Blaise Pascal (França, 1623-1662). Obra: "Coleção Os Pensadores: Pascal. Ed. Nova Cultural. São Paulo, 1999. 285p." (pág. 182, 251/252) Razão das figuras — [Tinham de manter um povo carnal
[os Judeus] e torná-lo depositário do testamento espiritual]; era necessário que, a fim de insuflar fé no Messias, existissem profecias anteriores, trazidas por pessoas insuspeitas, de cuidados, fidelidade e zelo incomuns, e conhecidas de toda a terra. Para ter êxito em tudo isso, Deus escolheu esse povo carnal, a cuja guarda confiou as profecias que predizem o Messias como libertador e dispensador dos bens carnais que esse povo amava; e assim teve um ardor extraordinário por seus profetas e trouxe à vista de toda gente esses livros que predizem o Messias, afirmando a todas as nações que ele devia chegar da maneira predita nos seus livros, que eles tinham aberto a toda gente.
E assim esse povo, decepcionado pelo advento ignominioso e pobre do Messias, foi o seu mais cruel inimigo. De sorte que eis o povo do mundo menos suspeito a nos favorecer, e o mais exato e mais zeloso que se possa afirmar em relação à sua lei e aos seus profetas, que os mantêm incorruptos. De sorte que os que rejeitaram e crucificaram Jesus Cristo, que foi para eles um escândalo, são os que carregam os livros que o testemunham e que dizem que ele será rejeitado, e em escândalo.
Assim, ao recusá-lo, provaram que era ele; foi também provado quer pelos judeus justos que o receberam, quer pelos injustos que o rejeitaram, ambos tendo sido preditos. [pág. 182]
Aqueles que veem dificuldade em acreditar procuram o motivo disso no fato de os judeus não crerem. "Se tal coisa fosse clara", diz-se, "por que eles não creriam?" E desejariam quase que eles cressem, para não se ver detidos pelo exemplo daquela recusa. No entanto, é essa recusa, precisamente, a base de nossa crença. Estaríamos menos dispostos a isso caso eles fossem dos nossos. Teríamos, então, um pretexto maior. É surpreendente que isso haja tornado os judeus grandes amadores das coisas preditas e grandes inimigos do cumprimento delas.Os judeus, acostumados a milagres grandes e extraordinários, contando com os golpes do mar Vermelho e da terra de Canaã como resumo dos enormes feitos do Messias, esperavam dele mistérios ainda mais fulgentes. Os de Moisés seriam apenas amostras.
[...] No tempo do Messias, o povo se divide. Os espirituais seguiram o Messias; os grosseiros ficaram para servir como testemunhas. [pág. 251]
— Respondo: antes de mais nada,
foi predito que eles não acreditariam em algo tão claro e que não seriam exterminados. Nada mais glorioso para o Messias; porque não era suficiente que houvesse profetas: era necessário que se conservassem insuspeitos.
[...] Caso os judeus houvessem sido convertidos por Jesus Cristo, teríamos apenas testemunhas suspeitas. E, caso houvessem sido todos exterminados, não teríamos testemunhas.[pág. 252]