Irmã venerável Maria de Ágreda (Espanha, 1602-1665). Obra: "Mística Cidade de Deus. Ed. Mosteiro Portaceli. 2011." [3º Tomo - 2ª Parte - 5º Livro - Cap. 5 - pág. 25/28:][Maria de Ágreda diz:] Jesus vai ao templo: 760. Tendo-se ocupado nesta e noutras obras da vontade do eterno Pai, foi ao Templo. No dia, do qual fala o evangelista São Lucas (2,46), reuniram-se os rabinos que eram os doutores e mestres da lei, num lugar onde discutiam algumas dúvidas e passagens das Escrituras.
Naquela ocasião, disputavam sobre a vinda do Messias. Pelas novidades e prodígios que se tinham visto naqueles anos, desde o nascimento do Batista e a vinda dos Reis orientais, crescera o rumor entre os judeus, de que chegara o tempo do Messias e que já se encontrava no mundo, embora ainda não fosse conhecido. Estavam todos assentados em seus lugares, com a autoridade que costumam assumir os mestres e os que se têm por doutos.
Aproximou-se o infante Jesus da reunião daqueles magnatas. Rei dos Reis e Senhor dos senhores (Tim 6,15; Àpoc 19,16), Sabedoria infinita (1 Cor 1, 24), aquele que emenda os sábios (Sab 7,15), apresentou-se ante os mestres da terra como discípulo humilde. Declarou que se aproximava para ouvir o que discutiam e se inteirar da matéria que tratavam: se o Messias prometido já viera, e se chegara o tempo de sua vinda ao mundo.
Erro dos rabinos: 761. As opiniões dos letrados variavam muito sobre este ponto, afirmado por uns e negado por outros. Os do lado negativo alegavam algumas passagens e profecias das Escrituras, interpretadas errada e materialmente, como disse o Apóstolo: Entendida sem espírito, a letra mata (2 Cor 3,6).
Estes sábios enfatuados afirmavam que o Messias viria com majestade e grandeza de rei. Com seu grande poder libertaria seu povo da servidão temporal que os mantinha sujeitos aos gentios. Ora, deste poder e libertação não havia indícios na atual condição dos hebreus, impossibilitados de sacudir do pescoço o jugo do império romano. Esta opinião tinha grande influência sobre aquele povo cego e carnal.
Entendiam ser só para eles a Redenção que o Messias viria operar para seu povo, com o poder divino de sua majestade e grandeza.
Esta redenção seria temporal e terrena, como ainda hoje esperam os judeus obcecados pelo véu que obscurece seus corações (Is 6,10). Ainda não se convenceram que a glória, majestade e poder de nosso Redentor e a liberdade que veio trazer ao mundo, não é terrena e perecível mas sim celeste, espiritual e eterna. E, não só para os judeus — ainda que foi oferecida a eles em primeiro lugar — mas para toda a raça humana de Adão, sem exceção (2 Cor 3,15).
O Menino no meio dos doutores: 762. Viu o mestre da verdade, Jesus, que a disputa ia se encerrar com esse erro, pois os poucos que discordavam dessa opinião, eram vencidos pela autoridade e argumentos dos outros. Como o Senhor viera ao mundo dar testemunho da verdade (Jo 18, 37), que era Ele mesmo, não quis consentir nessa ocasião — quando importava tanto manifestá-la — que, pela autoridade dos sábios, ficasse estabelecido o erro contrário. Sua caridade imensa não tolerou ver aquela ignorância de suas obras e altíssimos fins, nos mestres que deviam ser idôneos ministros da verdadeira doutrina para instruir o povo no caminho da vida e de seu autor, nosso Redentor. O Menino Deus aproximou-se mais do grupo em discussão, para manifestar a graça que se derramava de seus lábios (SI 44, 3). Com rara majestade e formosura, pôs-se no meio deles, como quem deseja expôr alguma dúvida. Seu aprazível semblante despertou naqueles sábios o desejo de ouvi-lo atentamente.
As profecias sobre o Messias: 763. Disse o Menino Deus: ouvi e entendi perfeitamente vossa conferência sobre a vinda do Messias e a conclusão a que chegastes. Concordo que os Profetas dizem que sua vinda será com grande poder e majestade, como aqui se referiu citando seus testemunhos. Isaías diz que será nosso Legislador e Rei que salvará seu povo (Is 33, 22). Em outro lugar afirma que virá com grande cólera (Is 30, 27). David também assegurou que abrasará todos seus inimigos (SI 96, 3). Daniel afirma que todas as tribos e nações o servirão (Dan 7,14). O Eclesiástico declara que com Ele virá grande multidão de Santos (Ecli 24,3). Os Profetas e as Escrituras estão cheios de semelhantes promessas, para manifestar sua vinda com sinais muito claros e visíveis, se forem olhados com atenção e luz. A dúvida, porém, se levanta, quando estas e outras passagens dos Profetas, parecem se contradizer. Uma vez que todos são igualmente verdadeiros, é forçoso que se lhe dê o verdadeiro sentido que permita concordarem mutuamente. Assim, como entenderemos o que diz o mesmo Isaías?
Virá da terra dos viventes, e quem contará sua geração? (Is 53, 8). Foi saciado de opróbios (Is 53,11); será conduzido à morte como a ovelha ao matadouro, sem abrir a boca Jeremias afirma que os inimigos do Messias se unirão para persegui-lo, para por veneno em seu pão e apagar seu nome da terra (Jer 11,19), ainda que não prevalecerão. David diz que será o opróbrio dos homens qual verme pisado e desprezado (SI 21,7 e 8). Zacarias anuncia que virá manso e singelo, montado num humilde animal (Zac 9, 9). E, todos os Profetas apresentam os mesmos sinais do Messias prometido.As duas vindas do Messias: 764.
Pois, como será possível — acrescentou o Menino Deus — aceitar estas profecias, se supomos que o Messias virá com majestade e poder, armado para vencer todos os reis e monarcas, pela violência e derramamento de sangue alheio? Não podemos negar que virá duas vezes: a primeira para remir o mundo e a segunda para julgá-lo.
Sendo assim, as profecias devem ser aplicadas a estas duas vindas, dando a cada uma o que lhe compete. Como o fim destas duas vindas serão diferentes, também o serão suas circunstâncias, pois o papel desempenhado numa, será muito diferente do da outra. Na primeira vencerá o demônio, derrubando-o do poder que adquiriu sobre as almas com o primeiro pecado. Para isto, em primeiro lugar, há de oferecer a Deus reparação por todo o gênero humano. Em seguida, ensinará aos homens, pela palavra e pelo exemplo, o caminho da vida eterna: como vencer os inimigos, como servir e adorar seu Criador e Redentor, como corresponder e bem usar dos benefícios e dons recebidos de sua mão. A estes fins, o Messias ajustará sua vida e doutrina na primeira vinda.
A segunda, será para pedir contas a todos no juízo universal, e dar a cada um a recompensa de suas obras, boas ou más, castigando a seus inimigos com furor e indignação. Isto é o que dizem os Profetas de sua segunda vinda.
Correta interpretação das profecias: 765. De acordo com isto, se quisermos entender que a primeira vinda será com poder e majestade, e como disse David, que reinará de mar a mar (SI 71, 8): que seu reino será glorioso, como dizem outros Profetas (Is 52,6; Jer 30, 9; Ez 37,22; Zac 9,10): tudo isto não se pode interpretar materialmente, de um reino e aparato majestoso, sensível e corporal. Deve-se entender do novo reino espiritual que fundará numa nova Igreja e se estenderá por sobre todo o orbe, com majestade, poder e riquezas da graça e das virtudes contra o demônio.
Esta interpretação permite que as Escrituras concordem entre si, e não é possível dar-lhes outro sentido. O fato do povo de Deus estar sob o império romano sem poder libertar-se, não constitui sinal para negar a chegada do Messias, mas, pelo contrário é prova infalível que já veio ao mundo. Nosso patriarca Jacó deixou este sinal para seus descendentes o saberem, ao ver a tribo de Judá sem o cerro e o governo de Israel (Gn 49,10). E agora confessais que nem esta tribo nem qualquer outra, tem esperança de o recuperar.
Tudo isto é provado também pelas semanas de Daniel (Dan 9,25) que já se completaram. Quem tiver memória há de se lembrar do que ouviu contar. Há poucos anos foi visto em Belém, à meia-noite, um grande resplendor (Lc 2 a v. 9); e a alguns pobres pastores foi dito que o Redentor nascera. Dentro de pouco tempo vieram do Oriente alguns reis, guiados por uma estrela, a procura do Rei dos judeus para adorá-lo (Mt 2 a v. 1). Tudo isso estava profetizado (Miq 5 a v. 2; SI 71,10; Is 60,6). O rei Herodes, pai de Arquelau, acreditou sem duvidar, e mandou tirar a vida a tantos meninos (Mt 2,16) para, entre eles, tirar a daquele rei recém-nascido, temendo que o sucedesse no reino de Israel.
Maria e José encontram Jesus: 766. Outros argumentos apresentou o Menino Jesus, e sob forma de perguntas ensinava com poder divino.
Os escribas e letrados ouviam-no mudos (Lc 4,32), e olhando uns para os outros, com grande admiração perguntaram: que maravilha é esta? Que rapazinho prodigioso! Donde e de quem é este Menino? Não foram além desta admiração, e não conheceram, nem suspeitaram que era aquele que os instruía e iluminava sobre tão importante verdade. Neste momento, antes que o Menino Deus terminasse sua explanação, chegaram sua Mãe e o castíssimo esposo São José, com tempo para ouvir as últimas frases. Terminada a preleção, levantaram-se todos os mestres da lei (Lc 2, 47)
tomados de espanto e admiração. Arrebatada pela alegria, a divina Senhora aproximou-se de seu Filho amantíssimo, e em presença de todos os circunstantes disse o que refere São Lucas (2,48): Filho, por que procedeste assim? Vede como vosso pai e Eu vos procurávamos cheios de aflição. Esta amorosa queixa foi feita pela divina Mãe com tanta reverência quanto afeição, adorando-o como Deus, e representando-lhe sua aflição como a filho. Respondeu Ele: Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo cuidar das coisas que se referem a meu Pai? (Lc 2, 49).