Irmã venerável Maria de Ágreda (Espanha, 1602-1665). Obra: "Mística Cidade de Deus. Ed. Mosteiro Portaceli. 2011." [2º Tomo - 2ª Parte - 3º Livro - Cap. 5 - pág. 21/23:]
[O Altíssimo diz à Nossa Senhora:] A
divina bondade e a ingratidão humana: 48. Para manifestar outros segredos à divina Rainha, falou-lhe o Altíssimo, com indizível ternura: Esposa e pomba minha, conheceste em meu íntimo a imensa liberalidade que
me inclina ao amor da espécie humana, e os ocultos tesouros que preparei para sua felicidade. Tão grande força tem este amor sobre mim, que lhes desejo dar meu Unigênito para seu Mestre e Salvador. Conheceste também um pouco da
má correspondência, grosseira ingratidão e desprezo que fazem os homens de minha clemência e amor. Ainda que te manifestei parte de sua malícia quero, minha amiga, que novamente conheças em meu ser o
limitado número dos escolhidos que me conhecerão e amarão, e quão grande é o dos ingratos e réprobos. Estes pecados sem número, e as abominações de tantos homens imundos e tenebrosos (que
em minha ciência infinita prevejo) detém minha liberal misericórdia e fecham com fortes cadeados a saída dos tesouros de minha divindade, tornando o mundo indigno de os receber. 49. Por estas palavras do Altíssimo, conheceu a Princesa Maria grandes sacramentos sobre o
número dos predestinados e dos réprobos; sobre a
resistência e óbice que os pecados dos homens opunham à intenção divina de enviar ao mundo o Verbo eterno humanado.
[...] Maria conhece a predestinação das almas: 52. Não é possível manifestar os ocultos mistérios que Maria santíssima conheceu no Senhor. N"Ele
viu todas as criaturas presentes, passadas e futuras, a disposição de suas almas, as obras boas e más que fariam, e o fim que todas teriam. Se não fosse confortada pela virtude divina, não teria podido conservar a vida, em conseqüência dos efeitos e sentimentos que esta ciência e visão, de tão recônditos mistérios, nela produziram. Como, porém, estes milagres e graças eram-lhe concedidos para altos fins, Deus não se mostrava parcimonioso, mas sim liberalíssimo com a escolhida para Mãe sua. Desta ciência que recebia diretamente do ser divino, dimanava-lhe também o fogo da caridade eterna que a inflamava no amor de Deus e do próximo. Assim continuou suas petições dizendo:
Advoga a causa dos mortais: 53. Senhor, Deus eterno, invisível e imortal, confesso vossa justiça, engrandeço vossas obras, adoro vosso ser infinito e reverencio vossos juízos. Meu coração se desfaz em afetos de amor, vendo vossa
ilimitada bondade pelos homens e a pesada ingratidão deles para convosco. A todos quereis, meu Deus, dar a vida eterna. Poucos agradecerão este inestimável benefício, e muitos o perderão por malícia. Se por isso vos desobrigais, Bem meu, estamos perdidos. Se,
com vossa ciência divina estais prevendo as culpas e malícia dos homens que tanto vos desobrigam, com a mesma ciência vêdes vosso Unigênito humanado, seus atos de infinito valor e apreço para vossa aceitação e que, sem comparação, ultrapassam e excedem as ofensas dos pecados. A este Homem-Deus deveis considerar e, por atenção a Ele, nô-Io dar. Para novamente solicitá-lo em nome do gênero humano, visto-me do espírito do Verbo feito homem em vossa mente, peço sua encarnação e
por Ele a vida eterna para todos os mortais.
[3º Tomo - 2ª Parte - 5º Livro - Cap. 19 - pág. 118:]
[Nossa Senhora diz a Maria de Ágreda:] Origem das desgraças sociais 931.
Outras vezes te falei que o número destes infelizes prescitos é tão grande e dos que se salvam tão pequeno, que não convém te explicar melhor. Se és verdadeira filha da Igreja e esposa de Cristo, meu Filho e Senhor,
poderias morrer de dor, ao entender tal desgraça. Dir-te-ei o que podes saber. Toda esta perdição e os males que padece o povo cristão, no governo e em outras coisas que afligem assim os chefes como os membros deste corpo místico, tanto eclesiásticos como leigos,
tudo se origina e é conseqüência do esquecimento e descaso que fazem da vida de Cristo e das obras da redenção humana. Se fosse empregado algum meio para despertar sua memória e gratidão, se procedessem como filhos fiéis e reconhecidos a seu Criador e Redentor, e a mim sua intercessora,
aplacar-se-ia a indignação do justo Juiz.
A geral ruína e açoite para os católicos teria algum remédio, e aplacar-se-ia o eterno Pai que justamente zela pela honra de seu Filho, e castiga com mais rigor aos servos que conhecem a vontade de seu Senhor e não a cumprem.
[4º Tomo - 3ª Parte - 7º Livro - Cap. 10 - pág. 108:]
[Diálogo entre Nossa Senhora e o apóstolo João:] Ó João — respondeu a Rainha — se a perdição de algumas almas fosse determinada pela vontade de Deus, eu poderia me consolar um pouco. Mas, ainda que permita a condenação dos réprobos, porque eles querem se perder, não era esta a absoluta vontade da divina bondade, que a todos quereria salvar (1 Tm 2,4), se eles com seu livre arbítrio não lhe resistissem.
A meu Filho Santíssimo custou suar sangue, o ver que nem todos seriam predestinados e não aproveitariam o que Ele derramava por sua salvação. Se agora no céu, pudesse sentir dor por qualquer alma que se perde, sem dúvida a teria maior do que padecer por ela. Para Mim, que conheço esta verdade e vivo em carne passível, é razão que sinta o que meu Filho tanto deseja e não consegue. Estas e outras palavras da Mãe de misericórdia, comoveram São João até as lágrimas, e acompanhou-a no pranto durante longo tempo.
[4º Tomo - 3ª Parte - 7º Livro - Cap. 10 - pág. 108:]
[Nossa Senhora diz a Maria de Ágreda:] O Altíssimo sempre se comove por esta caridade pelo próximo, e pelo amor que procura impedir o pecado que O ofende. Ele não quer a morte do pecador (Ez 33, 11).
Conforme escreveste, não foi sua vontade absoluta e determinante perder alguma de suas criaturas, pelo contrário, quis salvar a todas. Se permite, em sua justiça, que algumas se percam, permite o que é de seu desagrado, para respeitar a liberdade humana. Não tenhas receio de suplicar a salvação das almas; para as coisas temporais, porém, apresenta-as a Deus pedindo-lhe que se cumpra sua santa vontade no que convém.