Padre João De Marchi (1914-2003). Obra: "Era uma Senhora mais brilhante que o sol. Editora Consolata. 26ª edição. Versão em Português de Portugal. 2016. Fátima-Portugal. 447p." (pág. 22, pág. 72/83, pág. 127/129) "Para ela
[a mãe da Lúcia, a Sra. Maria Rosa] a voz do senhor Prior
[o Padre do local] era a voz de Deus e cumpria à risca, sem discutir, as disposições que ele ditava do púlpito. Esta confiança absoluta no pároco que duvidava, ou melhor, negava absolutamente a verdade das Aparições e a sua humildade bastam para explicar, quanto a nós, a relutância da senhor Maria Rosa em admitir, quase até o fim da vida, a graça estupenda que a Virgem concedera à filha. Pode ser coisa ruim que anda a aparecer às crianças – dizia-lhe o senhor Prior. Como poderia, pois, ela acreditar que fosse Nossa Senhora?"
[pág. 22]
[reação da mãe da Jacinta, a ti Olímpia] ""- Credo filha! És uma boa santa para veres Nossa Senhora – respondi-lhe. A pequena ficou triste, acobardada e acompanhando-me a casa ia repetindo: - Mas eu vi-A! E começou a contar-me o que se passara. Falou-me do relâmpago... do medo que tiveram... da luz... da Senhora, tão linda, tão bonita... do Francisco que a princípio não A via... da Senhora em tanta luz que nem Se podia olhar, que cegava a gente... do terço que é preciso rezar todos os dias... Mas eu — continua a senhora Olímpia — não dava valor às palavras da cachopica, nem lhe dava atenção. — És bem doidinha! — dizia-lhe. — Nem que Nossa Senhora te fosse aparecer a ti!
[...] O meu Manuel sentou-se à lareira e pegou de comer a ceia. Estava cá, também, o António da Silva, cunhado dele, e mais os meus filhos todos — penso — que eram oito. Perguntei então, a meia regra, à Jacinta: — Ó Jacinta, conta lá como foi isso de Nossa Senhora na Cova da Iria. E ela prantou-se a contar as coisas com a maior simplicidade deste mundo: — Era uma Senhora, tão linda, tão bonita!... Tinha um vestido branco, e um cordão de oiro
[ouro] ao pescoço até ao peito... A cabeça estava coberta por um manto branco, também, muito branco, não sei, mas mais branco que o leite... e tapava-A até aos pés... Era todo bordado de oiro... Ai que bonito!... Tinha as mãos juntas, assim, — e a pequena levantava-se do banquito, juntava as mãos à altura do peito a imitar a visão. — Entre os dedos tinha as contas. Ai que lindo tercinho que Ela tinha... todo de oiro, brilhante, como as estrelas da noite, e um crucifixo que luzia... que luzia... Ai que linda Senhora!...
Falou muito com a Lúcia, mas nunca falou comigo, nem com o Francisco... Eu ouvia tudo o que elas diziam... Ó mãe, é preciso rezar o terço todos os dias... A Senhora disse isso à Lúcia. E disse também que nos levava todos três para o Céu, a Lúcia, o Francisco e mais eu... E mais outras coisas disse que eu não sei mas que a Lúcia sabe... Quando Ela entrou pelo Céu dentro, parece que as portas se fecharam com tanta pressa que até os pés iam ficando de fora entalados...
Era tão lindo o Céu... Havia lá tantas rosas albardeiras!...". E o Francisco confirmava as declarações da Jacinta. As irmãs ouviam com interesse; os irmãos mais velhos troçavam. «E eu repetia - continua a ti Olímpia — És uma boa santinha para que Nossa Senhora te apareça!».""
[pág. 72/73]
[reação do pai da Jacinta, o ti Marto] ""Sim, logo acreditei. Pensava que os pequenos não tinham instrução nenhuma, o mínimo de coisa nenhuma. Se não tivesse sido aquela auxiliadora Providência, elas não teriam afirmado isso... Os cachopos mentir?... Ai, Jesus, o Francisco e mais a Jacinta eram tão contrários a isso!" O ti Marto foi, então, o primeiro que acreditou na verdade das Aparições. Foi o primeiro crente."
[pág. 73]
"... o senhor Marto conhecida demasiado bem os seus filhos e a Lúcia para excluir deles a mínima probabilidade e possibilidade de mentira ou embuste. Eram tão simples os seus cachopos, tão sinceros! Lia-lhes tão bem no íntimo através da transparência do seu olhar!... "
[pág. 74]
[reação da mãe da Lúcia, a Sra. Maria Rosa] "É a sua irmã mais Velha, Maria dos Anjos, que nos conta como foi: "Uma vizinha, logo de manhã, veio dizer-me que a mãe da Jacinta lhe dissera que a cachopica tinha lá aparecido com aquela novidade. Na verdade, assustei-me um pouco com o caso e fui-me ao pé da Lúcia que estava debaixo duma figueira a fazer não sei o quê. Ó disse-lhe eu. Ouvi dizer que tendes visto Nossa Senhora na Cova da Iria, é verdade? Quem é que to disse? — gaguejou espantada. — Ouvi dizer pelas vizinhas que a ti Olímpia lhes contara como a Jacinta se tinha saído com esta coisa. A Lúcia ficou um bocado a pensar e depois, toda pesarosa, diz-me assim: E tanto eu lhe pedi que o não dissesse a ninguém! Perguntei-lhe então: — Mas porquê? Porque não sei Se era Nossa Senhora... Era uma mulherzinha muito bonita. — E o que é que essa mulherzinha vos disse? - Que
queria que fôssemos seis meses a fio à Cova da Iria e que depois então é que havia de dizer quem era e o que queria . — Não lhe perguntaste quem ela era? — Perguntei-lhe donde era e ela então disse-me assim: Sou do Céu . E ficou-se calada. Parecia que não queria dizer mais; mas eu tanto a apertei que me contou tudo. Nunca vi a pequena tão triste. Chegou então o Francisco a dizer à Lúcia que a Jacinta tinha sido linguareira e que, lá em casa, já todos sabiam o que tinha acontecido na Cova da Iria. Outras pessoas então falaram com a minha mãe que, ao princípio, não tomou as coisas a sério, mas quando eu lhe contei o que a Lúcia me tinha dito, então ela começou a dar importância ao caso e foi logo perguntá-la; e a cachopa repetiu à mãe o que me tinha dito a mim". O que se dizia era então verdade! Os três pequenos afirmavam ter visto Nossa Senhora na Cova da Iria!... Desde então uma terrível dúvida começou a atormentar a senhora Maria Rosa: A sua filha mais nova tomara-se mentirosa!"
[pág. 74/75]
""A mãe, pelo contrário — narra a filha Maria dos Anjos — afligia-se muito, apoquentava-se muito e dizia-nos: — Logo era eu que estava guardada para estas coisas! Faltava-me ainda esta para o resto da minha vida! Eu que andava sempre com cuidados não me dissessem mentiras e agora aquela aparece-me com uma mentira destas!". E a senhora Maria Rosa não se contentava com lamentos; chegava às práticas. "Um dia — comenta a Lúcia — antes que saísse com O rebanho, quis obrigar-me a confessar que tinha mentido; não poupou, para isso carinhos, ameaças, nem sequer o cabo da vassoura. Em resposta obteve apenas um mudo silêncio ou a confirmação do que já tinha dito. Mandou-me abrir o rebanho e que pensasse bem, durante o dia, que, se nunca tinha consentido uma mentira nos seus filhos, muito menos consentia uma daquela espécie; que, à noite, me obrigaria a ir, junto daquelas pessoas a quem tinha enganado, confessar que tinha mentido e pedir perdão.
[...] Maria Rosa, vendo-se incapaz de arrancar dos lábios da filha a tão desejada confissão, resolveu recorrer ao senhor Prior
[o Padre do local] para, com a sua autoridade, pôr as coisas no seu lugar; e lá foi, uma manhãzinha, com a Lúcia ao presbitério. "Quando lá chegares — dizia-lhe a boa mulher com solenidade — pões-te de joelhos e dizes-lhe que mentiste e pedes-lhe perdão, ouviste?... Dá-lhe as voltas que quiseres; ou tu desenganas essa gente, confessando que mentiste, ou te fecho num quarto onde não possas ver mais a luz do sol... Sempre consegui que meus filhos dissessem a verdade e agora hei-de deixar passar uma coisa destas na mais nova? Ainda se fosse uma coisa mais pequena, mas uma mentira destas, que traz aí enganada já tanta gente!". Mas também, diante do senhor Prior, como podia a pequena dizer que não vira quando tinha visto?"
[pág. 79/80]
"Em Aljustrel não se se dava o mínimo crédito às afirmações dos pequenos. Motejos, acusações de intrujice, censuras ásperas à fraqueza dos pais ou incapacidade de lhes darem educação e o corretivo que tais circunstâncias reclamavam. – Se fosse minha filha!... – dizia um, amarfanhando o carapuço na testa. E um outro, manejando o varapau: - Um bom chá de marmeleiro já lhes acabava com as visões."
[pág. 83]
"Mais que todos os estranhos, era a família da Lúcia que a massacrava com perguntas, remoques e, da parte da mãe, ralhos e castigos".
[pág. 127]
"O desprezo da gente do seu lugar natal – algumas pessoas chegaram ao ponto de bater na Lúcia – humilhavam-nos profundamente; a posição senão abertamente hostil, pelo menos indiferente do Prior da freguesia e dos outros sacerdotes dos arredores, torturavam-lhes o coraçãozito delicado." O número, todavia, dos que acreditavam nas Aparições ia aumentando extraordinariamente."
[pág. 172]
"Ora, desde que começou a correr a nova das Aparições, adeus horta da Cova da Iria! Peões, burros, cavalos, em breve arrasaram tudo sem deixar a mínima esperança de qualquer amanho. Nem um tufão faria maior estrago!... Pobre Lúcia! A ela eram atribuídas todas as culpas. "Minha mãe, lamentando esta perda, não me poupava — Tu agora, quando quiseres comer, vai pedi-lo a essa Senhora. E as minhas irmãs: — Tu agora, só havias de comer o que se cria na Cova da Iria!". Era um tormento tão grande para a pequena que até lhe custava pegar num bocado de pão para comer. As irmãs mais velhas, que contribuíam para o sustento da casa tecendo e costurando, também viam passar os dias sem qualquer rendimento; perdiam tempo com os visitantes e com o gado que a Lúcia não podia guardar, para os atender. Por fim tiveram de vender o rebanho, à míngua de quem o levasse a pastar. Também esse grande desgosto devia estar reservado à desvelada pastorinha! Os golpes eram por todos os lados.
[...] Insultavam a pequena e não se coibiam mesmo, se a ocasião era azada, de lhe dar um par de bofetadas ou mesmo um pontapé. Com a Jacinta e o Francisco não se atreviam a tanto: mais do que nunca o senhor Marto andava vigilante sobre os filhos e ninguém ousava pôr-lhes a mão. E nisto tinha a Jacinta certa inveja da prima. Quem me dera que meus pais fossem como os teus, para que esta gente também me pudesse bater, porque assim tinha mais sacrifícios para oferecer a Nosso Senhor! Não é que, uma vez por outra, a senhora Olímpia se não deixasse ir também a dispensar aos seus garotos uma lapadica, mas logo amansava. — Vocês apanham — dizia-lhes a boa mulher — porque andam a enganar o povo. Muita gente vai à Cova da Iria por vossa causa. — Nós não obrigamos ninguém a lá ir — respondia a Jacinta —. Quem quer vai e quem não quer, não vai. Quem não quer acreditar, receberá o castigo... E olhe que a mãe também, se não acreditar..."
[pág. 128/129]