Irmã venerável Maria de Ágreda (Espanha, 1602-1665). Obra: "Mística Cidade de Deus. Ed. Mosteiro Portaceli. 2011." [3º Tomo - 2ª Parte - 5º Livro - Cap. 19 - pág. 118:][Nossa Senhora diz a Maria de Ágreda:] Responsabilidade dos cristãos 932.
Os fiéis da santa Igreja reprovam muito o pecado dos incrédulos judeus em tirar a vida a seu Deus e Mestre. Realmente, foi gravíssimo e mereceu os castigos recebidos por aquele ingrato povo. Os católicos, porém, não advertem que seus pecados têm circunstâncias que os tornam mais graves que o dos judeus.
A ignorância destes, embora culpável, era real. Voluntariamente, o Senhor se entregou a eles, permitindo a ação do poder das trevas (Lc 22,53) que dominava os judeus em conseqüência de suas culpas.
Hoje, porém, os católicos não podem alegar esta ignorância, porque estão envolvidos pela luz, e nela conhecem e penetram os divinos mistérios da Encarnação e Redenção. A santa Igreja encontra-se estabelecida, propagada, ilustrada com prodígios, com santos, com as Escrituras, conhecendo e professando verdades que os outros não alcançaram. Com todo este cúmulo de favores, benefícios, ciência e luz,
muitos vivem como infiéis, ou como se não tivessem diante dos olhos tantos motivos para os despertar e tantos castigos para os atemorizar.
Em tais condições, como podem imaginar que outros pecados foram maiores e mais graves que os seus? E, como não temem que seu castigo será mais terrível? Oh! minha filha, pondera muito esta doutrina, e teme com santo temor. Humilha-te até o pó, e diante do Altíssimo considera-te a menor das criaturas. Contempla as obras de teu Redentor e Mestre, aproveita-as e aplica-as à tua justificação, na contrição e penitência de tuas culpas. Imita-me e segue meus caminhos, como na divina luz os conheces. Quero que trabalhes não só para ti, mas também para teus irmãos. Farás isto rezando e sofrendo por eles, admoestando com caridade aos que puderes, e fazendo-lhes, por esta virtude, o que não estarias obrigada. Sê mais solícita ainda em procurar o bem de quem te ofender, suportando a todos e humilhando-te até aos menores. Aos necessitados na hora da morte, como tens ordem de o fazer, sê diligente em auxiliá-los com fervorosa caridade e firme confiança.
[3º Tomo - 2ª Parte - 6º Livro - Cap. 19 - pág. 346:][Maria de Ágreda diz:] Pilatos lava as mãos: 1325. Esta visão produziu em Prócula grande susto e medo. Quando soube o que se passava entre os judeus e seu marido, enviou-lhe o recado que São Mateus refere (27, 19); que não se envolvesse em condenar a morte a quem sabia ser inocente. Temores semelhantes pôs também o demônio na imaginação de Pilatos, reforçados depois pelo aviso de sua mulher. Não passavam de receios mundanos e políticos, e como ele não cooperava com os verdadeiros auxílios do Senhor, este medo perdurou apenas até ser substituído por outro maior, como se viu pelos fatos. Por ora, insistiu terceira vez com os judeus, como diz São Lucas (23, 22), defendendo a inocência de Cristo, nosso Senhor, e afirmando que não achava nele crime algum digno de morte; que o castigaria e depois o soltaria. Efetivamente o castigou para ver se, com isto, ficariam satisfeitos, como direi no capítulo seguinte. Não obstante, com grande clamor, os judeus insistiram que o crucificasse (Lc 23, 23). Então Pilatos pediu que lhe trouxessem água e mandou soltar Barrabás. Lavou as mãos na presença de todos, dizendo: Não tenho parte na morte deste homem justo que condenais. Fica na vossa responsabilidade: em testemunho disto lavo minhas mãos, para que não fiquem manchadas com o sangue do Inocente (Mt 27,24). Pilatos julgou que, com aquela cerimônia, justificava a si e responsabilizava aos chefes judeus e a todo o povo, da morte de Cristo nosso Senhor. Foi tão louco e cego o ódio dos judeus que, a troco de ver o Senhor crucificado, concordaram com Pilatos e invocaram sobre si e seus descendentes a culpa daquele delito.
Proclamando a tremenda sentença e execração, gritaram: Que seu sangue caia sobre nós e nossos filhos (Mt. 27,25).
Culpa dos judeus, e não menor a dos cristãos: 1326. Oh! cegueira insensata e crudelíssima! Oh! temeridade jamais imaginada! A injusta condenação do Justo e o sangue do Inocente, a quem o próprio juiz declara sem culpa, quereis atrair sobre vós e vossos filhos, para que esteja clamando contra vós até o fim do mundo?
Oh! pérfidos e sacrílegos judeus, tão pouco pesa o sangue do Cordeiro que lava os pecados do mundo, e a vida de um homem que é também Deus verdadeiro? É possível que desejais descarregá-lo sobre vós e vossos filhos? Se ele fôra só vosso irmão, benfeitor e mestre, vossa audácia seria tremenda e execranda vossa maldade. Justo é o castigo que sofreis. O sangue de Cristo que, voluntariamente quisestes carregar sobre vós e vossos filhos, não vos deixa descansar, nem sossegar em todo o mundo. E lógico que vos oprima e esmague esta carga mais pesada que os céus e a terra. Coisa dolorosa! Este sangue divino deveria cair sobre todos os filhos de Adão para lavá-los e purificá-los, pois para isto foi derramado sobre todos os filho da santa Igreja.
Apesar disso há tantos que, com suas obras chamam sobre si a responsabilidade deste sangue, como os judeus o fizeram com obras e palavras. Estes, ignorando e não crendo que era sangue do Redentor, e os católicos [os maus católicos] sabendo e confessando que o é.
[3º Tomo - 2ª Parte - 6º Livro - Cap. 19 - pág. 348:][Maria de Ágreda diz:] Culpa de Pilatos: 1329. A
insipiência de Pilatos não foi menor em pensar que, lavando as mãos e imputando aos judeus o sangue de Cristo, justificava-se perante sua consciência e diante dos homens, a quem pretendia satisfazer com aquela cerimônia cheia de hipocrisia e mentira.
Verdade é, que os judeus foram os principais atores e maiores culpados na condenação do Inocente, atraindo sobre si mesmos este tremendo crime, mas nem por isto Pilatos deixou de ser também culpado. Conhecendo a inocência de Cristo Senhor nosso, não devia confrontá-lo a um ladrão homicida (Lc 23,25), e castigá-lo para se emendar do que nada tinha a corrigir. Ainda menos deveria condená-lo, entregando-o ao capricho de seus mortais inimigos, cuja inveja e crueldade bem conhecia. Não pode ser justo o juiz que, ciente da verdade e justiça, a coloca na balança com fins humanos do próprio interesse. Este peso arrasta a razão dos homens de coração covarde. Não tendo a competência e as virtudes que os juízes necessitam, não podem resistir à cobiça e ao respeito humano. Cegos pela paixão, faltam à justiça para não arriscar seu interesse temporal, como aconteceu a Pilatos.
[3º Tomo - 2ª Parte - 6º Livro - Cap. 20 - pág. 358/359:][Nossa Senhora diz a Maria de Ágreda:] Deus não é responsável pela maldade humana: 1351. Minha filha, estás refletindo, com admiração, na dureza e malícia dos judeus e na facilidade com que Pilatos, conhecedor dos fatos, capitulou diante deles, para agir contra a inocência de meu Filho e Senhor. Quero tirar-te desta admiração, com ensinamentos e avisos apropriados para andares com cuidado no caminho a vida. Já sabes que as antigas profecias do mistério da redenção, e todas as santas escrituras eram infalíveis. Antes faltaria o céu e a terra do que seu cumprimento (Mt 24, 35; At 3, 18), como na mente divina estava determinado.
Para se executar a ignominiosa morte profetizada para meu Senhor (Sab 2, 20; Jer 11, 19), eram necessários homens que o perseguissem. O fato, porém, destes terem sido os judeus e seus pontífices, e Pilatos o injusto juiz que o condenou, foi suma infelicidade deles e não escolha do Altíssimo que a todos quer salvar (1 Tim 2, 4).
Quem levou estes ministros a tamanha ruína, foram suas próprias culpas e desmedida malícia. Resistiram à graça inefável de ter consigo o seu Redentor e Mestre, de tratar com Ele, ouvir sua pregação e doutrina, assistir seus milagres e receber tantos favores, como nenhum dos antigos pais receberam, apesar de muito os desejar (Mt 13,17). Com isto se justificou a causa do Senhor e ficou evidente como cultivou sua vinha com as próprias mãos, cumulando-a de benefícios. Em troca, ela lhe deu espinhos e abrolhos, tirou a vida ao Senhor que a plantara e não o quis reconhecer, como devia e podia, mais que os estranhos.