteriores.
[3º Tomo - 2ª Parte - 6º Livro - Cap. 15 - pág. 313/314:][Maria de Ágreda diz:] Dúvidas de Lúcifer: 1251. Durante os acontecimentos da Paixão, Lúcifer e seus ministros de maldade andavam muito ansiosos e atentos, para acabarem de se certificar se Cristo nosso Senhor era o Messias e Redentor do mundo.
Às vezes, diante dos milagres do Salvador, Lúcifer convencia-se; logo mais dissuadia-se, diante dos atos e da fraqueza humana que nosso Salvador assumiu por nós. As suspeitas diabólicas, porém, cresceram muito, quando no horto sentiu a força daquela palavra do Senhor: Sou Eu (Jo 18,5). Nesse momento foi fulminado e caiu com todos os outros, na presença de Cristo nosso Senhor. Fazia pouco tempo que saira do inferno acompanhado de suas legiões, onde, do Cenáculo, haviam sido precipitados, ainda que foi Mari santíssima quem os lançou ai. Lúcifer observou, consigo e com seus ministros, que aquele poder e força de Filho e Mãe contra eles, era diferente e nunca experimentado antes. Quando, no horto, lhe foi permitido se levantar,
falou aos outros: Não é possível que este poder seja só humano; sem dúvida, este homem também é Deus. Se morrer, como estamos procurando, vai operar a Redenção, satisfará a Deus, ficando destruído nosso império e frustrado nosso plano. Erramos desejando-lhe a morte. Agora, se não pudermos impedir que morra, provemos até onde chega sua paciência, e procuremos que seus mortais inimigos o atormentem com ímpia crueldade. Irritemo-los contra Ele; lancemo-lhes sugestões de desprezos, afrontas, ignomínias e tormentos contra sua pessoa. Forcemo-los a empregar sua ira em irritá-lo, e vejamos os efeitos que tudo isto irá produzir n"Ele. Como propuseram assim fizeram os demônios, ainda que nem tudo conseguiram, como na descrição da paixão se vê, por ocultos mistérios que explicarei, e que já expliquei atrás. Provocaram os verdugos para maltratarem o Senhor com alguns tormentos menos decentes à sua real e divina Pessoa, mas o Senhor só consentiu naqueles que quis e foi conveniente sofrer. Nestes, deixou que empregassem toda sua desumana sevícia e furor.