Scott Hahn. Obra: "O Banquete do Cordeiro - A missa segundo um convertido. Editora Cleófas. Edições Loyola. São Paulo. Brasil. 2014." “Jesus é muitas coisas: é Senhor, Deus, Salvador, Messias, Rei, Sacerdote, Profeta,
e Cordeiro.”
[pág. 31]
“Um desses títulos não é como os outros. Os sete primeiros são títulos com os quais nos dirigimos tranquilamente a um Deus-Homem. São títulos com dignidade, que sugerem sabedoria, poder e posição social. Mas Cordeiro!
[...] Esse título, então, parece quase cômico de tão inadequado. Em geral, cordeiros não ocupam os primeiros lugares das listas de animais mais admirados.
[...] Para o antigo Israel, o cordeiro identificava-se com o sacrifício, e o sacrifício é uma das formas mais primitivas de adoração.”
[pág. 32]
“Além dos holocaustos, os antigos às vezes derramavam "libações" oferendas sacrificais de vinho. Entre os sacrifícios do Gênesis, dois merecem mais nossa atenção: o de Melquisedec (Malki-Sédeq. Gn 14,18-20) e o de Abraão e Isaac (Gn 22). Melquisedec surge como o primeiro sacerdote mencionado na Bíblia, e muitos cristãos (de acordo com Hb 7,1 17) o consideram precursor de Jesus Cristo. Melquisedec era sacerdote e rei, combinação estranha no Antigo Testamento, mas que, mais tarde, foi aplicada a Jesus. O Gênesis descreve Melquisedec como rei de Shalêm, terra que depois seria "Jeru-salém", que significa "Cidade da Paz" (veja SI 76,2). Um dia Jesus surgiria como rei da Jerusalém celeste e, novamente como Melquisedec, "Príncipe da Paz" Em conclusão,
o sacrifício de Melquisedec foi extraordinário por não envolver animal algum. Ele ofereceu pão e vinho, como Jesus fez na Última Ceia, quando instituiu a Eucaristia.”
[pág. 33]
“Mas, na história de Israel, o sacrifício principal foi a Páscoa, que apressou a fuga dos israelitas do Egito.
Foi na Páscoa que Deus instruiu toda família israelita a tomar um animal sem defeito, sem ossos quebrados, degolá-lo e passar seu sangue na ombreira da porta. Os israelitas deveriam comer o cordeiro naquela noite. Se o fizessem, seus primogênitos seriam poupados. Se não o fizessem, seus primogênitos morreriam durante a noite, juntamente com todos os primogênitos de seus rebanhos (veja Ex 12,1-23). O cordeiro sacrifical morreu como expiação, em lugar do primogênito da casa.
A Páscoa, então, foi um ato de redenção, um "resgate"”.
[pág. 35]
“Era todo esse sacrifício apenas um ritual vazio? Não, embora, obviamente, o holocausto, por si só, não fosse suficiente, Deus exigia também um sacrifício interior. O salmista declarou que "o sacrifício que Deus quer é um espírito contrito" (SI 51,19). O profeta Oseias falou por Deus e disse: “Pois é o amor que me agrada, não o sacrifício; e o conhecimento de Deus, eu o prefiro aos holocaustos" (Os 6,6).Contudo, a obrigação de oferecer sacrifícios foi mantida.
Sabemos que Jesus cumpria as leis judaicas referentes ao sacrifício. Ele celebrava a Páscoa todos os anos em Jerusalém e é de se presumir que comesse o cordeiro sacrificado, primeiro com a família e mais tarde com os apóstolos.
Afinal de contas, isso não era facultativo.
Consumir o cordeiro era o único jeito de o judeu fiel renovar a aliança com Deus, e Jesus era um judeu fiel.Mas a importância da Páscoa na vida de Jesus foi mais que ritual, foi fundamental para sua missão, um momento definitivo.
Jesus é o Cordeiro. Quando Jesus estava diante de Pilatos, João observa que "era o dia da preparação da Páscoa, por volta da sexta hora" (Jo 19,14). João sabia que
era na sexta hora que os sacerdotes começavam a imolar os cordeiros pascais Esse, então, é o momento do sacrifício do Cordeiro de Deus.Em seguida, João relata que nenhum dos ossos de Jesus foi quebrado na cruz. "para que se cumprisse a Escritura" (Jo 19,36). Que Escritura era essa? Êxodo 12,46, que estipula que os ossos do Cordeiro da Páscoa não sejam quebrados. Vemos, então, que o Cordeiro de Deus, como o cordeiro da Páscoa, é oferenda condigna, realização perfeita..”Na mesma passagem, João relata que fixaram uma esponja embebida em vinagre na ponta de um ramo de hissopo e a serviram a Jesus (veja Jo 19,29, Ex 12,22). Hissopo era o ramo preceituado pela Lei para borrifar o sangue do cordeiro na Páscoa. Assim, essa ação simples marcou a realização da nova e perfeita redenção. E Jesus disse: “Tudo está consumado".
[...] Para expiar as ofensas contra um Deus que é bom, infinito e eterno, a humanidade precisava de um sacrifício perfeito: um sacrifício tão bom, puro e infinito quanto o próprio Deus. E esse era Jesus, o único que podia "abolir o pecado com seu próprio sacrifício" (Mb 9,26).”
[pág. 37/38]
“Não basta Cristo ter derramado seu sangue e morrido por nós. Agora também temos nosso papel a desempenhar. Como aconteceu com a antiga aliança, acontece com a nova.
Quem quer expressar a aliança com Deus, ratificar a aliança com Deus, renovar a aliança com Deus tem de comer o Cordeiro — o cordeiro pascal que é nosso pão sem fermento. Começa a soar familiar. "Aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue tem vida eterna" (Jo 6,54)”.
[pág. 40]
Revista História em Foco - História das Religiões. Ano 5, nº 7, Fevereiro de 2017. Editora Alto Astral. Título da reportagem: “Cristianismo - A transformação da Páscoa”. “A origem da Páscoa é judaica, de acordo com o cardeal Gianfranco Ravasi, autor do livro Êxodo. Muito antes da saída do povo judeu do Egito, o Pessach, palavra hebraica para a páscoa, seria um ritual típico de comunidades agrárias, celebrado por pastores nômades ou seminômades, entre o final da primavera e o início do verão no hemisfério norte (mês de abri).
A principal parte do ritual era o sacrifício de uma cabra ou ovelha jovem, que depois era assada e consumida em um banquete por toda a família. "A estrutura da Páscoa tinha, na origem, um sabor tipicamente pastoral: migração para novas pastagens na lua cheia da primavera, vestimentas para a viagem (roupas no corpo e bastão), alimentos de ocasião (ervas amargas e pães cozidos sobre chapas de pedra),
sacrifício para a fecundidade do rebanho (
cordeiro não despedaçado para que, idealmente, retornasse ao rebanho),
sangue propiciatório contra as ciladas da viagem", afirma Ravasi em sua obra.
[...] Com a inserção da Páscoa no contexto do Êxodo tudo se transformou.
[...] Com isso, a Páscoa - ou o Pessach — passou a representar o Êxodo e logo seria considerada como uma das festividades mais importantes do calendário israelita. Recheada de simbolismos, seu significado em hebraico é "passagem". Os antigos judeus costumavam celebrá-la em grandes reuniões familiares, nas quais
era quase obrigatório servir-se um cordeiro assado e se comia o pão ázimo, feito sem fermento, e ervas amargas.
[...] Segundo o livro do Êxodo, Deus instituiu a data falando pessoalmente a Moisés e Arão ainda no Egito, aos quais deu algumas instruções que hoje seriam condenáveis:
cada família de Israel deveria sacrificar um cordeiro e com o sangue dos animais fazer marcas nas portas de suas casas. Isso porque o Senhor passaria pelo Egito naquela noite para ferir todos os primogênitos, mas as casas que tivessem as marcas do sangue dos cordeiros imolados estariam a salvo da ira divina.
[...] Que Jesus era judeu há dúvida. E, como tal, dava grande importância à Páscoa. Talvez não tenha sido coincidência que os momentos finais e mais importantes de sua vida tenham ocorrido exatamente durante o período pascal — com duração de sete dias na tradição judaica.”