Irmã venerável Maria de Ágreda (Espanha, 1602-1665). Obra: "Mística Cidade de Deus. Ed. Mosteiro Portaceli. 2011." [1º Tomo - 1ª Parte - 1º Livro - Cap. 4 - pág. 44:]
[sobre o mistério da Encarnação, Maria de Ágreda diz:] Neste instante [no princípio, antes da criação] foi determinado, em primeiro lugar, que o Verbo divino se encarnasse fazendo-se visível. Decretou-se a perfeita compleição da humanidade santíssima de Cristo, que assim ficou criada na mente divina, como tipo dos outros homens. Para estes, em segundo lugar, projetou a divina mente a harmonia da natureza humana, composta de corpo orgânico, e alma espiritual. Esta com capacidade para conhecer e gozar de seu Criador, com discernimento entre o bem e o mal, e com vontade livre para amar ao Senhor.
[1º Tomo - 1ª Parte - 1º Livro - Cap. 5 - pág. 54/55:]
[Maria de Ágreda diz:] As alegrias do Verbo — 68. “E cada dia me deleitava, brincando em sua presença em todo o tempo, brincando sobre o globo da terra” (v. 30). Alegrava-se o Verbo humanado todos os dias, porque conheceu todos os séculos de existência dos mortais, que comparados à eternidade, não são mais que um breve dia (SI 89, 4). Alegrava-se porque a seqüência da criação teria fim, e terminado o último dia os homens gozariam com toda a perfeição, da graça e coroa da glória.
Deleitava-se como a contar os dias até aquele em que desceria à terra e vestiria carne humana.Conhecia que os pensamentos e obras dos homens terrenos são como brinquedo, engano e ilusão. Via os justos que, apesar de fracos e limitados, eram aptos para que a eles fossem comunicadas e manifestadas sua glória e perfeições. Via seu ser imutável e a pequenez dos homens, e como havia de se tornar semelhante a eles. Deleitava-se em suas próprias obras, particularmente nas que dispunha para sua Mãe Santíssima, de quem lhe era tão agradável tomar forma humana, fazendo-a digna de obra tão admirável.
[1º Tomo - 1ª Parte - 1º Livro - Cap. 6 - pág. 57/59:]
[Maria de Ágreda diz:] Finalidades da Encarnação: 72. Sobre as inteligências e doutrina dos capítulos anteriores surgiu-me a seguinte dúvida, ocasionada pelo que muitas vezes tenho ouvido de pessoas doutas e é disputado nas escolas: - se a causa e motivo principal para que o Verbo divino se humanasse foi constituí-lo cabeça e primogênito de todas as criaturas (Cl 1,15s.), e por meio da união hipostática com a natureza humana, comunicar seus atributos e perfeições, no modo conveniente, por graça e glória aos predestinados.
O assumir carne passível e morrer pelo homem, foi decreto e fim secundário. Sendo assim verdade, por que na santa Igreja há tantas opiniões diferentes sobre isso,
sendo a mais comum que o Verbo eterno desceu do céu principalmente para remir os homens, por meio de sua santíssima paixão e morte?
Glória de Deus e redenção do homem: 73. Humildemente propus esta dúvida ao Senhor, que se dignou responder. Deu-me inteligência e luz muito vasta, na qual conheci muitos mistérios que não poderei explicar inteiramente, porquanto suas palavras significam muito mais do que o som transmite. Disse-me: - Esposa e pomba minha, ouve: como teu Pai e mestre, quero responder a tua dúvida e instruir tua ignorância. Adverte que o principal e legítimo fim do decreto de comunicar minha divindade à pessoa do Verbo, unida hipostaticamente à natureza humana, foi a glória que desta comunicação resultaria para meu nome, e para as criaturas capazes da que Eu lhes quis dar. —
Este decreto seria infalivelmente executado na Encarnação, ainda que o primeiro homem não tivesse pecado. Decreto expresso e incondicional na substância, por ele deveria cumprir-se minha vontade de, em primeiro lugar, comunicar-me à alma e à humanidade do Verbo Encarnado. Assim era conveniente à minha eqüidade e à retidão de minhas obras.— Ainda que isso foi posterior na execução, na intenção foi anterior.
Se tardei enviar meu Unigênito ao mundo, foi porque desejei preparar-lhe um grupo escolhido e santo de justos que, não obstante o pecado original comum a todos, seriam como rosas entre os espinhos dos outros pecadores. —
Em conseqüência da queda do gênero humano, é que determinei com decreto expresso, que o Verbo viesse em forma passível e mortal para redimir o povo de quem era cabeça. Deste modo, mais se manifestaria meu amor infinito pelos homens, e seria prestada a devida satisfação à minha eqüidade e justiça.
Se aquele que pecou era homem, e o primeiro no existir, o Redentor devia ser homem (Cor 15,21), e o primeiro na dignidade. —
Nisto conheceriam os homens a gravidade do pecado, e o amor de todos teria um único objeto, pois um só e o mesmo é seu Criador, Redentor e Juiz. Quis também obrigá-los a esta gratidão e amor, não punindo os mortais, como os anjos apóstatas que castiguei sem apelação. Ao homem perdoei, esperei e lhe dei oportuno remédio, executando o rigor de minha justiça em meu unigênito Filho (Rm 8,32), e passando ao homem a piedade de minha grande misericórdia.
A Encarnação, se não existisse pecado: 74. — Para melhor entenderes a resposta de tua dúvida deves advertir que, visto em meus decretos não haver sucessão de tempo, nem eu dele necessitar para entender e agir,
os que dizem que o Verbo se encarnou para redimir o mundo não erram, e os que dizem que se encarnaria mesmo que o homem não pecasse, também acertam, desde que o entendam de acordo com a verdade. —
Se Adão não pecara, o Verbo desceria do céu na forma conveniente àquele estado de inocência. Como pecou, houve aquele segundo decreto, para descer passível e reparar o pecado. —
Desejas saber como se executaria o mistério da Encarnação, caso o homem conservasse seu estado de inocência? Sua forma humana na substância seria a mesma, mas com o dom da impassibilidade e imortalidade, como esteve meu Unigênito depois que ressuscitou, até subir aos céus. Viveria e conversaria com os homens, seus mistérios seriam conhecidos por todos. Muitas vezes lhes revelaria sua glória, como uma vez em sua vida mortal, a revelou diante de três apóstolos (Mt 17,1) apenas. — Naquele estado de inocência, todos o veriam com grande glória, alegrar-se-iam na sua convivência, não oferecendo impedimentos às suas divinas influências, já que seriam sem pecado. Tudo isto, porém, foi impedido e frustrado pela culpa, e por causa dela o Verbo veio passível e mortal.
[...] A Encarnação ordenada à Redenção: 76. — O motivo de ser mais geral a opinião que o Verbo desceu do céu principalmente para redimir o mundo, procede, entre outras causas, de ser o mistério da redenção e seus fins mais conhecidos, além de já estar realizado, e a Sagrada Escritura nele insistir muitas vezes. — O desígnio da impassibilidade, pelo contrário, não se executou nem foi decretado absoluta e expressamente. Tudo o que se referia a esse estado, portanto, permaneceu oculto, e ninguém pode vir a sabê-lo, se Eu não lhe der particular luz e revelação, sobre aquela nossa intenção e amor pela natureza humana. — Ainda que isto poderia comover muito os mortais, se o meditassem e o compreendessem, o decreto e obras da redenção de sua queda, é mais forte e eficaz para movê-los e trazê-los ao conhecimento e correspondência de meu amor, finalidade de todas minhas obras. Por esta vantagem, providencio para que estes motivos e mistérios sejam mais lembrados e tratados do que aqueles outros. Além disto, numa obra pode haver dois fins, quando um deles é condicional.
Se o homem não pecasse, não desceria o Verbo em forma passível, e se pecasse, seria passível e mortal. Deste modo, em qualquer caso não se deixaria de realizar o mistério da Encarnação. —
Quero que os mistérios da Redenção sejam conhecidos, estimados e continuamente lembrados para me agradecerem. Não obstante, quero também que os mortais reconheçam o Verbo humanado por sua cabeça e causa final de toda criação. Foi Ele, depois de minha própria benignidade, o principal motivo que tive para dar existência às criaturas. Deve ser reverenciado, não somente porque redimiu a estirpe humana, mas também porque foi a causa de sua criação.