Irmã venerável Maria de Ágreda (Espanha, 1602-1665). Obra: "Mística Cidade de Deus. Ed. Mosteiro Portaceli. 2011." [3º Tomo - 2ª Parte - 6º Livro - Cap. 20 - pág. 351/353:][Maria de Ágreda diz:] Pilatos condena Jesus à flagelação: 1336. Tal era a implacável sanha dos pontífices e dos seus confederados, os fariseus, contra o Autor da vida. Lúcifer, perdendo a esperança de lhe impedir a morte
[para evitar que Jesus redimisse a humanidade, como Maria de Ágreda explica em outra parte], com espantosa malícia irritava os judeus para a executarem com desmedida crueldade. Pilatos, entre a luz da verdade que conhecia e os motivos humanos que o aliciavam, seguindo a injustiça a que estes arrastam os chefes, mandou açoitar (Jo 19, 1) rigorosamente a quem declarava inocente. Para executar esta sentença inspirada pelo demônio,
foram designados seis funcionários da justiça. De grande força muscular, homens vis e sem piedade, aceitaram com muito gosto o ofício de verdugos. O colérico e invejoso sempre se deleita em desafogar a ira, ainda que seja com atos desonestos, cruéis e vergonhosos. Imediatamente, estes ministros do demônio, com outros muitos, levaram nosso Salvador Jesus ao lugar do suplício. Era um pátio ou saguão da casa, onde costumavam torturar outros delinqüentes, para forçá-los a confessar seus delitos. Este pátio se encontrava numa construção não muito alta, rodeada de colunas. Umas sustentavam a cobertura e outras eram livres e mais baixas. A uma destas, de mármore, foi Jesus fortemente amarrado, porque sempre o julgavam mágico e capaz de escapar de suas mãos.
Jesus é despido: 1337.
Despiram nosso Redentor, tirando-lhe primeiro a veste branca, não com menor insulto do que quando o vestiram na casa do adúltero e homicida Herodes. Ao desatar as cordas e correntes que trazia desde a prisão no horto, maltrataram-no impiamente, abrindo as chagas que elas lhe haviam produzido nos braços e nos pulsos, por estarem muito apertadas. Ficando com as divinas mãos livres, mandaram com insolente autoritarismo e blasfêmias, que o próprio Senhor tirasse a túnica inconsútil que levava. Era a mesma que sua Mãe santíssima lhe vestira no Egito quando, menino, começara a andar conforme ficou narrado em seu lugar. No momento, o Senhor só trazia essa túnica, pois quando O prenderam no Horto, tiraram-lhe o manto ou capa que costumava trazer sobre ela. Obedeceu o Filho do eterno Pai aos verdugos e começou a despir-se, para sofrer a humilhação de expor seu sagrado e honestíssimo corpo diante de tanta gente. Parecendo aos verdugos que a modéstia do Senhor retardava muito a operação, acabaram de lhe arrancar violentamente a túnica.
Ficou Jesus apenas com a peça interior que lhe servia de calção, a mesma que sua Mãe santíssima lhe vestiu no Egito com a túnica. Estas vestes haviam crescido com seu sagrado corpo, como também o calçado que lhe fizera a mesma Senhora. Nunca as tirou, a não ser as sandálias, durante a pregação que muitas vezes fazia descalço.
Jesus não foi totalmente despido: 1338. Sei que alguns doutos presumiram e disseram que, para a flagelação e a crucifixão, nosso Redentor foi despido totalmente, permitindo Ele esta confusão para seu maior martírio. Havendo eu, por ordem da obediência, indagado a verdade, foi-me declarado que a paciência do divino Mestre estava pronta para sofrer, sem resistir, qualquer opróbrio, conquanto não fosse indecente. Os verdugos pretenderam afrontá-lo com a total nudez de seu corpo santíssimo e chegaram a tentar despojá-lo daquela peça que lhe ficara. Não o puderam conseguir. Em chegando a tocá-la, seus braços ficaram rígidos e gelados, como sucedeu em casa de Caifás, quando pretenderam desnudar o Senhor do céu, como fica dito no Capítulo 17. Ainda que os seis algozes, sucessivamente, empregaram toda a força para isso, aconteceu-lhe o mesmo. Não obstante, depois, para açoitar o Senhor com mais crueldade ergueram um tanto essa roupa; permitiu-lhe o Salvador, não porém, que a tirassem de todo. O milagre de se verem tolhidos para esse desacato, não comoveu nem abrandou o coração daquelas feras humanas. Com insânia diabólica, atribuíram-no à feitiçaria e arte mágica que imputavam ao Autor da verdade e da vida.
A flagelação: 1339. Assim despido, na presença de muita gente, foi Jesus cruelmente atado pelos seis verdugos a uma coluna daquele edifício, a fim de o castigarem mais à vontade.
Por ordem, de dois a dois, o açoitaram com tão inaudita ferocidade que, humanamente, não se poderia cogitar, se Lúcifer não tivesse dominado o ímpio coração daqueles seus agentes. Os dois primeiros açoitaram o inocentíssimo Senhor com cordas muito retorcidas, duras e grossas, empregando neste sacrilégio toda a raiva de sua indignação, e a força de seus músculos. Estes primeiros açoites cobriram todo o corpo deificado de nosso Salvador de grandes manchas roxas e vergões. Ficou entumecido, desfigurado, com o preciosíssimo sangue à flor da pele.
Cansados estes algozes, entraram em cena os dois seguintes. Com correias duríssimas continuaram a flagelação que abriu as esquimoses e vergões feitos pelos primeiros. O sangue divino rebentou, molhou todo o sagrado corpo de Jesus, salpicou as vestes dos sacrílegos esbirros e escorreu até o solo.
Retiraram-se estes verdugos para dar lugar aos terceiros que se serviram de novos flagelos de nervos de animais, quase tão duros como vime seco. Açoitaram o Senhor com maior crueldade, pois feriam nas próprias feridas que os primeiros tinham feito, e porque eram ocultamente instigados pelos demônios enfurecidos com a paciência de Cristo.
O Homem das dores: 1340. Estando rasgadas as veias do sagrado corpo, e
todo ele uma só chaga, não encontraram os terceiros verdugos nenhuma parte sã para abrir outras. Persistindo nos desumanos golpes, rasgaram a imaculada e virginal carne de Cristo nosso Redentor, caindo no solo muitos pedaços. Em muitos pontos das costas os ossos ficaram a descoberto, manchados pelo sangue, alguns na extensão de um palmo. Para apagar totalmente aquela beleza que excedia a de todos os filhos dos homens (SI 44,3),
açoitaram-lhe o divino rosto, os pés e as mãos, sem deixar lugar por ferir, até onde puderam desafogar o furor e ódio que haviam concebido contra o inocentíssimo Cordeiro. O divino sangue correu pelo solo, acumulando-se em diversas poças. Os golpes que lhe deram nos pés, nas mãos e na divina face, foram extremamente dolorosos, por serem estas partes mais nervosas, sensíveis e delicadas. A venerável face ficou entumecida e chagada até cegar os olhos pelo sangue e pelo inchaço. Além de tudo isto,
cobriram-na de cusparadas imundíssimas que lhe lançaram juntamente com os golpes, fartando-o de opróbrios (Trenos 3, 30).
O número exato dos açoites recebidos pelo Salvador foi cinco mil cento e quinze, desde a planta dos pés até a cabeça. O grande Senhor e autor de toda a criatura, impassível por sua natureza divina, na condição de nossa carne ficou, por nosso amor, transformado em homem de dores, conforme a profecia de Isaias (53,3), bem capacitado na experiência de nossas enfermidades, o último dos homens, reputado pelo desprezo de todos.