Irmã venerável Maria de Ágreda (Espanha, 1602-1665). Obra: "Mística Cidade de Deus. Ed. Mosteiro Portaceli. 2011." [3º Tomo - 2ª Parte - 6º Livro - Cap. 22 - pág. 382/383:][Maria de Ágreda diz:] Quarta palavra: Meu Deus, porque me desamparaste?: 1395. Aproximava-se a hora nona do dia que, pela obscuridade e turbação, mais parecia confusa noite. Da cruz, o Salvador disse a quarta palavra, em voz alta e forte, que pôde ser ouvida por todos os circunstantes (Mt 27,46): Meu Deus, meu Deus, porque me desamparaste? Embora pronunciadas na língua hebraica, nem todos entenderam essas palavras; como as primeiras soam Eli, Eli, pensaram alguns que estava a chamar por Elias. Zombando do seu clamor, diziam (Idem v. 49): Vejamos se Elias virá livrá-lo agora de nossas mãos. O mistério destas palavras de Cristo foi tão profundo quanto oculto aos judeus e gentios, e os sagrados Doutores lhe tem atribuído muitos sentidos.
O que a mim foi manifestado é que, o desamparo de Cristo não procedeu da divindade se ter separado da humanidade santíssima, dissolvendo-se a união substancial hipostática e cessando a visão beatífica de sua alma. Destas duas uniões a humanidade santíssima gozou desde o instante em que, pelo Espírito Santo, foi concebido no tálamo virginal e
jamais cessaram. Esta doutrina é a verdadeira e católica.
E certo também que a humanidade santíssima foi desamparada pela divindade quanto a não defendê-la da morte e das dores da acerbíssima Paixão. O eterno Pai, entretanto, não o desamparou totalmente, pois zelou por sua honra e a testemunhou com a convulsão da natureza, que assim mostrou o sentimento pela morte de seu divino Filho. De outro desamparo se queixou nosso Salvador, procedente de sua imensa caridade pelos homens: a perda dos réprobos, da qual se doeu na última hora, como na agonia do horto, onde sentiu tristeza até à morte, como ali se descreveu . Oferecendo por toda a estirpe humana tão copiosa e superabundante redenção,
sentiu o abandono dos condenados que não a aproveitariam e seriam separados d"Ele e da eterna felicidade, para a qual os criou e redimiu.
Como este era o decreto da eterna vontade do Pai, amorosa e dolorosamente se queixou: Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste? Querendo dizer: privando-me da companhia dos que deveriam ser salvos mas se perderam.
[3º Tomo - 2ª Parte - 6º Livro - Cap. 23 - pág. 394:][Maria de Ágreda diz:] A quarta palavra de Cristo na cruz, e os demônios: 1419. A quarta palavra de Cristo nosso Salvador foi dirigida ao eterno Pai (Mt 27, 46):
Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste? Ao ouvi-la, os malignos espíritos compreenderam que a caridade de Cristo pelos homens era imensa e sem fim; que para satisfazê-la, misteriosamente fora suspenso o influxo da divindade sobre sua humanidade santíssima. Este supremo rigor da paixão tornou a redenção copiosíssima, e
sua amorosa queixa era pelos homens que o abandonariam e não seriam salvos, pelos quais estava disposto a sofrer mais, se o eterno Pai assim o ordenasse. Esta felicidade dos homens em serem tão amados por Deus, aumentou a inveja de Lúcifer e seus ministros. Sentiram a onipotência divina disposta a usar com os homens aquela caridade sem limites. Este conhecimento quebrou o orgulho e malignidade dos inimigos e reconheceram-se fracos para se oporem àquela caridade, se os homens não a quisessem malograr.