Irmã venerável Maria de Ágreda (Espanha, 1602-1665). Obra: "Mística Cidade de Deus. Ed. Mosteiro Portaceli. 2011." [3º Tomo - 2ª Parte - 6º Livro - Cap. 5 - pág. 211/212:][Maria de Ágreda diz:] Primeiras falhas de Judas 1087.
O caráter de Judas, porém, o ajudava pouco. Entre os discípulos e Apóstolos havia imperfeições de homens, ainda não de todo conformados na perfeição da graça.
Começou o imprudente discípulo a se preferir aos outros, tropeçando nos defeitos de seus irmãos, reparando mais nos alheios do que nos próprios (Lc 22, 41). Consentindo neste erro, sem reparo nem emenda, a viga em seus olhos foi crescendo, na medida em que, com indiscreta presunção, reparava no argueiro dos de seus irmãos.
Criticava-os e pretendia, com mais presunção do que zelo, emendar em seus irmãos faltas muito menores do que as que ele cometia. Entre os demais Apóstolos,
implicou-se com São João, julgando-o presumido e intrometido junto de seu Mestre e da Mãe santíssima, apesar dele ser também tão favorecido por ambos. Até aqui, as desordens de Judas não passavam de culpas veniais, sem ter perdido a graça justificante. Tais faltas, porém, eram de má espécie e muito voluntárias. Com plena advertência deixou entrar a primeira, que foi a vã complacência; esta chamou a segunda, que foi de alguma inveja; daqui resultou a terceira, que foi
condenar e julgar com pouca caridade as ações de seus irmãos. Estas abriram a porta para outras maiores, e em conseqüência se lhe foi esfriando o fervor da devoção e a caridade para com Deus e o próximo. A luz interior foi-se enfraquecendo e apagando, e
começou a sentir pelos Apóstolos e pela Mãe santíssima certo aborrecimento com fastio de seu convívio e atos santíssimos.
Judas perde a graça 1088.
A prudentíssima Senhora observava este extravio de Judas e procurava curá-lo antes que se entregasse à morte do pecado, falando-lhe e admoestando-o como a filho caríssimo, com extrema suavidade e enérgicas razões. A tempestade que começava a se levantar no inquieto coração de Judas, as vezes se acalmava. A tranqüilidade, porém, não durava muito, e logo se agitava novamente. Dando entrada ao demônio, chegou a irritar-se contra a mansíssima pomba e com afetada hipocrisia procurava esconder, negar ou desculpar suas faltas, como se pudera enganar seus divinos Mestres e ocultar-lhes o segredo de seu íntimo. Com isto,
perdeu a reverência interior à Mãe de misericórdia, desprezando suas admoestações e atirando-lhe em rosto a doçura de suas palavras e conselhos.
Este ingrato atrevimento arrebatou-lhe a graça. O Senhor se indignou gravemente e deixou-o entregue a seu próprio arbítrio (Ecli 15, 14), por culpa de seus desmedidos desacatos. Desviando-se da graça e intercessão de Maria santíssima, ele mesmo fechou as portas da misericórdia e de sua salvação.
Depois desta má vontade pela amorosa Mãe, começou a aborrecer-se de seu Mestre, a desgostar-se de sua doutrina e a achar pesada a vida dos Apóstolos e a convivência com eles.
Judas não aceita correção 1089.
Apesar de tudo, a divina Providência não o abandonou logo, e sempre lhe enviava auxílios interiores. Ainda que fossem menos especiais dos que recebia antes, eram suficientes, se ele os aproveitasse. Além destas graças,
não cessou a clementíssima Senhora de exortá-lo carinhosamente para que se humilhasse, e pedisse perdão a seu divino Mestre e verdadeiro Deus. Em nome do Senhor, ofereceu-lhe misericórdia, e de sua parte o acompanharia, rogaria por ele e faria penitência por seus pecados.
D"ele só desejava que se arrependesse e se emendasse. Todas estas oportunidades ofereceu-lhe a Mãe da graça para remediar, no princípio a queda de Judas. Sabia que o maior mal não era cair, mas permanecer no pecado sem se levantar.
O soberbo discípulo não podia negar o testemunho que sua consciência dava de seu mau estado. Não obstante,
foi se obstinando. Temendo a vergonha do que lhe podia conquistar glória, caiu na confusão que aumentou seu pecado. Com tal soberba, não aceitou os salutares conselhos da Mãe de Cristo, negou sua culpa, protestando com
fingidas palavras que amava seu Mestre. E, quanto ao mais, nada tinha do que se emendar.
Caridade e paciência de Jesus e Maria 1090.
Foi admirável o exemplo de caridade e paciência que nos deixaram Cristo nosso Salvador e sua Mãe santíssima, a respeito de Judas, depois de sua queda em pecado. De tal modo o toleraram em sua companhia, que jamais lhe mostraram semblante carregado, nem deixaram de o tratar com a mesma bondade como aos demais. Esta foi a causa dos outros Apóstolos nada suspeitarem do mal íntimo de Judas, ainda que seu procedimento dava grandes indícios de sua má consciência. Não é fácil, e quase impossível, forçar sempre as inclinações para as dissimular. Não se estando muito prevenido, sempre agimos conforme nossas tendências e costumes, e então, elas se revelam aos que convivem conosco. O mesmo sucedia com Judas entre os Apóstolos, mas como todos viam a afabilidade e amor com que Cristo, nosso Redentor, e sua Mãe santíssima sempre o tratavam, julgavam enganar-se nas suspeitas e maus indícios da queda do infiel Apóstolo. Por esta mesma razão, quando na última ceia legal lhes disse o Senhor que um deles O havia de entregar (Mt 26,21; Mc 14, 18; Lc 22, 21; Jo 13, 18), sentiram-se todos assustados e duvidosos, e cada um perguntava se iria ser o traidor. Gozando São João de maior intimidade com o Mestre, chegou a ter alguma luz sobre as maldades de Judas, e com isso se preocupava. Por este motivo revelou-lhe o Senhor, por sinais, conforme narra o Evangelho (Jo 13,26). Até aquela hora, porém, o divino Mestre nunca dera a perceber o que se passava em Judas. Esta paciência é ainda mais admirável em Maria santíssima que, sendo Mãe e pura criatura, via que já se aproximava a traição que aquele desleal discípulo cometeria contra seu Filho santíssimo, a quem amava como Mãe e não como serva.