“Se os evangelhos fossem fruto da imaginação literária desses autores, eles não falariam mal de si mesmos, não comentariam a atitude frágil e vexatória que tiveram ao se dispersar quando Cristo foi preso. Quando Cristo se entregou aos seus opositores e deixou seus atos sobrenaturais de lado, os discípulos ficaram frágeis e confusos. Naquele momento, tiveram vergonha dele e sentiram medo. Naquela situação estressante, as janelas de suas mentes foram fechadas e eles o abandonaram. Pedro jurou que não negaria a Cristo. Amava tanto esse mestre que disse que se possível morreria com ele. Porém, Pedro, numa situação delicada, o negou. E não apenas uma vez, mas três vezes, e ainda diante de pessoas sem qualquer poder político. Quem contou aos autores dos quatro evangelhos que Pedro negou a Cristo por três vezes para alguns servos? Quem contou a sua atitude vexatória se ninguém do seu círculo de amigos sabia que ele o havia negado? Pedro, ele mesmo, teve a coragem de contá-Io. Que autor falaria mal de si mesmo? Pedro não apenas contou os fatos, mas expôs os detalhes da sua negação.” [pág. 24/25]
“Se os autores dos evangelhos quisessem produzir conscientemente um herói religioso, eles, como seus discípulos, não desnudariam a vergonha que tiveram dele momentos antes de ele morrer, pois isso deporia contra a adesão a esse suposto herói, ainda mais se fosse imaginário. Esse fato representa um fenômeno inconsciente que acusa a intenção de os discípulos descreverem um homem incomum que realmente viveu nesta terra. Quando Cristo foi aprisionado, injuriado e espancado, o jovem João o abandonou, fugiu desesperadamente, juntamente com os demais discípulos. Além disso, João, o próprio autor do quarto evangelho, descreveu com uma coragem ímpar a sua fragilidade e impotência diante da dramática dor física e psicológica do seu mestre na cruz. Quando João escreveu o seu Evangelho? Quando estava velho, cerca de 90 d.C., mais de meio século depois que esse fato ocorreu. Todos os apóstolos provavelmente já tinham morrido. Nessa época, alguns estavam abandonando as linhas básicas do ensinamento de Cristo, então João, na sua velhice, descreveu tudo aquilo que tinha visto e ouvido. O que se espera de uma pessoa muito idosa, que está no fim da sua vida? Que ela não tenha mais nenhuma necessidade de simular, omitir ou mentir sobre os fatos que viu e viveu. O velho João não se escondeu atrás de suas palavras. Ele não apenas discorreu sobre uma pessoa, Cristo, que marcou profundamente sua história de vida, mas em sua descrição também não se esqueceu de abordar a sua própria fragilidade. Isto é incomum na literatura. Só tem lógica um autor expor suas mazelas desse modo se ele desejar retratar a biografia real de um personagem que está acima delas.” [pág. 25/26]
“Naquela noite, Cristo expressou a dimensão do cálice que iria beber, a dor física e psicológica que iria suportar. Se os autores dos evangelhos tivessem programado a criação de um personagem, teriam escondido a dor, o sofrimento de Cristo e o conteúdo das suas palavras. Teriam apenas comentado os seus momentos de glória, os seus milagres, a sua popularidade. A descrição da dor de Cristo é uma evidência de que ele não era uma criação literária. Não viveu um teatro; o que ele viveu foi relatado.” [pág. 27]