Padre João De Marchi (1914-2003). Obra: "Era uma Senhora mais brilhante que o sol. Editora Consolata. 26ª edição. Versão em Português de Portugal. 2016. Fátima-Portugal. 447p." (pág. 135/147, 269/270, 365/377) [Transcrição do panfleto distribuído à época:] “Aos Liberais Portugueses: A reacção campeia desenfreada!!! Contra a torpe especulação feita com a comédia ridícula de Fátima protestam energicamente a Associação do Registo Civil e a Federação Portuguesa do Livre Pensamento. Cidadãos! Por mais que queiram certas personalidades, umas de boa fé e outras não, insinuar que está terminada a missão destas colectividades, visto nas leis da República se consignarem medidas defensivas da liberdade de consciência e de pensamento, os factos dia-a-dia se encarregam de nos provar que tais assertos não têm razão alguma de ser. Ainda há pouco vimos, no programa eleitoral de determinado candidato, que se inseria nesse programa o esfacelamento da lei de Separação do Estado das igrejas e o restabelecimento das relações diplomáticas com o Vaticano, sob pretexto de conservação do padroado do Oriente! Vimos as pastorais prelatícias contra a mesma lei e os protestos ilegais e insolentes de padres e outros elementos reaccionários contra os justos castigos aplicados a bispos delinquentes. Mas, como se tudo isto fosse POUCO, a muito mais se elevou o descaramento da perniciosa propaganda reaccionária. Agora é ao próprio milagre que se recorre para embrutecer o povo pelo fanatismo e pela superstição. Houve quem, conjugando gananciosismo com espírito fanatizador, arranjasse, com cenário esplendoroso, em que o luxo espaventoso do automóvel se casava hibridamente com a modéstia da carriola aldeã e com a humildade do peão, uma comédia indecorosa que há dias levou milhares de pessoas a assistir, em Fátima à exibição de uma fita ridiculamente fantasiosa em que se incutia no espírito do povo ingénuo a sugestão colectiva de uma suposta Aparição da virgem mãe de Jesus de Nazareth a três crianças sugestionadas ou industriadas para servirem de comparsas a essa torpe e vergonhosa especulação, a um tempo mercantil e clérico-reaccionária! Como, porém, não bastassem as tolas declarações dos pobres petizes a quem a tal virgem aparecia e falava sem que mais ninguém a visse e ouvisse, inventou-se quem visse o sol, a determinada hora, dançar o fandango ou o chifarote com as nuvens! Isto, cidadãos, é uma miserável tentativa de retrocesso, no intuito de mergulhar novamente o povo português nas densas trevas só próprias de tempos ominosos que se foram para não mais voltarem. A República e os cidadãos que têm a seu cargo a tão nobre quão espinhosa missão de a dirigirem e de a fazerem trilhar a senda gloriosa da Civilização e do Progresso, não têm o direito de consentir na beatificação do povo pelo fanatismo e pela crendice, pois isso seria, para ela e para eles, uma falta imperdoável ao cumprimento do seu primordial dever, não só para com a Pátria, mas para com a Humanidade em geral. É pois, dever indeclinável de todos nós, reclamar dos poderes públicos enérgicas e imediatas providências que desde já ponham ponto final nessa especulação abusiva com que a reacção pretende fazer retrogradar o povo ao medievalismo. Libertemo-nos, todos, arrancando do nosso espírito, não só a tola crendice em embustes grosseiros e hilariantes como o da Fátima, mas mui especialmente a crença no sobrenatural,
num pretenso Deus omnipotente, omnisciente e omnitudo o mais que fantasiar possa a arguta imaginação dos intrujões, para armar ao efeito e embarrilar a popular ingenuidade. Cidadãos: VIVA A REPÚBLICA! ABAIXO A REACÇÃO! VIVA A LIBERDADE!”
[pág. 269/270]
“A 24 do mesmo mês, era expedida uma carta para o Administrador de Vila Nova de Ourém: “Ex.mo Senhor. Por intermédio do seu e nosso amigo senhor Lino de Sousa, soubemos que os elementos reaccionários desse concelho se preparam para consagrar a vidente de Fátima; já falecida
[a Jacinta] , continuando assim a torpe exploração religiosa já em uso: pedimos, pois, a Vossa Excelência a fineza de se dignar informar-nos até que ponto vão esses manejos, a fim de vermos se em conjunto nós, o Governo, e Vossa Excelência podemos realizar alguns trabalhos que neutralizem essa marcha jesuítica.”
[pág. 365]
“Efectuou-se a reunião, discutiu-se o assunto, e o Administrador ficou descansado. No dia seguinte, 7 de Maio, Artur de Oliveira Santos recebia contudo, um telegrama do Governador Civil de Santarém, doutor José Dantas Baracho: “Administrador do Concelho de V. N. de Ourém: Sua Excelência o Ministro do Interior determina que se evite repetição mistificação caso Fátima que se prepara para este mês devendo intimar dirigentes e principais responsáveis para não organizar cortejo ou qualquer préstito religioso sob penas da lei que aplicará em caso desobediência remetendo juízo desobedientes com autos notícias devidamente testemunhados acompanhados intimação prévia. Mais determina Excelentíssimo Ministro que este assunto seja tratado comigo directamente sem intervenção outras pessoas. Governador Civil”. Naturalmente o zeloso Administrador cumpriu a ordem e no mesmo dia expedia, também ele, instruções aos seus regedores: “Por ordem de Sua Exª o Ministro do Interior é determinado que se evite repetição mistificação caso da Fátima que se prepara para o dia 13 do corrente. Queira V.Sª informar desde já esta Administração quais os dirigentes e propagandistas nessa freguesia que pretendem organizar qualquer manifestação sobre aquele ponto de vista a fim de, em caso de desobediência à Lei, lhes serem aplicadas as penas respectivas, remetendo-os ao poder judicial como desobedientes”. Prevendo, porém, que esses funcionários não tomassem grande interesse pelas ordens comunicadas, Artur Santos julgou melhor requisitar tropa de Santarém. A resposta não se fez esperar. No dia 10 recebia o seguinte telegrama: “Administrador do Concelho de V. N. de Ourém: Vai ser posta sua disposição força armada Guarda Municipal para ocupação estrada pontos apropriados impedindo trânsito para Fátima procissão. Governador Civil, José Dantas Baracho”.”
[pág. 366]
“E a 12, com tudo bem preparado, outro telegrama: “Administrador do Concelho de V. N. de Ourém: Conforme combinação ontem aqui comandante da força apenas se proibirá qualquer manifestação religiosa que será impedida aí, para o que se reforça posto no local, para onde foi numerosa força armada Governador Civil, José Dantas Baracho”. Vejamos agora em que deram todas estas diligências através do relato do reverendo doutor Formigão no primeiro livrinho publicado sobre as Aparições — “Os Episódios maravilhosos de Fátima”. “Cheguei no dia 13 de Maio último, de madrugada, a Vila Nova de Ourém, debaixo duma carga de água torrencial, entre o fuzilar dos relâmpagos e o ribombar dos trovões. À minha saída de Lisboa corriam os boatos mais terroristas sobre o caso de Fátima, dizendo-se que era inútil a viagem, porque havia ordens terminantes para não deixar passar ninguém de Vila Nova de Ourém.”
[pág. 367]
“Nisto vejo a Guarda Republicana de espadas desembainhadas, descarregando pranchadas a torto e a direito nalguns pacíficos camponeses que, de guarda-chuvas abertos, olhavam melancolicamente para aquilo tudo. E que, surpreendidos da agressão inesperada, desatavam a correr sem saberem por que eram agredidos. Alguém se dirige aos guardas a indagar do que se trata. Queixam-se de que um homem do povo queria passar à força e, como o impedissem, os ameaçava e daí aquele alvoroço em que pagava o justo pelo pecador, como sucede quase sempre. Explicando o caso e restabelecida a tranquilidade, converso com alguns camponeses a quem prudentemente aconselho que se abstenham de passar, visto que é mais meritória a obediência a ordens mesmo injustas, desde que não ofendam a nossa consciência, do que a resistência temerária. Um dos guardas republicanos diz-me então num assomo de sinceridade: — Se o senhor soubesse o que me custa estar aqui!... Cumpro ordens e cumpro-as à risca, mas creia que, cá por dentro, tudo isto me revolta. Eu sou religioso, senhor, e não compreendo que utilidade haja em estar a proibir essa pobre gente de ir rezar lá abaixo!... Isto até dá vontade de chorar!... Tenho uma irmã que foi a Senhora de Fátima que lhe salvou a vida.”
[pág. 371]
“Tínhamos, na verdade, muita razão de ter medo, porque uns meses mais tarde em 6 de Março de 1922, durante a noite, ouvimos uma terrível explosão. Os maçônicos tinham posto quatro bombas na Capelinha por buracos e uma quinta ao pé da carrasqueira onde Nossa Senhora apareceu. A telha foi pelos ares, mas a bomba posta ao pé da azinheirinha não rebentou.”
[pág. 377]
“O Administrador manteve ferozmente o seu propósito de liquidar o caso da Fátima. As instruções superiores da maçonaria eram precisas, rigorosas.”
[pág. 135]
“Uma hora, hora e meia e o latoeiro
[o Administrador] chegava triunfante à sua residência com os três “delinquentes”
[os três pastorinhos] . Ali mandou-os fechar num quarto e declarou-lhes que não sairiam de lá senão depois de relevarem o segredo.”
[págs. 137/138]
“Na Administração o interrogatório foi cerrado; mas nem as ameaças, nem as promessas conseguiram obter dos pequenos a tão suspirada confissão. Bem as reluzentes moedas de oiro
[ouro] que o Administrador fazia retinir sobre a mesa, nem um não menos brilhante cordão que regalava a vista, conseguiram abalar a extraordinária força moral dos pequeno heróis.
[...] foi então que os encerraram na cadeia pública dizendo-lhes que ficariam alí até serem lançados num calderão de azeite a ferver. Lá passaram uma, duas longas horas – os coraçõezinhos alanceados na expectativa da morte cruel. As lágrimas eram mais abundantes nos olhos da mais novinha
[a Jacinta] ; procurando ocultá-las retirou-se para o vão da janela que dava para a praça da feira.”
[págs. 143/144]
“Na presença dos pequenos,
[o Administrador] dá ordem para que se encha uma caldeira de azeite, o ponham a ferver e deitem lá dentro a fritar os impostores, os teimosos que não querem revelar o segredo.”
[pág. 146]
“Momentos depois
[após as ameaças do Administrador que ao separar os pastorinhos, ameaçou-os, um por um, dizendo que já tinha fritado o outro no azeite fervente] , os três abraçavam-se, cheios de alegria por terem passado incólumes através da prova de fogo...”
[...] O Administrador todavia não se declara vencido e vai queimar os últimos cartuchos. De novo o guarda segue na frente dos pequenos e diz-lhes que não tarda muito que não sejam lançados todos duma vez ao calderão fervente. Era mais uma prova a vencer e seria vencida: impávidos, fortes da força da Virgem, ficaram aguardando a hora do tão suspirado martírio, para poderem entrar finalmente – e para sempre – no Céu.”
[pág. 147]