Irmã venerável Maria de Ágreda (Espanha, 1602-1665). Obra: "Mística Cidade de Deus. Ed. Mosteiro Portaceli. 2011." [3º Tomo - 2ª Parte - 6º Livro - Cap. 5 - pág. 213/214:][Maria de Ágreda diz:] Judas cobiça o cargo de tesoureiro: 1092. Para que o Senhor não me repreenda por haver calado, ao que ficou dito, falarei sobre mais outra causa da ruína de Judas. Desde que começou a crescer o número de Apóstolos e discípulos, determinou o divino Mestre que algum deles se encarregasse de receber e distribuir as esmolas, como síndico e administrador para as necessidades comuns e pagamento dos tributos imperiais. Sem indicar ninguém, Cristo nosso Senhor propôs a todos.
Temendo este ofício ninguém se ofereceu, enquanto Judas imediatamente o cobiçou. Para consegui-lo, o ambicioso discípulo se humilhou a pedir a São João falasse à Rainha santíssima, para que Ela o obtivesse do Senhor. São João assim o fez, mas a prudentíssima Senhora, conhecendo que o pedido não era justo nem conveniente, procedente de cobiça, não quis propô-lo ao divino Mestre. A mesma diligência fez Judas por meio de São Pedro e outros Apóstolos, mas tampouco o conseguia, porque a clemência do Altíssimo lho queria impedir, para justificar sua causa quando o permitisse. Esta resistência, em vez de sossegar o coração de Judas, e de
abrandar a avareza que já o dominava, mais inflamou a infeliz chama que o abrasava. Atiçava-a satanás com pensamentos ambiciosos, feios até para qualquer pessoa de outro estado. Se para outros seriam indecorosos e culpáveis, muito mais o eram para Judas, discípulo da escola da maior perfeição, onde gozava da luz do sol da justiça Cristo, e da lua Maria. No dia da abundância e da graça, iluminado pelo sol de seu divino Mestre, não podia deixar de conhecer o delito de consentir em tais sugestões. Em a noite da tentação tinha a influência da lua Maria para livrar-se do veneno da serpente. Como, porém,
fugia da luz e se entregava às trevas, corria para o precipício. Atreveu-se a pedir, pessoalmente, a Maria santíssima o cargo que pretendia, perdendo o medo e encobrindo sua cobiça com a cor da virtude. Dirigiu-se a Ela e lhe disse que o pedido que Pedro e João, seus irmãos, lhe haviam feito em seu nome, procedia do desejo que ele tinha de servir a ela e a seu Filho, com toda a dedicação, pois nem todos tinham nisso o cuidado que era justo. Portanto, suplicava- lhe que o alcançasse de seu Mestre.
Maria procura dissuadi-lo: 1093. Com grande mansidão, respondeu-lhe a Senhora do mundo: Considera bem, caríssimo, o que pedes, e examina se é reta a intenção com que o desejas. Reflete se te convém apetecer o que teus irmãos, os discípulos, temem e só aceitariam obrigados pela obediência a seu Mestre e Senhor. Ele te ama mais do que tu a ti mesmo, e sabe, sem se enganar, o que te convém. Entrega-te à sua santíssima vontade, muda teus planos e procura entesourar humildade e pobreza. Levanta-te donde caíste que eu te darei a mão, e meu Filho usará contigo de sua amorosa misericórdia. A quem não dobrariam estas doces palavras e enérgicas razões, ouvidas de tão divina e amável criatura como Maria santíssima?
Todavia, não se abrandou nem comoveu aquele feroz coração, duro como diamante. Pelo contrário, irritou-se interiormente, dando-se por ofendido pela divina Senhora que lhe oferecia o remédio de sua mortal doença. Um ímpeto desenfreado de ambição e cobiça da paixão concupiscível, irrita à irascível contra quem a estorva, e reputa os bons conselhos por agravos. A amantíssima e amável pomba, porém, deixou passar e, por então, não falou mais com o obstinado Judas.