Padre João De Marchi (1914-2003). Obra: "Era uma Senhora mais brilhante que o sol. Editora Consolata. 26ª edição. Versão em Português de Portugal. 2016. Fátima-Portugal. 447p." (pág. 99/104) “O interrogatório é claro, não satisfez o pároco. “Não é possível — pensava — que Nossa Senhora viesse do Céu à terra só para dizer que rezassem o terço todos os dias - costume, aliás, quase geral na freguesia... Demais, quando se dão coisas destas, de ordinário, Nosso Senhor manda a essas almas, a quem Se comunica, dar conta do que se passou a seus confessores ou párocos; e esta, ao contrário, retrai-se quanto pode. Isto também pode ser um engano do demónio; vamos a ver: o futuro nos dirá o que havemos de pensar”. Talvez que o seu juízo tivesse sido diferente se a Lúcia se mostrasse mais aberta com ele e lhe tivesse referido qualquer coisa mais do que a Virgem lhe comunicava. Diversamente todavia era o juízo da Providência que quis dispor as coisas de tal forma, para mais se sacrificarem pelos pecadores. Isto pode ser um engano do demónio — tinha dito o senhor Prior
[o Padre do local], a quem desde pequenita a Lúcia, como de resto todas as crianças, e até os adultos da aldeia, tinham o maior respeito, verdadeira consideração. E se fosse verdade?... — dizia consigo a Lúcia. — Se o senhor Prior tivesse razão?... Seria talvez esse o maior espinho a enterrar-se no coração da pequena. Tanto sofreu, pobrezita, não podendo pensar que o senhor Prior se enganasse! “Comecei então — conta a Lúcia — a duvidar se as manifestações seriam do demónio que procurava por este meio perder-me, e, como tinha ouvido dizer que o demónio trazia sempre a guerra e a desordem, comecei a pensar que, na verdade, desde que via essas coisas, não havia mais alegria, nem bem-estar em nossa casa. Que angústia eu sentia!... Manifestei aos meus primos a minha dúvida; a Jacinta respondeu: — Não é o demónio, não! O demónio, dizem que é muito feio e que está debaixo da terra no inferno, e aquela Senhora é tão bonita e nós vimo-IA subir ao Céu”.
[...] Pouco a pouco a Lúcia perdia aquele entusiasmo pela mortificação que lhe tornara, dantes, suaves os mais heróicos sacrifícios: sentia uma espécie de apatia que não sabia explicar. Chegou até ao ponto de hesitar se não seria melhor dizer que tinha mentido e assim acabar com tudo.
[pág. 99/100]A Jacinta e o Francisco, os seus anjos consoladores, diziam-lhe porém: — Não faças isso! Não vês que agora é que tu vais mentir e que mentir é pecado? E o céu da Lúcia novamente serenava.”
[pág. 101]“Uma alegria íntima e profunda animava o Francisco e a Jacinta ao aproximar-se o dia 13 de Julho; não assim a Lúcia que, tristonha e desconfiada, quase se decidira a não voltar à Cova da Iria. — O demónio é que aí anda a trabalhar — dizia-lhe a mãe. Não era mais que o eco das palavras do senhor Prior que não escondia os seus sentimentos absolutamente contrários à sobrenaturalidade dos factos. Isso sabia-o muito bem a senhora Maria Rosa. Falando uma vez o Pároco com o senhor José Alves, natural da Moita, um dos primeiros a acreditar nas Aparições, dizia-lhe abertamente: — Isso é invenção do demónio. — Não, senhor Prior — respondia-lhe o bom homem — na Cova da Iria reza-se e o demónio não quer nada com rezas. — O demónio até vai à mesa da comunhão — cortara o Pároco abruptamente. Com humildade, José Alves concluía: — O senhor Prior estudou, e eu cá não.. À força de ouvir dizer que tudo aquilo era um engano do demónio, Lúcia ia acabando por se convencer. Pensava a pobre pequena que era caso resolvido e, na véspera do dia 13, quando o povo já começava a juntar-se, vindo de todas as partes e por todos os meios, lá foi procurar o Francisco e a Jacinta e comunicou-lhes o que tinha decidido. Não menos resolutos, os dois irmãozitos responderam-lhe: — Nós vamos; aquela Senhora mandou-nos lá ir. Falo eu com Ela declarou a Jacinta. Mas logo começou a chorar. — Por que choras? — perguntou-lhe a Lúcia. — Por tu não quereres ir. — Não, eu não vou; olha, se a Senhora perguntar por mim diz-Lhe que eu não vou, porque tenho medo que seja o demónio.
[...] No dia seguinte, contudo, perto da hora em que devem partir para a Cova da Iria, uma força interior, que a pequena não sabe explicar, leva-a a por-se a caminho.”
[pág. 103/104]