Irmã venerável Maria de Ágreda (Espanha, 1602-1665). Obra: "Mística Cidade de Deus. Ed. Mosteiro Portaceli. 2011." [1º Tomo - 1ª Parte - 2º Livro - Cap. 6 - pág. 246/249:]
[Maria de Ágreda diz:] Fé e visão em Maria: 492. Alguém poderia objetar que não se adequava na Rainha do céu o exercício da fé, suposto haver muitas vezes recebido a clara visão da divindade e, outras muitas, a visão abstrativa, o que também dá a evidência do que o entendimento conhece, como disse acima, e adiante tomarei a repetir. A dúvida procederá de que a fé é a substância das coisas que esperamos e argumentos das que não vemos, como diz o Apóstolo (Hb 11,1). Quer dizer que, das coisas que esperamos na futura vida e bem-aventurança, não temos outra presença, nem substância ou essência, enquanto somos viadores, senão aquela que a fé contém em seu objeto, crido obscuramente como por um espelho. Mas, a força deste hábito infuso que inclina a crer o que não vemos, e a certeza infalível do que é crido, produzem para o entendimento argumento eficaz e infalível, e leva a vontade a crer, segura e sem temor, o que deseja e espera. Conforme a esta doutrina, se a Virgem Santíssima, nesta vida, chegou a ver e possuir a Deus — o que é o mesmo — sem o véu da fé obscura, parece que não lhe ficaria obscuridade para crer mediante a fé, o que havia visto claramente face a face. Mais ainda, sabendo-se que em seu entendimento permaneciam as espécies recebidas na visão, clara ou evidente, da divindade.
Concordância entre fé e visão, na alma de Maria Santíssima: 493.
Esta dúvida não derroga a fé em Maria Santíssima, antes a eleva e engrandece. Desejou o Senhor que sua Mãe fosse tão admirável no privilégio desta virtude da fé — como também na esperança — que transcendesse a qualquer ordem comum dos outros viadores. Quis que seu excelente entendimento, para vir a ser mestra e artífice destas grandes virtudes, fosse ilustrado, umas vezes por atos perfeitíssimos de fé e esperança, e outras vezes com a visão ou posse, ainda que de passagem, do fim e objeto que acreditava e esperava. Em sua origem, conheceria e saborearia as verdades que, como mestra dos crentes,
teria que ensinar a crer pela virtude da fé. Unir ambas as coisas na alma santíssima de Maria era fácil ao poder de Deus. Além disso, era como devido à sua Mãe puríssima, a quem nenhum privilégio, por grande que fosse excedia, nem poderia faltar.
Quando exercitava a fé obscura: 494. Verdade é que, com a clareza do objeto conhecido, não se coaduna a obscuridade da fé, mediante a qual
cremos o que não vemos, nem a posse pode coexistir com a esperança. Quando Maria Santíssima gozava destas evidentes visões, ou quando usava das espécies que, com evidência, ainda que abstrativa, lhe manifestavam os objetos, também não exercitava os atos obscuros da fé, nem usava deste hábito, mas apenas o da ciência infusa. Mas, nem por isto lhe permaneciam ociosos os hábitos das virtudes teologais da fé e esperança. Para Maria Santíssima exercitá-los, o Senhor suspendia o concurso, ou detinha o uso das espécies claras e evidentes, com que cessava a ciência atual,
deixando operar a fé obscura. Neste perfeitíssimo estado, permanecia em certos tempos a soberana Rainha,
ocultando-lhe o Senhor as notícias claras, como sucedeu no altíssimo mistério da Encarnação do Verbo, conforme direi em seu lugar.
[...] Quando, porém, Maria Santíssima
anuiu à embaixada do Arcanjo [sua fé no mistério da Encarnação], foi digna de incomparável prêmio, porque o mereceu, na aceitação de tal mistério. O mesmo sucedeu em outros que acreditou.
[...] 496. Tampouco foi-lhe dado o uso da ciência infusa,
quando perdeu o Menino, ao menos para saber onde ele se encontrava, assim como conhecia outras coisas mediante aquela luz. Nestas ocorrências, também não gozava das espécies claras da divindade, como aconteceu ao pé da cruz, quando o Senhor suspendeu na alma santíssima de sua Mãe, a visão e as operações que lhe impediriam a dor. Então convinha que sofresse somente com fé e esperança.
[...] Por isto,
procurou o Menino com aflição (Lc 2,48) conforme Ela o disse, na fé viva e esperança.
Praticou-as também na paixão e ressurreição de seu único e amado Filho. Nesta ocasião, foi Ela a única depositária da fé da igreja, ficando essa virtude concentrada toda em sua Mestra e Fundadora.
[...] 500. Ao praticar os atos de fé e esperança no estado mais inferior e ordinário, excedia a todos os santos e anjos; amando mais que eles, os sobrepujou nos merecimentos.
[...] 502. Nossa preexcelsa senhora Maria, entretanto,
tem maiores títulos que Abraão para ser chamada Mãe da fé e de todos os crentes. Em sua mão está arvorado o estandarte e vexilo da fé para todos os crentes da lei da graça. O patriarca foi o primeiro, na ordem do tempo, destinado para pai e cabeça do povo hebreu. Grande e excelente foi sua fé no Cristo, nosso Senhor prometido, e nas palavras do Altíssimo. Todavia, em todas estas obras, foi a fé da Virgem Santíssima, sem comparação mais admirável e assim, primeira em dignidade.
Maior dificuldade e até impossibilidade do que uma anciã estéril, era uma virgem conceber, dar à luz. Não estava o patriarca Abraão tão certo de que se executaria o sacrifício de Isaac, como estava Maria Santíssima de que, efetivamente, seria sacrificado seu Filho Santíssimo. Foi Ela quem creu e esperou em todos os mistérios, ensinando a toda a igreja como deveria crer no Altíssimo e nas obras da Redenção. Assim, conhecida a fé da nossa Rainha Maria,
não resta dúvida, ser Ela a Mãe dos crentes, e modelo da fé e esperança católica. Para concluir este capítulo, digo que
Cristo nosso Redentor e Mestre, sendo compreensor e gozando sua alma santíssima da suma glória e visão beatífica não tinha fé, não podia praticá-la, nem ser mestre desta virtude. O que não pôde fazer o Senhor, por si mesmo, quis fazê-lo por sua Mãe Santíssima, constituindo-a fundadora, mãe e exemplar da fé, da sua Igreja evangélica. No dia do juízo universal, será esta soberana Senhora e Rainha, juiz que assistirá, particularmente, com seu Filho Santíssimo, no julgamento dos que não têm crido, apesar de terem no mundo visto o seu exemplo.