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Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Obra "Coleção Os Pensadores: Rousseau 2. Ed. Nova Cultural. São Paulo, 1999. 303p." (pág. 64/65)

Em cada animal vejo somente uma máquina engenhosa a que a natureza conferiu sentidos para recompor-se por si mesma e para defender-se, até certo ponto, de tudo quanto tende a destruí-la ou estragá-la. Percebo as mesmas coisas na máquina humana, com a diferença de tudo fazer sozinha a natureza nas operações do animal, enquanto o homem executa as suas como agente livre. Um escolhe ou rejeita por instinto, e o outro, por um ato de liberdade, razão por que o animal não pode desviar-se da regra que lhe é prescrita, mesmo quando lhe fora vantajoso fazê-lo, e o homem, em seu prejuízo, frequentemente se afasta dela. Assim, um pombo morreria de fome perto de um prato cheio das melhores carnes e um gato sobre um monte de frutas ou de sementes, embora tanto um quanto outro pudessem alimentar-se muito bem com o alimento que desdenham, se fosse atilado para tentá-lo; assim, os homens dissolutos se entregam a excessos que lhes causam febre e morte, porque o espírito deprava os sentidos e a vontade ainda fala quando a natureza se cala. [...] A natureza manda em todos os animais, e a besta obedece. O homem sofre a mesma influência, mas considera-se livre para concordar ou resistir, e é sobretudo na consciência dessa liberdade que se mostra a espiritualidade de sua alma, pois a física de certo modo explica o mecanismo dos sentidos e a formação das ideias, mas no poder de querer, ou antes, de escolher e no sentimento desse poder só se encontram atos puramente espirituais que de modo algum serão explicados pelas leis da mecânica.Mas, ainda quando as dificuldades que cercam todas essas questões deixassem por um instante de causar discussão sobre diferença entre o homem e o animal, haveria uma outra qualidade muito específica que os distinguiria e a respeito da qual não pode haver contestação – é a faculdade de aperfeiçoar-se, faculdade que, com o auxílio das circunstâncias, desenvolve sucessivamente todas as outras e se encontra, entre nós, tanto na espécie quanto no indivíduo; o animal, pelo contrário, ao fim de alguns meses, é o que será por toda a vida, e sua espécie, no fim de milhares de anos, o que era no primeiro ano desses milhares.”




Obs.: As expressões no texto entre colchetes ou parêntesis destacadas na cor azul não fazem parte do original.