Padre João De Marchi (1914-2003). Obra: "Era uma Senhora mais brilhante que o sol. Editora Consolata. 26ª edição. Versão em Português de Portugal. 2016. Fátima-Portugal. 447p." (pág. 297/344) “Passaram dezoito meses depois da última Aparição e já o Francisco estava pronto para voar ao Céu. Devia ter rezado toda a soma de terços que a Virgem lhe tinha pedido. Seria por fins de Outubro. O pequeno adoeceu e com ele, a Jacinta, as outras irmãs, os irmãos, a mãe, só ficando de pé o senhor Marto que, como ele mesmo nos refere, era o enfermeiro daquele hospital. Prostrados no leito, os dois irmãozitos percebiam claramente que aqueIa doença devia conduzi-los ao Céu. Contudo melhoraram ainda, levantaram-se mas recaíam novamente. Passaram-se assim outros quinze dias. — Mas a força da doença era tal — diz a mãe — que, desta vez, o Francisco sobretudo nem podia mexer-se. Foi nesta altura que lhes apareceu a Virgem e lhes declarou que muito breve viria buscar o Francisco, e que não demoraria muito também em vir buscar a Jacinta.
[...] Chamada a Lúcia, esta encontrou-os no auge da alegria, quanto as forças lhes permitiam manifestar. — Olha, Lúcia — dizia-lhe a Jacinta toda alvoraçada — Nossa Senhora veio-nos ver e disse que vinha buscar o Francisco muito breve para o Céu. E a mim perguntou-me se ainda queria converter mais pecadores. Disse-lhe que sim. Nossa Senhora quer que eu vá para dois hospitais; mas não é para me curar; é para sofrer mais por amor de Deus, pela conversão dos pecadores e em desagravo das ofensas cometidas contra o Coração Imaculado de Maria. Disse-me que tu não irias; que iria lá minha mãe levar-me e que depois ficaria lá sozinha. Desde aquele momento a Jacinta e o Francisco redobraram de amor e desejo do Céu e tranquilamente, jubilosamente, ficaram aguardando a morte. Para eles a morte era o Céu, era Jesus, era uma felicidade sem fim.
[pág. 297/298]“Depois da bronco-pneumonia, formou-se-lhe na pleura uma espécie de abcesso purulento que a fazia sofrer intensamente. E todo aquele martírio a pequena heroína suportava com uma resignação e com uma alegria que verdadeiramente assombravam.
[...] O médico que a tratava, vista a gravidade do caso, aconselhou aos pais o seu internamento no hospital de Vila Nova de Ourém. A Jacinta sabia que o tratamento no hospital não lhe restituiria a saúde, mas serviria só para lhe aumentar os sofrimentos. Foi com alegria pois, que aceitou a saída para a Vila. Ali teria tanto a sofrer! E assim converteria muitos pecadores, consolaria tanto o coração da sua Mãezinha do Céu. Ai que bom!... Irás para dois hospitais — lhe tinha dito a bondosa Senhora da Cova da Iria — mas não é para te curares; é para sofrer mais por amor de Deus, pela conversão dos pecadores e em desagravo das ofensas cometidas contra o meu Imaculado Coração.”
[pág. 313]“No fim do mês de Agosto, como o tratamento não dava resultado algum e a mensalidade de mil réis por dia era incompatível com as posses da família Marto, foi decidido que a pequena voltasse para casa. A doentinha levava uma chaga aberta no peito que era preciso tratar diariamente, não tanto para a salvar, como para tentar prolongar-lhe a vida. Como facilmente se podia prever, no rústico lugarejo de Aljustrel, de via faltar em absoluto enfermagem e material sanitário adequado a um tratamento tão melindroso. A ferida infectou e o pus alagava o peito da pobre criança que definhava dia a dia.”
[pág. 317]“A tuberculose, depois de um ataque de bronco-pneumonia e duma pleurisia, mina-lhe desapiedadamente o débil organismo. Só um tratamento apropriado num bom sanatório é que poderia talvez salvá-la. Mas seus pais, conquanto não sejam pobres, não podem fazer face a todas as despesas que esse tratamento exige.
[...] Como notava o doutor Formigão, o bacilo de Koch ia roendo o pobre corpinho mirrado da Jacinta, que devia sofrer horrivelmente. Contudo a sua fome de sacrifícios não esmorecia de modo algum; levava, pelo contrário, até ao extremo, o esforço para se mortificar. Só quando não podia absolutamente é que diminuía os exercícios da sua ascese. — Quando estou só — confiava à Lúcia — desço da cama para rezar as orações do Anjo; mas agora já não sou capaz de chegar com a cabeça ao chão, porque caio; rezo só de joelhos.”
[pág. 318]“Já falta pouco para ir para o Céu — confiava à Lúcia — Tu ficas cá para dizeres que Deus quer estabelecer no mundo a devoção do Imaculado Coração de Maria. Quando fores para dizer isso, não te escondas, diz a toda a gente que Deus nos concede as graças por meio do Coração Imaculado de Maria; que Lhas peçam a Ela, que o Coração de Jesus quer que, a seu lado, se venere o Coração Imaculado de Maria. Que peçam a paz ao Coração Imaculado de Maria; que Deus lha entregou a Ela. Se eu pudesse meter no coração de toda a gente o lume que tenho cá dentro do peito a queimar-me e a fazer-me gostar tartanto do Coração de Jesus e do coração de Maria!...”
[pág. 321]“Devia ter sido mais ou menos por fins de Dezembro quando a Virgem veio novamente ter com o seu anjinho e lhe comunicou que em breve viria buscá-la para o Céu, não ali, mas num hospital de Lisboa. Lisboa... lá tão longe! Logo que esteve com a prima deu-lhe essa boa e, ao mesmo tempo, triste notícia. Disse-me que vou para Lisboa, para outro hospital; que não te torno a ver, nem a meus pais: que, depois de sofrer muito, morro sozinha, mas que não tenha medo, que me vai buscar para o Céu. E chorando abraçava a Lúcia: — Nunca mais te torno a ver. Tu não me vais visitar. Olha, reza muito por mim, que morro sozinha. O pensamento de ir morrer sozinha torturava-lhe o coraçãozito.”
[pág. 323]“Reanimada também, a Lúcia perguntava-lhe: — Ó Jacinta... e que vais fazer no Céu? — Vou amar muito a Jesus, ao Imaculado Coração de Maria, pedir por ti, pelos pecadores, pelo Santo Padre, pelos meus pais e irmãos e por todas as que me têm pedido para pedir por elas... Gosto tanto de sofrer por amor de Nosso Senhor e de Nossa Senhora! Eles gostam muito de quem sofre para converter os pecadores. Na família Marto consideravam-se sonhos as afirmações da criança. Ir a Lisboa... para quê?... Já se sabia... Nada conseguiu o tratamento no hospital de Vila Nova de Ourém. Inútil teria sido também ir para outro, mesmo na capital. Além disso... e o dinheiro? Em Lisboa não se teriam contentado com 1.200 réis, como no hospital de Santo Agostinho!... A Providência, porém, tinha estabelecido outra coisa. Um dia apareceu em Aljustrel um automóvel do qual desceram o doutor Formigão, já velho amigo da família, e o doutor Eurico Lisboa e esposa. Vinham ver a pobre doentinha.”
[pág. 324]“Excitados por este meu conselho, foram ouvir a opinião do senhor doutor Formigão que estava ali perto, e que reforçou o que eu dissera, ficando logo combinado que viria para Lisboa onde, num hospital, se entregaria aos cuidados dos melhores clínicos. Efectivamente, poucos dias depois, no dia 2 de Fevereiro de 1920, deu entrada no Serviço nº 1 do Hospital de Dona Estefânia, ocupando a cama nº 38, e ficando a ser tratada sob a direcção do doutor Castro Freire, um dos mais distintos pediatras portugueses, sendo admitida com o diagnóstico: Pleurisia purulenta da grande cavidade esquerda, fistulizada; osteíte das 7ª e 8ª costelas do mesmo lado”. Quão admiráveis são os caminhos da Providência! De que maneira imprevista se ia realizar a predição da Virgem Santíssima!”
[pág. 326]“No dia 10 de Fevereiro a Jacinta foi operada. Teve imenso que sofrer, não podendo ter sido cloroformizada, mas simplesmente anestesiada localmente, por causa da extrema fraqueza em que se encontrava. O que, todavia, mais a fez sofrer foi a humilhação de se ver despida. A Madre Godinho, que assistiu até ao momento da operação, refere que a pequena chorou muito, vendo o seu corpinho nas mãos dos médicos. O resultado da operação feita pelo doutor Castro Freire, assistido pelo doutor Elvas, apresentava-se animador. Do lado esquerdo foram-lhe extraídas duas costelas; a chaga era tão larga que caberia nela uma mão. Sofreu dores atrozes, dores que se renovavam todas as vezes que a ferida era tratada. — Ai Nossa Senhora!... Ai Nossa Senhora! — era o seu único gemido. Ou então: — Paciência! Todos devemos sofrer para ir para o Céu. Ninguém a ouvia queixar-se. Suportava tudo com a resignação dos santos: para expiar, como Jesus, não os seus, mas os pecados dos outros. Mais do que nunca, a Jacinta diria a Jesus: — Agora podes converter muitos pecadores, porque sofro muito! No espaço deste doloroso martírio, a Virgem não tinha esquecido a pequenina vítima. De vez em quando baixava ao leito em que ela jazia crucificada. Quatro dias antes de a vir buscar definitivamente para o Céu, a branca Senhora da Fátima tirava-lhe todas as dores. — Agora já não me queixo! Nossa Senhora tornou-me a aparecer e disse-me que em breve me virá buscar e que me tirava já as dores — confiava à Madre Godinho.”
[pág. 343]“Quando a madrinha, que vinha passar com ela todos os dias longo tempo para lhe fazer companhia e, sobretudo, para se edificar ao contacto daquele anjinho do Céu, se sentava ao pé da cama onde lhe tinha aparecido a Virgem, protestava logo: — Tire-se daí, madrinha, que aí esteve Nossa Senhora. Pouco antes dela morrer, perguntou-lhe alguém se desejava ver a mãe. — A minha família — respondia a pequena — durará pouco tempo e em breve se encontrarão no Céu. Nossa Senhora aparecerá outra vez, mas não a mim, porque com certeza morro, como Ela me disse. Veio por fim, o dia 20 de Fevereiro de 1920, dia que a linda Senhora da Cova da Iria tinha marcado para vir buscar a sua amiguinha da Fátima. Era uma sexta-feira antes do Carnaval. “Na tarde daquele 20 de Fevereiro, pelas seis horas da tarde, a pequenita disse que se sentia mal e que desejava receber os Sacramentos — depõe o doutor Eurico Lisboa. Foi chamado o digníssimo Prior
[o Padre do local] da freguesia dos Anjos, senhor doutor Pereira dos Reis, que a ouviu de confissão cerca das oito horas da noite. Disseram-me que a pequenita insistira para que lhe levassem o Sagrado Viático, com o que não concordou o senhor doutor Pereira dos Reis, por a ver aparentemente bem, e prometendo levar-lhe Nosso Senhor no dia seguinte. De novo a pequenita insistiu em pedir a comunhão, dizendo que morreria em breve. E efectivamente pelas 10 horas e meia da noite faleceu com a maior tranquilidade, mas sem ter comungado.””
[pág. 344]