Thomas E. Woods Jr. (EUA – 1972-X). Obra: "Como a Igreja Católica construiu a civilização ocidental. Editora Quadrante. 8ª edição. São Paulo. 2014. 220p." (pág. 59/60) “Entenderemos melhor a visão de São Tomás se começarmos com uma experiência imaginária da nossa vida corrente. Suponhamos que eu queira comprar meio quilo de peito de peru em uma mercearia. Ao chegar lá, sou informado de que tenho de pegar uma senha antes de poder fazer o meu pedido. No entanto, justamente quando estou a ponto de pegar essa senha, dizem-me que tenho de pegar outra senha para poder pegar a senha anterior. E que, justamente quando estou para pegar esta última, devo pegar ainda outra. Deste modo, tenho de pegar uma senha, para pegar uma senha, para pegar uma senha, a fim de poder fazer o meu pedido no balcão da mercearia.
[...] Nessas condições, nunca chegarei ao balcão. Por todo o sempre, daqui até o final dos tempos, estarei correndo atrás de senhas. Mas se eu vir alguém que vem saindo da mercearia com meio quilo de rosbife comprado no balcão, saberei instantaneamente que, na realidade, a série de senhas não pode continuar para sempre, porque nesse caso ninguém poderia jamais ser atendido ao balcão. Portanto, a série tem de ser finita. Este exemplo pode parecer muito distante da questão da existência de Deus, mas não o é; a prova de São Tomás é de certo modo análoga a ambos. Começa pela idéia de que
todo o efeito requer uma causa e de que nada do que existe no mundo físico é causa da sua própria existência: é o chamado princípio da razão suficiente. Quando vemos uma mesa, por exemplo, sabemos perfeitamente que ela não apareceu espontaneamente. Deve a sua existência a algo mais: a um construtor e a uma matéria-prima anteriormente existente. Uma coisa A deve a sua existência a alguma causa B. Mas B, por sua vez, não é um ser que exista por si mesmo, e tem também necessidade de uma causa C. Mas agora C precisa igualmente de uma causa D para existir. Tal como no exemplo da mercearia, deparamos com as dificuldades levantadas por uma série infinita.
E se tivermos uma série infinita, na qual cada causa requeira ela própria uma causa, então nada poderia jamais ter chegado à existência. São Tomás explica que tem de haver, em conseqüência, uma Causa sem causa — uma causa que em si mesma não necessite de causa, e que, por conseguinte, dê início à seqüência de causas. Esta primeira causa — diz São Tomás — é Deus. Deus é um ser que existe por si mesmo, cuja existência é parte da sua própria essência. Nenhum ser humano deve existir necessariamente; houve um tempo antes de cada um de nós ter vindo à existência, e o mundo continuará a existir depois de cada um de nós ter morrido. A existência não é parte da essência de nenhum ser humano, Mas com Deus é diferente: Ele não pode não existir. E não depende de nada anterior a si mesmo para explicar a sua existência.”
Thomas Hobbes (1588-1679). Obra: "Coleção Os Pensadores: Hobbes. Ed. Nova Cultural. São Paulo, 1999. 495p." “A curiosidade, ou amor pelo conhecimento das causas, afasta o homem da contemplação do efeito para a busca da causa, e depois também da causa dessa causa, até que forçosamente deve chegar a esta ideia: que há uma causa da qual não há causa anterior, porque é eterna; que é aquilo a que os homens chamam Deus. De modo que é impossível proceder a qualquer investigação profunda das causas naturais, sem com isso nos inclinarmos para acreditar que existe um Deus eterno, embora não possamos ter em nosso espírito uma ideia dele que corresponda a sua natureza. Porque tal como um homem que tenha nascido cego, que ouça outros falarem de irem aquecer-se junto ao fogo, e seja levado a aquecer-se junto ao mesmo, pode facilmente conceber, e convencer-se, de que há ali alguma coisa a que os homens chamam fogo, e é a causa do calor que sente, mas é incapaz de imaginar como ele seja, ou de ter em seu espírito uma ideia igual à daqueles que veem o fogo; assim também, através das coisas visíveis deste mundo, e de sua ordem admirável, se pode conceber que há uma causa dessas coisas, a que os homens chamam Deus, mas sem ter uma ideia ou imagem dele no espírito.”
[pág. 95/96]Pois aquele que de qualquer efeito que vê ocorrer infira a causa próxima e imediata desse efeito, e depois a causa dessa causa, e mergulhe profundamente na investigação das causas, deverá finalmente concluir que necessariamente existe (como até os filósofos pagãos confessavam) um primeiro motor. Isto é, uma primeira e eterna causa de todas as coisas, que é o que os homens significam com o nome de Deus. [pág. 98]