Juliana de Norwich (Inglaterra, 1342-1416). Obra: "Revelações do Amor Divino. Ed. Paulus. 2018 — Coleção Clássicos do cristianismo."
[Capítulo 57 – pág. (pdf) 138:][Juliana de Norwich diz:] Pois as mesmas virtudes que recebemos de nossa substância, dadas à nossa natureza pela bondade de Deus, são renovadas pelo trabalho de misericórdia e graça através do Espírito Santo; essas virtudes e esses dons são entesourados para nós em Jesus Cristo.
Pois, ao mesmo tempo que Deus se uniu a nosso corpo, no útero da Virgem, assumiu nossa alma sensível. E ao assumi-la, fazendo-nos todos inclusos nele, uniu-a à nossa substância. Nessa união, ele foi o homem perfeito, pois Cristo, unindo-se a cada homem que será salvo, é o homem perfeito.
Assim, Nossa Senhora é nossa Mãe, em quem estamos todos incluídos e de quem somos nascidos em Cristo, pois ela, que é Mãe de nosso Salvador, é Mãe de todos que serão salvos em nosso Salvador; e nosso Salvador é nossa verdadeira Mãe, em quem infinitamente nascemos e de quem nunca sairemos.
[Capítulo 60 – pág. (pdf) 144/146:][Juliana de Norwich diz:] O amor natural da mãe.Mas agora é necessário dizer um pouco mais dessa ação de distribuição, como entendo na intenção de Nosso Senhor, como aquilo a que somos levados novamente, pela maternidade da misericórdia e da graça, ao lugar de nossa natureza, onde
fomos criados pela maternidade do amor natural, amor esse que nunca nos deixa.
Nossa Mãe enquanto natureza e nossa Mãe enquanto graça, pois desejou por completo se tornar nossa Mãe em todas as coisas, e assumiu o fundamento de seus trabalhos muito humildemente e muito delicadamente no útero da Virgem – e isso revelou na primeira visão, [1] onde trouxe a delicada donzela diante dos olhos de meu entendimento com a simples aparência que tinha quando ela concebeu. Isto é, nosso nobre Deus é a soberana sabedoria de tudo, e nesse lugar inferior se arrumou e se preparou, estando completamente pronto para, em nossa própria carne, ele mesmo fazer o serviço e a obra da maternidade em todas as coisas.
O serviço da mãe é o mais próximo, mais disposto e mais seguro: mais próximo, pois é o mais natural; mais disposto, pois é o mais amoroso; e mais seguro, pois é o mais verdadeiro. Esse trabalho ninguém nunca poderia, nem saberia, nem mesmo deveria fazer completamente, exceto ele sozinho. Sabemos que todas as nossas mães nos trazem ao mundo para sofrer e morrer, e que apenas nossa verdadeira Mãe, Jesus, ele que é Todo-Amor, carrega-nos para a alegria e a vida eterna. Bendito seja! Assim, sustenta-nos dentro dele em amor; e trabalhou até o tempo em que desejou sofrer as mais agudas agonias e as mais graves dores que existiram ou existirão, e morreu no final. E quando terminou, e então nascemos para a felicidade, ainda não podia tudo isso satisfazer totalmente o seu maravilhoso amor; e isso mostra nestas palavras supremas e incomparáveis de amor: [2] “Se eu pudesse sofrer mais, eu sofreria mais”.
Ele não poderia morrer mais, mas não desejava deixar de agir, pois isso é necessário para ele nos alimentar. Pois o honrado amor da maternidade o fez nosso devedor. A mãe pode permitir ao filho sugar seu leite, mas nossa preciosa Mãe, Jesus, pode nos alimentar com ele próprio, e o faz, muito cortês e delicadamente, com o sacramento bendito, que é o precioso alimento de minha vida. E com todos os doces sacramentos nos sustenta em completa misericórdia e graça, e essa sua intenção se mostrou nestas palavras abençoadas, onde disse: [3] “Eu sou aquele que a Santa Igreja prega e ensina a ti. Isto é, toda a saúde e vida dos sacramentos, todas as virtudes e graças da minha palavra, toda a bondade que é estabelecida na Santa Igreja para ti, sou eu”. A mãe pode deixar a criança delicadamente em seu peito, mas nossa delicada Mãe, Jesus, pode graciosamente nos conduzir ao seu santo peito através de seu doce flanco aberto, e mostrar ali uma parte da divindade e das alegrias do céu, com a certeza espiritual de alegria eterna. E isso me mostrou na Décima Visão, [4] dando o mesmo entendimento quando disse estas doces palavras: “Vê como te amo”, olhando as feridas no flanco de seu corpo e se rejubilando.
Essa adorável palavra, “mãe”, é tão doce em sua natureza que não poderia ser verdadeiramente dita de ninguém senão dele, e dela que é a verdadeira Mãe dele e de todos. À propriedade da maternidade pertencem o amor natural, a sabedoria e o conhecimento, e isso é a bondade, pois, embora possa ser que nossa criação física seja insignificante, inferior e simples em relação a nossa criação espiritual, ainda é ele que a faz nas criaturas por quem faz. A amável e adorável mãe que deseja e sabe a necessidade de seu filho o protege muito delicadamente, como a natureza e a condição de maternidade anseiam. E quando ela cresce em idade, muda seu trabalho, mas não seu amor. E quando o filho cresce ainda mais em idade, ela permite os castigos, para destruir os vícios e fazer a criança receber as virtudes e graças. Esse trabalho, com tudo que é justo e bom, Nosso Senhor realiza naqueles que o fazem, e assim
ele é nossa Mãe em natureza, pelo trabalho da graça, em sua parte inferior, e por amor, em sua parte superior. E deseja que saibamos isso, pois assim terá todo nosso amor atado a ele.
E nisso vi que todos os deveres que são nossas obrigações, pelo mandamento de Deus para a paternidade e maternidade, são realizados no verdadeiro amor de Deus, esse bendito amor que Cristo elabora em nós. E isso foi mostrado em todas as revelações e especialmente nas ricas palavras em que diz: [5] “Eu sou aquele que tu amas”.