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Páscoa (última ceia de Jesus)

 Quando Jesus celebrou a última ceia?

Scott Hahn e Curtis Mitch. Obra: "O evangelho de São João: Cadernos de estudo bíblico. Editora Ecclesiae. 1ª edição. 2015. 123p." (pág. 80/82)

ENSAIO SOBRE UM TÓPICO: QUANDO JESUS CELEBROU A ÚLTIMA CEIA? Na superfície, os evangelhos sinóticos parecem contradizer o evangelho de João com relação à data da Última Ceia. Os quatro evangelhos concordam que Jesus morreu na sexta-feira da Paixão, poucas horas antes do sol se pôr—início do sábado judeu. No entanto, os evangelhos sinóticos colocam Jesus celebrando a Última Ceia como uma refeição litúrgica da Páscoa, na véspera da sexta-feira da Paixão (Mt 26, 17; Mc 14, 12; LC 22, 15), enquanto o evangelho de João indica que a Páscoa fora celebrada pelas autoridades só depois do anoitecer da própria sexta-feira da Paixão (Jo 18, 28; 19, 14). Como pode Jesus ter celebrado a Páscoa antes de sua crucifixão (sinóticos) sendo que a Páscoa só começou horas após sua morte (João)?
A HORA HISTÓRICA: Alguns resolvem este problema negando que a Última Ceia fosse uma refeição litúrgica de Páscoa. Outros sugerem que a Páscoa de fato caiu na noite de uma terça-feira, e que João manipulou os fatos históricos por razões teológicas, com intuito de apresentar Jesus como o verdadeiro cordeiro Pascal. Ainda outros sustentam que Jesus celebrou a Páscoa um dia antes da data oficial. Infelizmente, nenhum desses pontos de vista são satisfatórios. Duas soluções no entanto, foram propostas para conciliar essas considerações de João e dos sinóticos. Ambas se apoiam tanto em estudos modernos quanto nas tradições antigas da Igreja.
A PROPOSTA DO CALENDÁRIO: Alguns sustentam que Jesus, quando celebrou a Última Ceia, seguia um calendário judeu alternativo, em que a Páscoa caia na noite de terça-feira. Portanto, os evangelhos sinóticos corretamente descrevem a Última Ceia como refeição litúrgica da Páscoa, mas João nota também corretamente que as autoridades judaicas só celebraram a festa na noite da sexta-feira da Paixão. Há quatro considerações que corroboram para esta hipótese. 1. No século primeiro d.C. o judaísmo estava claramente divido com relação ao calendário litúrgico. As autoridades do Templo de Jerusalém seguiam um calendário lunar em que as festividades sempre caiam em dias diferentes a cada ano, mas outros judeus como os essênios e a comunidade de Qumram seguiam um calendário solar em que as festividades anuais sempre caíam no mesmo dia da semana. A Páscoa, no caso dos segundos, era sempre celebrada na noite das terças-feiras (as primeiras horas da quarta-feira). Dada esta situação é plausível que Jesus tivesse seguido o calendário solar quando celebrou sua última Páscoa. 2. A arqueologia sugere que o Cenáculo ficava numa região essênia de Jerusalém. O local onde provavelmente ocorreu a Última Ceia, na parte sul da cidade, é precisamente onde os arqueólogos recentemente descobriram vestígios de um agrupamento essênio datado do primeiro século d.C.. Se essa identificação é real, isso aumentaria as chances de uma possível conexão entre Jesus, a Última Ceia e o calendário solar essênio. 3. A hipótese de que Jesus celebrou a Última Ceia na noite de terça-feira adiciona aqui a dimensão da possibilidade histórica: ela dá mais tempo para o extenso processo legal que aconteceu entre sua prisão e sua condenação. Relembremos que Jesus fora levado à Anás (Jo 18, 13. 19-13), Caifás (Jo 18, 24), ao Sinédrio (Lc 22, 66-71), Herodes (Lc 23, 6-11), e Pilatos (Jo 18, 28-40). Esses encontros devem ter ocorrido no período de uma noite, mas os eventos cabem melhor no decorrer de muitos dias. 4. Um texto em siríaco, do século terceiro d. C., afirma explicitamente que Jesus celebrou a Última Ceia na noite de terça-feira, e outros escritores antigos, como o Bispo Vitorino de Pettau e São Epifânio, afirmam que Jesus foi levado em custódia na noite de uma quinta-feira. Recentemente, o Papa Bento XVI comentou que os pontos de vista destes escritos são dignos de consideração.
A PROPOSTA PASCAL: Outra solução afirma que o evangelho de João segue a mesma cronologia dos sinóticos quando suas notações históricas são consideradas com mais cuidado. Sob este ponto de vista, Jesus celebrou a Última Ceia na noite de quinta-feira, junto com o resto de Jerusalém, e o fato de João situar a Páscoa na noite de sexta-feira é simplesmente um mal entendido da terminologia usada pelo evangelista. Quatro considerações podem ser feitas em favor dessa hipótese. I. É importante reconhecer que a palavra "Páscoa" tanto em hebraico (pesah) e em grego (pascha), tem uma variedade de significados muito maior do que "cordeiro da Páscoa" ou “refeição da Páscoa”. Pode se referir a toda a "semana Pascal" (Lc 22, l), assim como às "oferendas de paz, sacrifícios e refeições da semana de Páscoa" (Dt 16, 2-3; Mishná, Pesachim 9, 5). Sob a luz da última aplicação, poder-se-ia dizer que as autoridades judaicas em Jo 18, 28 provavelmente temiam que o contato com os mortos lhes impossibilitasse de participar, não da refeição do Sêder, que acontecia na noite da véspera, mas das refeições dos sacrifícios de celebração da semana Pascal. Oferendas de paz não podiam ser comidas em estado de impureza ritual (LV 7, 19-20). 2. A ceia que Jesus comparece em 13:2 é a mesma Última Ceia dos evangelhos sinóticos, uma refeição litúrgica de Páscoa. Isso não fica explícito, mas a descrição de João desta refeição ressalta características que, reunidas, diferem do Sêder de Páscoa (o discípulo reclinado, Jo 13, 23; o bocado passado no molho, Jo 13, 26; alguns pensaram que Judas daria esmola aos pobres, Jo 13, 29; a refeição aconteceu à noite, Jo 13, 29). Ademais, o comentário de que Jesus cumpriu sua "hora" "antes da festa da Páscoa"(Jo 13, 1) situa a Ceia não um dia inteiro antes do início da celebração Pascal, mas na tarde da véspera de Páscoa, pouco antes do início da festividade. 3. A RSV - The Holy Bible Revised Standart Version, entende que João 19:14 quer dizer que Jesus foi sentenciado à morte "no dia de preparação para a Páscoa"—uma tradução que não dá conta de todos os significados. O termo traduzido para o grego, "dia da preparação", é simplesmente a comum palavra "sexta-feira", o dia em que os judeus fazem a preparação para o Sábado (Mc 15, 42; Lc 23, 54). Visto que o evangelista parece usar o termo para se referir primeiramente à véspera do Sábado (cf. João 19, 31, 42), é provável que a expressão em Jo 19, 41 signifique “sexta-feira da semana de Páscoa" e não tivesse a intenção de identificar a tarde da sexta-feira da Paixão como a véspera da Páscoa. 4. Teólogos cristãos que favoreceram este ponto de vista incluem São João Crisóstomo e Santo Tomás de Aquino.



Obs.: As expressões no texto entre colchetes ou parêntesis destacadas na cor azul não fazem parte do original.