“A presença real do corpo e sangue de Cristo Senhor na Eucaristia é realidade tão profunda que também garante a ressurreição aos corpos humanos. A Tradição ocupa na teologia do bispo de Lião lugar mais alto do que a própria Escritura, porque os autores sacros antes pregaram e só depois escreveram parte do que ensinaram (convém lembrar que Ireneu é o último “vir apostolicus”). A Escritura é ditada pelo Verbo de Deus e seu Espírito Santo, por isso é perfeita.” [pág. 24]
Contra as Heresias: Continuidade entre Antigo e Novo Testamento (189-198 d.C.) “Como poderão ter certeza de que o pão sobre o qual foram dadas graças é o corpo do Senhor e a taça de vinho o seu sangue se não o reconhecem como Filho do Criador do mundo, isto é, o seu Verbo pelo qual o lenho frutifica, brotam as fontes e “a terra dá primeiramente a erva, depois a espiga e por fim a espiga cheia de trigo?” Como ainda podem afirmar que a carne se corrompe e não pode participar da vida, quando ela se alimenta do corpo e do sangue do Senhor? Então, ou mudam sua maneira de pensar ou se abstenham de oferecer as ofertas de que falamos acima. Quanto a nós, nossa maneira de pensar está de acordo com a Eucaristia e a Eucaristia confirma nossa doutrina. Pois lhe oferecemos o que já é seu, proclamando, como é justo, a comunhão e a unidade da carne e do Espírito. Assim como o pão que vem da terra, ao receber a invocação de Deus, já não é pão comum, mas a Eucaristia, feita de dois elementos, o terreno e o celeste, do mesmo modo os nossos corpos, por receberem a Eucaristia, já não são corruptíveis por terem a esperança da ressurreição. A nossa oferta a ele não é como para indigente, mas é agradecimento pelos seus dons e pela santificação da criação. Deus não precisa das nossas ofertas, mas nós precisamos oferecer alguma coisa a Deus, como diz Salomão: “Quem tem compaixão do pobre empresta a Deus . O Deus que não precisa de nada aceita as nossas boas obras para poder dar-nos de volta os seus próprios bens. Como diz o Senhor: “Vinde, benditos de meu Pai, recebei o reino preparado para vós: porque eu tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e me vestistes; doente e me visitastes; prisioneiro e viestes a mim”. Ele não precisa destas coisas, contudo quer que as façamos para o nosso bem, a fim de não sermos infrutuosos; e o próprio Verbo prescreveu ao povo que faça as oblações, embora não precisasse delas, para que aprendessem a servir a Deus, como quer que nós também ofereçamos continuamente e sem interrupção nossos dons no altar. Há, portanto, altar nos céus, aonde sobem as nossas preces e oferendas; e há templo, como diz João no Apocalipse: “Abriu-se o templo de Deus”; e tabernáculo: “Eis — diz — o tabernáculo de Deus, no qual habitará com os homens”. [pág. 423/424]
Escatologia Cristã (189-198 d.C.) “Estultos, completamente, os que rejeitam toda a economia de Deus, negam a salvação da carne, desprezam a sua regeneração, declarando ser ela incapaz de receber a incorruptibilidade. Mas se esta não se salva, então nem o Senhor nos resgatou no seu sangue, nem o cálice eucarístico é comunhão de seu sangue, nem o pão que partimos é a comunhão com seu corpo. Pois o sangue não pode brotar a não ser das veias, da carne e do resto da substância humana e é justamente por se ter tornado tudo isso que o Verbo de Deus nos remiu com seu sangue, como diz o seu Apóstolo: “Nele temos a redenção por seu sangue e a remissão dos pecados”. É por sermos seus membros que somos nutridos por meio das coisas criadas: ele próprio põe à nossa disposição as criaturas, fazendo o sol levantar-se e chover, como quer; ele ainda reconheceu como seu próprio sangue o cálice tirado da natureza criada, com o qual fortifica o nosso sangue, e proclamou ser seu próprio corpo o pão tirado da natureza criada com o qual se fortificam os nossos corpos. Se, portanto, o cálice que foi misturado e o pão que foi produzido recebem a palavra de Deus e se tornam a Eucaristia, isto é, o sangue e o corpo de Cristo, e se por eles cresce e se fortifica a substância da nossa carne, como podem pretender que a carne seja incapaz de receber o dom de Deus, que consiste na vida eterna, quando ela é alimentada pelo sangue e pelo corpo de Cristo, e é membro deste corpo?”. [pág. 522]
”Como a cepa de videira plantada na terra frutifica no seu tempo e o grão de trigo caindo na terra, decompondo-se, ressurge multiplicado pelo Espírito de Deus que sustenta todas as coisas e que, pela inteligência, são postas ao serviço dos homens e, recebendo a palavra de Deus, se tornam eucaristia, isto é, o corpo e o sangue de Cristo, da mesma forma os nossos corpos, alimentados por esta eucaristia, depois de ser depostos na terra e se terem decomposto, ressuscitarão, no seu tempo, quando o Verbo de Deus os fará ressuscitar para a glória de Deus Pai, porque ele dará a imortalidade ao que é mortal e a incorruptibilidade ao que é corruptível, pois o poder de Deus se manifesta na fraqueza. [Nota de rodapé: Tanto firme quanto impressionante é a teologia de Ireneu sobre a Eucaristia — que por sua vez está ligada à teologia da ressurreição. Cristo recapitula todo o cosmos no pão e no vinho, e estes elementos se transformam em Eucaristia e, portanto, em alimento dos homens; ela os capacita para receber a imortalidade e a incorruptibilidade de Cristo. A carne acostumada a receber o “Pão da Vida” (cf. V,3,3) será ressuscitada e verá a Deus. “É da grandeza de Deus e não de nossa natureza que temos a capacidade da vida eterna”.]” [pág. 523]