“No decorrer dos capítulos subseqüentes, procurarei enfocar a espinhosa questão sempre presente tanto para os que crêem como para os que não crêem, e que diz respeito à ausência divina. Se Deus é uma realidade, por que tal realidade é tão inacessível, tão indemonstrável, tão esquiva? Por que, como questionou Freud, aquilo que se reveste de tamanha importância para os fiéis, ou seja, Deus, há que ser tão desprovido de visibilidade imediata quer a eles próprios, quer àqueles que não acreditam? Sustentarei que um exame da dimensão transcendental da vida de Deus, a vertente do ser de Deus que não pode ser inteiramente representada em termos personalistas, pode auxiliar-nos a entender melhor o "escândalo" da ocultação divina.” [pág. 12]
“Nossa posição aqui, no entanto, é que a realidade de Deus é não menos suscetível de validação imediata do que a dimensão de profundidade subjacente a todas as impressões que o mundo nos causa. Por conseguinte, que Deus não seja facilmente acessível a nossos sentidos ou a nossos caprichos e desejos não deveria ser mais motivo de escândalo do que o fato de a dimensão de profundidade não se sujeitar a nosso controle geral. Que Deus não possa ser enfocado objetivamente não é algo mais notável do que o fato de a fonte de nossa coragem nem sempre estar tão disponível a nós como os instrumentos e outros objetos manipuláveis de nossa experiência.
Deus não é um objeto entre outros em nossa experiência. Pelo contrário, Deus pode ser compreendido como o horizonte último que possibilita sobretudo a totalidade de nossa experiência. Conseqüentemente, talvez não seja apropriado falar de uma "experiência" de Deus, se entendermos "experiência" na acepção comum do termo. A presença de Deus é discreta. O divino não se imiscui no espectro de objetos ou eventos que compõem o conteúdo de nossa experiência comum. Em vez disso, Deus pode ser "pensado" como a profundidade inesgotável e o fundamento sobre o qual se erige a totalidade de nossas experiências. Permanecemos continuamente nessa profundidade sem focalizá-la. Como escapa a nosso conhecimento focal, com freqüência, ou quase sempre, não conseguimos perceber sua presença avassaladora. Todavia, é consistente com sua humildade e seu retraimento que não se imiscua no reino dos objetos vívidos de nossa experiência. É a condição de possibilidade de nossa experiência, e não seu objeto focal.
O reino dos objetos que somos capazes de objetivar ou focalizar é acanhado demais para conter a realidade do horizonte transcendente de nossa experiência. Dessa forma, a ausência e a inacessibilidade do divino em relação ao campo dos objetos tangíveis e verificáveis do conhecimento não constituem razão para negar a realidade de Deus. [pág. 23]