Irmã venerável Maria de Ágreda (Espanha, 1602-1665). Obra: "Mística Cidade de Deus. Ed. Mosteiro Portaceli. 2011." [1º Tomo - 1ª Parte - 2º Livro - Cap. 1 - pág. 209/210:][Maria de Ágreda diz:] A arca da aliança, figura de Maria escrita, simbolizam Maria Santíssima: 413.
Entre as figuras que, na lei escrita, simbolizam Maria Santíssima, nenhuma foi mais expressiva que a Arca do Testamento. A matéria de que era feita, o que continha, o fim para o qual servia, o que por ela e com ela operava o Senhor naquela antiga Sinagoga.
Tudo era um esboço desta Senhora e do que por Ela e com Ela realizaria em a nova Igreja evangélica. O cedro incorruptível (Ex 25,10) de que — não por acaso, mas por divina disposição — foi construída, representa expressamente nossa arca mística, livre da corrupção do pecado atual e da oculta carcoma do original, com seu inseparável “fomes” e paixões. O finíssimo e puríssimo ouro (Idem, 11) de que era revestida, por dentro e por fora, indubitavelmente significava a mais perfeita elevação da graça e dons que em seus divinos pensamentos, ações e costumes resplandecia. Interior e exteriormente, foi impossível divisar nesta arca, parte, tempo ou instante, em que não estivesse toda repleta e revestida de graça, e graça de subidíssimos quilates.
Maria, escrínio de Deus: 414. As tábuas da lei, feitas de pedra, a urna do maná (Hb 9,4) e a vara dos prodígios, que aquela antiga Arca continha e guardava, não poderiam
simbolizar com maior exatidão o Verbo humanado. Encerrado na arca viva de Maria Santíssima, foi seu Filho unigênito a pedra fundamental (ICor 3,11) e viva do edifício da Igreja evangélica; a pedra angular (Ef 2,20) que uniu dois povos tão opostos, como o judeu e o gentio. Para isso foi cortada do monte (Dn 2,34) da eterna geração, gravada pelo dedo de Deus com a nova lei da graça, e depositada na arca virginal de Maria. Entenda-se, portanto, que esta grande Rainha se tornou a depositária de quanto Deus era e fazia com as criaturas. Guardava também consigo o maná da Divindade e da graça, o poder e a vara dos prodígios e maravilhas, para que somente nesta divina e mística Arca se encontrasse a fonte das graças, o mesmo Deus, para Dela transbordarem as maravilhas e prodígios do poder divino. Quanto este Senhor é, quer e faz, saiba-se que em Maria está encerrado e depositado.
Maria, propiciatório e trono da graça: 415. A tudo isto, era conseqüente que a Arca da Aliança (Êx 26,34), não pela figura e sombra, mas pela verdade que simbolizava, servisse de peanha ou sustentáculo ao propiciatório.
Neste pusera o Senhor seu trono e tribunal de misericórdia, para ouvir seu povo, responder-lhe e conceder-lhe suas petições e favores. Assim, em nenhuma outra criatura, fora de Maria Santíssima, colocou Deus seu trono de graça. Não podia deixar de fazê-la propiciatório, uma vez que havia construído esta mística e verdadeira Arca para nela se encerrar. Deste modo,
parece que o tribunal da divina justiça ficou reservado a Deus, enquanto o propiciatório e tribunal da misericórdia foram dados a Maria dulcíssima. A Ela, como ao trono da graça deveríamos ir com segura confiança, apresentar nossos pedidos, suplicar benefícios graças e misericórdias que, fora do propiciatório da grande rainha Maria, nem são ouvidas, nem despachadas para o gênero humano.
Maria, a arca do Novo Testamento, deveria ficar no Templo: 416. Tão misteriosa e sagrada Arca, construída pela mão do mesmo Senhor para sua habitação, e propiciatório de seu povo, não estava bem fora do templo, onde se encontrava guardada a outra arca material, figura desta verdadeira e espiritual do Novo Testamento. Por esta razão,
ordenou o Autor desta maravilha, que Maria Santíssima fosse colocada em sua casa, o templo, terminados três anos após seu felicíssimo nascimento. Verdade é que, com grande admiração, vejo muita diferença entre o que sucedeu com aquela primeira e figurativa Arca, e o que acontece com a segunda e verdadeira. Quando o rei David trasladou a arca para diferentes lugares, e depois seu filho Salomão a colocou no templo, seu lugar apropriado — ainda que aquela arca não tinha outra grandeza senão a de representar Maria Puríssima e seus mistérios — foram suas trasladações e mudanças festivas e cheias de regozijo para aquele antigo povo. Testemunharam as solenes procissões que fez Davi da casa de Aminadab e à de Obededon (2Rs 6,10; 2Par 23; 3Rs 8,5; 2Par 5) e desta ao tabernáculo de Sião (2Rs 12), cidade de Davi. Finalmente, de Sião foi trasladada por Salomão ao novo templo que edificara por ordem do Senhor, para casa de Deus e oração.
As trasladações da antiga arca e a apresentação de Maria: 417. Em todas estas trasladações, conduziu-se a antiga arca da aliança com pública veneração, e culto soleníssimo de música, danças, sacrifícios e júbilo daqueles reis e de todo o povo de Israel. Refere-o a história sagrada nos livros segundo e terceiro dos Reis, e primeiro e segundo dos Paralipômenos. Nossa mística e verdadeira Arca, Maria, entretanto, ainda que mais rica, estimável e digna da maior veneração entre todas as criaturas, não foi levada ao templo com tão solene aparato e ostentação pública. Não houve nesta misteriosa trasladação sacrifícios de animais, nem pompa real e majestade de Rainha. Foi conduzida da casa de seu pai Joaquim, nos humildes braços de sua mãe Ana que, embora não fosse pobre, nesta ocasião levou sua querida Filha para apresentá-la ao templo ao modo dos pobres, com humilde recolhimento, sozinha e sem ostentação popular. Toda a glória e majestade desta procissão, quis o Altíssimo fosse divina e invisível. Os mistérios de Maria Santíssima foram tão elevados e ocultos, que muitos deles até hoje são desconhecidos, pelos inescrutáveis juízos do Senhor, que reserva tempo e hora oportunos para todas e cada uma das coisas.
Razão pela qual a apresentação da Virgem foi sem aparato: 418. Admirando-me eu, na presença do Altíssimo, desta maravilha e louvando seus desígnios, dignou-se Sua Majestade responder-me desta maneira: —
Se ordenei que a arca do velho testamento fosse venerada com tanta festividade e aparato, era por ser figura expressa de quem seria Mãe do Verbo humanado. Aquela arca era irracional e material e com ela podia-se, sem inconveniente, usar de tal celebridade e ostentação. Com a Arca viva e verdadeira, porém, não permiti assim, enquanto viveu em carne mortal, para ensinar com este exemplo o que tu e as demais almas deveis aprender, enquanto sois viadoras. A meus escolhidos, gravados em minha mente e aceitação para eterna memória, não quero que a honra e exagerado e ostensivo aplauso dos homens lhes sirva, na vida mortal, como recompensa do que fizeram para minha honra e serviço. Tampouco lhes convém o risco de repartir o amor, entre Aquele que os justifica e faz santos, e aqueles que os celebram por tais. Um é o Criador que os fez, sustenta, ilumina e defende; único há de ser o amor e atenção, e não o devem repartir, ainda que seja para remunerar e agradecer as honras tributadas, com zelo piedoso aos justos. O amor divino é delicado, a vontade humana fragilíssima e limitada; dividida, pouco e imperfeitamente pode fazer, e depressa tudo perde. Para deixar este ensinamento,
Eu não quis que fosse conhecida e honrada durante a vida, nem levada ao templo com ostentação e honra visíveis, Aquela que era santíssima e por minha proteção não podia cometer imperfeição.