Revista Scientific American, Ano 17, nº 118, Outubro de 2018. Nastari Editores. Com tantos exoplanetas espalhados pela Galáxia, parece razoável esperar que a vida possa ser prevalente. Mas foi necessária uma série de coincidências incomuns para dar origem a nossa civilização inteligente, e é bem
improvável que essa serendipidade possa ter ocorrido também em outro lugar. O timing do nascimento do nosso Sistema Solar na história da Galáxia, por exemplo, foi fortuito, como também foi nossa posição na Via Láctea. Além disso, vários aspectos de nosso planeta são muito raros, e as condições que propiciaram a evolução da vida na Terra podem ser irreprodutíveis. Talvez o aspecto mais improvável de todos tenha sido o desenvolvimento de nossa espécie tecnológica a partir dos primeiros vestígios de vida —
uma façanha provavelmente única. O otimismo sobre as possibilidades de vida inteligente extraterrestre não leva em conta o que sabemos sobre o surgimento dos seres humanos. Estamos aqui por causa de uma longa cadeia de coincidências pouco prováveis — muitas, mas muitas coisas tiveram que acontecer da forma certa para chegar ao ponto em que nos encontramos. Na verdade, essa sequência é tão implausível que
há boas razões para se pensar que os seres humanos, provavelmente, são a única civilização tecnológica da Galáxia.
[...] Toda a celeuma sobre planetas semelhantes à Terra não discute outro aspecto crítico. Os astrônomos acharam cerca de 50 exoplanetas como a Terra, mas para eles "semelhante à Terra" significa que é um planeta rochoso, quase do mesmo tamanho, situado na zona de habitabilidade. Por esse critério, o planeta mais semelhante conhecido é Vênus, mas ninguém poderia viver lá.
O fato de se poder viver na Terra resulta de circunstâncias fortuitas.
[...] A Terra também possui um grande núcleo metálico (no sentido comum da palavra) que, junto com a rápida rotação do planeta, produz um forte campo magnético que blinda a superfície da nociva radiação cósmica. Sem essa proteção, nossa atmosfera provavelmente seria desgastada, e qualquer ser vivo na superfície seria carbonizado. Todos esses aspectos do nosso planeta estão relacionados diretamente à Lua — outro atributo que falta a Vênus e a vários outros planetas semelhantes à Terra.
[...] A presença de uma lua assim tão grande também ajudou a estabilizar nosso planeta. Ao longo de milénios a Terra oscila em torno de seu eixo, à medida que gira em torno do Sol, mas graças ao efeito gravitacional da Lua, essa oscilação nunca a afastou muito da vertical, como parece ter acontecido com Marte. É impossível afirmar com que frequência ocorrem esses impactos que formaram um sistema duplo como a Terra e a Lua. Mas certamente são raros, e sem nosso satélite provavelmente não estaríamos aqui. Uma vez que o sistema Terra-Lua se estabilizou, a vida surgiu com uma velocidade quase espantosa.
[...] A proliferação de formas multicelulares de vida, que levou à atual variedade de vida na Terra, só teve início há cerca de 550 milhões anos, num episódio conhecido como explosão cambriana. Foi um evento tão espetacular que ainda é o mais significativo nos registros fósseis. Mas ninguém sabe por que ele ocorreu — ou qual a probabilidade de que venha a ocorrer em outro lugar. No final, essa erupção de vida acabou produzindo uma espécie capaz de desenvolver tecnologia e de se perguntar de onde ela veio.
[...] Juntando tudo isso, o que podemos dizer? É provável que exista vida em outro lugar da Galáxia? Muito provavelmente sim, dada a velocidade com que ela surgiu na Terra. É provável que exista outra civilização tecnológica hoje? Muito provavelmente não, dada a sucessão de circunstancias que levou à nossa existência.
Estas reflexões sugerem sermos únicos não só em nosso planeta, mas em toda a Via Láctea.”
“SUCESSÃO DE CONCIDÊNCIAS IMPROVÁVEIS:
TIMING: Se o Sol e a Terra tivessem surgido um pouco antes na história galáctica, nosso planeta provavelmente teria produzido metais (elementos mais pesados que o hidrogênio ou hélio) insuficientes para gerar a vida. Esses elementos são produzidos durante a morte de estrelas e são necessários bilhões de anos para que um número suficiente de estrelas se formem e se extingam, para enriquecer os materiais que construíram o Sistema Solar.
LOCALIZAÇÃO: O Sol se encontra numa zona absolutamente privilegiada da Via Láctea — nem muito próximo do centro galáctico, onde há maior concentração de estrelas e eventos perigosos como supernovas e explosões de raios gama são comuns, nem muito afastado onde as estrelas são muito esparsas para que metal suficiente possa se acumular para formar planetas rochosos.
CONDIÇÕES PLANETÁRIAS: No Sistema Solar, a Terra ocupa uma posição propícia para produzir temperaturas favoráveis e água no estado líquido (zona de habitabilidade planetária). A Terra também tem a sorte de ter um campo magnético que a blinda da radiação eletromagnética prejudicial, e placas tectônicas para repor os nutrientes da superfície e estabilizar a temperatura. Nossa Lua provavelmente está por trás dessas duas dádivas. Ela também impede que a Terra se incline demais em seu eixo.
VIDA PRIMITIVA:Organismos unicelulares (procariontes) se formaram somente um bilhão de anos depois do nascimento de nosso planeta, mas células mais complexas (eucariotas) levaram mais dois bilhões de anos para surgir a partir de uma
fortuita fusão de células. Mesmo assim, passou-se quase mais outro bilhão de anos até que formas de vida multicelulares proliferassem num evento chamado explosão cambriana.
CIVILIZAÇÃO TECNOLÓGICA: Apesar do florescimento da vida multicelular, o desenvolvimento de uma espécie inteligente estava longe de garantido.
Nós ainda não sabemos como os seres humanos evoluíram tanto além de nossos parentes animais mais próximos, mas evidências baseadas no DNA mostram que até
nossa espécie pode ter chegado à beira da extinção várias vezes.
Revista Superinteressante. Edição 398. Janeiro/2019. Editora Abril “...todos os seres vivos compartilham um maquinário microscópico único, com três moléculas mutuamente dependentes: o DNA, o RNA e as proteínas.”
“Na verdade, a função do DNA é armazenar instruções para a fabricação das nossas 92 mil proteínas. Só isso. Uma vez fabricadas, elas cuidam do resto.
[...] E esperar uma proteína brotar do nada é como escrever Dom Casmurro dando com a testa no teclado. Esquece. É o tipo de milagre que não acontece. Se você tivesse jogado na loteria todo ano, da formação da Terra até hoje, já teria dado para ganhar 77 vezes — é uma obrigação estatística. Não teria dado tempo, porém, de formar algo como o colágeno. A chance de uma proteína como o colágeno se formar espontaneamente em uma piscina de aminoácidos é de uma em 20 seguido de 1.055 zeros. "Legal", você dirá, "é óbvio que nenhuma obra começa com os tijolos se empilhando sozinhos. Ela começa com o arquiteto. A primeira molécula, então, foi o DNA". Para avaliar o palpite, é essencial entender como, exatamente, uma molécula de DNA é capaz de dar instruções.”
“O problema é que o DNA só serve para anotar as receitas, mesmo. Ele é incapaz de executá-las. Há aqui um problema de ovo e galinha: o DNA é o manual para produzir proteínas, mas não consegue, de fato, produzi-las. As proteínas, por sua vez, são complexas demais para terem simplesmente surgido — e não têm uma estrutura boa para armazenar informação.”
“Hora de ir para o terceiro suspeito, o RNA. Dá para imaginar cada célula viva (você é composto de 37,2 trilhões delas) como uma minúscula cidade, em que os executivos ficam no centro, e os operários, na zona industrial. Por isso, há um grupo de moléculas especializado em ligar os bairros: ir até o DNA, coletar as receitas de proteínas e levá-las para a fábrica. Depois, no interior dessas fábricas (chamadas ribossomos), são essas mesmas moléculas que montam as proteínas, tijolo por tijolo. O nome dessas moléculas de função logística é RNA. Para "ler" o código do DNA, elas precisam ser estruturadas como ele: uma sequência de miçangas químicas. Há só uma letrinha diferente: A, U, C e G (a letra U equivale ao T). Por outro lado, o RNA consegue se dobrar sobre si próprio em formas complexas e catalisar reações químicas, exatamente como as proteínas. Bingo. É o meio termo que a vida precisa para surgir. Cérebro e músculo em um lugar só.”
“Titã, a maior das 62 luas de Saturno, é uma espécie de gêmea má (e menor) da Terra.
[...] Já Europa, lua de Júpiter, está mais próxima de um oásis de vida como a conhecemos.
[...] O que espera-se encontrar em lugares como Titã e Europa?
Com muita sorte, micróbios. Nas palavras de Edward O. Wilson, de Harvard, "qualquer que seja a condição da vida alienígena, quer ela floresça na terra firme e no mar, quer ela apareça apenas em pequenos oásis, ela consistirá majoritária ou inteiramente em micróbios".
[...] Luas são uma coisa. Mas e os planetas de outras estrelas — os exoplanetas? Bem: coletar material de análise in loco ainda é uma meta utópica. Não há uma tecnologia de propulsão que dê conta sequer de alcançar Proxima Centauri — a estrela mais próxima do Sol, que abriga um planeta com potencial para ter água líquida. Também não há nada que nos permita observar diretamente um exoplaneta: eles não emitem luz própria, e a quantidade de luz refletida não é suficiente para alcançar nossos olhos. Na verdade, telescópios caçadores como o recém-aposentado Kepler usam truques bem mais sutis para detectar exoplanetas.
[...] Um pessimista diria que a vida inteligente, na verdade, é algo estúpida. É, por isso, rara. Faz pouco mais de um século que aprendemos a nos comunicar por longas distâncias via rádio; mesmo assim, estamos à beira da autodestruição: bombas nucleares, aquecimento global, ecossistemas desequilibrados... Se todas as civilizações forem tão danosas para si próprias quanto a nossa, elas podem ser como bolhas que emergem e desaparecem por aí constantemente, sem nunca alcançar um estágio tecnológico realmente avançado. Essa seria a explicação para o
silêncio aterrador do cosmos.”