Irmã venerável Maria de Ágreda (Espanha, 1602-1665). Obra: "Mística Cidade de Deus. Ed. Mosteiro Portaceli. 2011." [1º Tomo - 1ª Parte - 1º Livro - Cap. 7 - pág. 67/68:][Maria de Ágreda diz:]Os anjos e o Homem-Deus: 88. Em segundo lugar,
Deus manifestou aos anjos que criaria a natureza humana inferior à deles. Seriam criaturas racionais para amar, temer e reverenciar a Deus como a seu autor e eterno bem. A esta natureza humana favoreceria tanto, que a segunda pessoa da mesma Trindade Santíssima se faria homem, elevando a natureza humana à união hipostática e pessoa divina.
Àquele suposto, Homem e Deus, deveriam os anjos reconhecer por cabeça não só enquanto Deus, mas também enquanto homem. Deveriam reverenciá-lo e adorá-lo, como seus servos, inferiores em dignidade e graças. Deu-lhes inteligência da conveniência, eqüidade, justiça e razão que nisto havia, porquanto, aos méritos previstos daquele Homem-Deus, deviam a graça que possuíam e a glória que receberiam.
Para a glorificação Dele haviam sido criados, e seriam criadas as demais criaturas, porque a todas seria superior. Todas quantas fossem capazes de conhecer e gozar de Deus, seriam membros daquela cabeça e formariam seu povo para reconhecê-lo e reverenciá-lo. Tudo isto foi proposto e ordenado aos anjos.
Atitude dos bons e dos maus anjos: 89. A este preceito, os santos anjos, obedientes e de plena boa vontade, submeteram-se com humilde e amoroso afeto.
Lúcifer, ao contrário, resistiu com soberba e inveja, induzindo os anjos que eram seus sequazes a fazerem o mesmo, como de fato fizeram, seguindo-o na desobediência ao divino mandato. Persuadiu-os o mau príncipe de que ele seria sua cabeça, e formariam principado independente e separado de Cristo. Tanta cegueira e tão desordenado afeto, pôde causar naquele anjo a inveja e soberba, que veio a se transformar na causa e contágio para tantos outros incorrerem no mesmo pecado.
Os anjos e a Mãe de Deus: 90.
Aqui ocorreu a grande batalha que S. João refere (Ap 12) haver-se travado no céu. Os santos anjos obedientes, com ardente zelo para defender a glória do Altíssimo e a honra do Verbo humanado previsto, pediram licença ao Senhor para resistir e contradizer ao dragão, sendo-lhes concedida essa permissão. Entrementes sucedeu outro mistério.
Ao ser proposta a todos os anjos a obediência ao Verbo humanado, foi-lhes apresentado o terceiro preceito: superior a eles existiria também uma mulher, em cujas entranhas tomaria carne humana o Unigênito do Pai; esta mulher, Rainha deles e das demais criaturas, nos dons da graça e glória se elevaria acima de todas, tanto angélicas como humanas. Os bons anjos, obedecendo a este preceito do Senhor, cresceram e se aperfeiçoaram na humildade, aceitando e louvando o poder e os arcanos do Altíssimo.
Lúcifer, porém, e seus confederados, a este preceito e mistério, se exaltaram mais na soberba e presunção. Com desordenado furor apeteceu para si a excelência de ser cabeça de todo o gênero humano, e das ordens angélicas, e se isto deveria realizar-se mediante a união hipostática, fosse ele a recebê-la.
Revolta de Lúcifer: 91.
Quanto a permanecer inferior à Mãe do Verbo humanado e Senhora nossa, opôs-se com horrendas blasfêmias, indignando-se contra o Autor de tão grandes maravilhas, e incitando os demais com estas palavras: — Injustos são estes preceitos e injuriosos para minha grandeza. Essa natureza que tu, Senhor, olhas com tanto amor e pretendes beneficiar tanto, eu perseguirei e destruirei, empregando nisso todo o meu poder e diligência. E a esta Mulher, Mãe do Verbo, derrubarei do estado em que a prometes colocar, e em minhas mãos perecerão teus projetos.
Maria esmagará a cabeça de Lúcifer: 92. Esta soberba arrogância irritou tanto ao Senhor, que humilhando a Lúcifer, disse: —
Esta mulher que não quiseste respeitar, te esmagará a cabeça (Gn 3, 15) e por Ela serás vencido e aniquilado. E, se por tua soberba, entrar a morte no mundo (Sb 2, 24), pela humildade desta mulher entrará a vida e a salvação dos mortais. Os da natureza e semelhança destes dois (Cristo e Maria), gozarão do prêmio e coroa que tu e teus seguidores perderam. A tudo isto replicava o dragão com indignada soberba, contradizendo o que entendia da divina vontade e de seus decretos, e ameaçando a toda a linhagem humana. Conheceram os bons anjos ajusta indignação do Altíssimo contra Lúcifer e os demais apóstatas, e puseram-se a pelejar contra eles com as armas do entendimento, razão e verdade.
Maria, representante da natureza humana pura: 93. Aqui operou o Altíssimo outro maravilhoso mistério;
havendo manifestado por inteligência, a todos os anjos, o grande mistério da união hipostática, mostrou-lhes a Virgem Santíssima num sinal ou imagem, semelhante a nossas visões imaginárias, segundo o nosso modo de entender. Deu-lhes a conhecer a natureza humana pura, representada nessa mulher perfeitíssima, em quem o braço poderoso do Altíssimo seria mais admirável que em todo o resto das criaturas, porque em superior e eminente grau Nela depositava as graças e dons de sua destra. Este sinal e visão da Rainha do céu e Mãe do Verbo humanado foi notório e claro a todos os anjos bons e maus. A sua vista, expandiram-se os bons em admiração e cânticos de louvor, e desde esse momento começaram a defender a honra do Homem-Deus e de sua Mãe Santíssima, armados de ardente zelo e do escudo inexpugnável daquele sinal. O dragão e seus aliados, pelo contrário, conceberam implacável furor e sanha contra Cristo e sua Mãe Santíssima.
Sucedeu, então, tudo o que contém o capítulo 12 do Apocalipse, cuja interpretação, segundo me foi dada, escreverei a seguir.
[3º Tomo - 2ª Parte - 5º Livro - Cap. 20 - pág. 119/120:][O demônio diz aos seus companheiros:] Estando reunidos, fez-lhes este arrazoado: Ministros e companheiros meus, que sempre tomastes meu justo partido: bem sabeis que no primeiro estado em que nos colocou o Criador de todas as coisas, reconhecemo-lo pela causa universal de nossa existência, e assim o respeitamos.
Não demorou, porém, que ofendendo nossa formosura e eminência de tanta deidade, nos apresentou o preceito de adorar e servir a pessoa do Verbo na forma humana que desejava assumir. Resistimos à sua vontade porque, não obstante eu conhecer que lhe devia esta reverência como a Deus, sendo juntamente homem de natureza vil e tão inferior à minha, não pude aceitar sujeição a ele, e que não coubesse a mim o que determinava fazer com aquele Homem. Não sendo bastante adorá-lo, mandou-nos ainda reconhecer por superior a nós a Mãe sua, uma mulher, criatura pura e terrena. Eu, e vós comigo, nos opusemos a tão injuriosos agravos e nos recusamos obedecer, sendo castigados com o infeliz estado e penas que sofremos. Estas verdades que conhecemos, e com terror as confessamos aqui entre nós (Tgo 2,19), não convém fazê-lo diante dos homens, assim vos ordeno, para que não venham a conhecer nossa ignorância e fraqueza.
[4º Tomo - 3ª Parte - 7º Livro - Cap. 15 - pág. 158/159:][Maria de Ágreda diz:] A inimizade de Lúcifer e seus demônios pelos homens é tão antiga, quanto a rebelião desta serpente, e tão cheia de raiva e crueldade, quanto de soberba e ódio contra Deus.
Esta soberba começou no céu, quando Lúcifer conheceu que o Verbo eterno queria assumir carne humana, e nascer daquela Mulher que viu vestida de sol (Ap 12,1), como falamos um pouco na primeira parte (n° 90,91).
Por reprovar estes desígnios da eterna sabedoria e não sujeitar sua cerviz, nasceu neste soberbo anjo o ódio contra Deus e suas criaturas. E, como não pode atingir a Deus, vinga-se nas obras do Senhor.
Por sua natureza angélica, o demônio é irreversível na determinação de sua vontade. Embora mude as formas de perseguir os homens, não muda o sentimento. Pelo contrário,
seu ódio sempre cresce, ao ver os favores que Deus concede aos justos e santos da Igreja, e ao sofrer as derrotas, que lhe inflige a descendência daquela Mulher, sua inimiga. Apesar de lhe armar suas ciladas diabólicas, Ela lhe esmagaria a cabeça (Gn 3,15) conforme a pena que Deus lhe cominou.