Stephen Hawking (Inglaterra, 1942-2018). Obra: "Uma Breve História do Tempo. 1ª edição. Rio de Janeiro. 2015. Editora Intrínseca. 256p." (pág. 155/158) Toda a história da ciência consiste na compreensão gradual de que os eventos não acontecem de maneira arbitrária, mas refletem uma ordem subjacente, que pode ou não ser de inspiração divina.
[...] Se o universo é de fato espacialmente infinito, ou se existe uma quantidade infinita de universos, é provável que existam amplas regiões em algum lugar que começaram de maneira regular e uniforme. É um pouco como o célebre exército de macacos datilografando — a maior parte do que escrevem não faz sentido, mas muito de vez em quando, por puro acaso, eles irão datilografar um dos sonetos de Shakespeare. Do mesmo modo, no caso do universo,
poderia acontecer de estarmos vivendo em uma região que calhou de ser, por acaso, lisa e uniforme? À primeira vista, isso deve parecer muito improvável, pois a quantidade de regiões tão lisas teria sido bastante inferior à de regiões caóticas e irregulares.
Entretanto, suponha que apenas nas regiões lisas tenha ocorrido a formação de galáxias e estrelas e, logo, de condições apropriadas para o desenvolvimento de organismos complexos autorreplicadores como nós, capazes de fazer a pergunta "Por que o universo é tão liso?". Isso é um exemplo da aplicação do que se conhece como
princípio antrópico, que pode ser parafraseado assim: "Vemos o universo da maneira como ele é porque existimos."
[...] O princípio antrópico fraco afirma que, em um universo grande ou infinito no espaço e/ou no tempo, só haverá condições necessárias para o desenvolvimento de vida inteligente em determinadas regiões limitadas no espaço e no tempo. Desse modo, os seres inteligentes nessas regiões não devem ficar surpresos se observarem que sua localização no universo satisfaz as condições necessárias para sua existência.
[...] Um exemplo do uso do princípio antrópico fraco é "explicar" por que o Big Bang ocorreu cerca de dez bilhões de anos atrás: leva mais ou menos todo esse tempo para seres inteligentes se desenvolverem. Como explicado há pouco, uma geração anterior de estrelas teve de se formar primeiro. Essas estrelas converteram parte do hidrogênio e do hélio originais em elementos como carbono e oxigênio, a partir dos quais somos feitos. As estrelas, então, explodiram como supernovas, e seus fragmentos formaram outras estrelas e planetas, entre os quais os existentes em nosso Sistema Solar, que tem cerca de cinco bilhões de anos. Os primeiros um ou dois bilhões de anos de existência da Terra foram quentes demais para o desenvolvimento de qualquer organismo complexo. Os outros cerca de três bilhões de anos foram ocupados pelo vagaroso processo da evolução biológica, que foi desde os organismos mais simples a seres capazes de medir o tempo a partir do Big Bang.
Poucas pessoas questionariam a validade ou utilidade do princípio antrópico fraco. Alguns, no entanto, vão muito além e propõem uma versão forte. Segundo essa teoria, existem muitos universos diferentes ou muitas regiões diferentes de um único universo, cada um com sua própria configuração inicial e, talvez, seu próprio conjunto de leis científicas. Na maioria desses universos, as condições não seriam apropriadas para o desenvolvimento de organismos complexos; apenas nos universos que são como o nosso seres inteligentes poderiam se desenvolver e fazer a pergunta "Por que o universo é da maneira como o vemos?". A resposta, nesse caso, é simples: se ele tivesse sido diferente, não estaríamos aqui!
As leis da ciência, como as conhecemos hoje, compreendem muitas grandezas fundamentais, como a magnitude da carga elétrica do elétron e a razão entre as massas do próton e do elétron. Não somos capazes, pelo menos no momento, de prever os valores dessas quantidades a partir da teoria — temos de descobri-los por observação. Pode ocorrer de um dia descobrirmos uma teoria unificada completa que preveja todas essas grandezas, mas também é possível que algumas ou todas elas variem de um universo para o outro ou dentro de um único universo.
O fato notável é que os valores dessas quantidades parecem ter sido muito bem ajustados para possibilitar o desenvolvimento da vida. Por exemplo, se a carga do elétron fosse apenas ligeiramente diferente, as estrelas teriam sido incapazes de queimar hidrogênio e hélio e explodir. Claro, podem existir outras formas de vida inteligente, inconcebíveis até pelos escritores de ficção científica, que não necessitem da luz de uma estrela como o Sol ou dos elementos químicos mais pesados formados nas estrelas e ejetados de volta para o espaço quando estas explodem.
Não obstante, sem dúvida parece haver relativamente poucos valores possíveis para os números que permitem o desenvolvimento de alguma forma de vida inteligente.”
Revista Superinteressante (Janeiro/2001) “No outro extremo está o físico Frank Tipler, que acredita que a ciência pode – e deve – ser utilizada para provar a existência de Deus, como princípio criador, organizador, onisciente, onipotente etc., como rezam as escrituras. Tipler escreveu todo um livro, The Physics of Immortality (1994), apresentando a versão mais radical de uma visão compartilhada com mais cautela tanto por John Polkinghorne e Paul Davies, quanto pelos cientistas que apóiam o
Princípio Antrópico – a mais surpreendente teoria dos últimos tempos. Para eles, o modo como o caos gera ordem e como todo o cosmo conspira a favor da existência de vida revelam atributos divinos como consciência e intenção. A vida, assim, deve ser vista como nada menos que um milagre; e a vida consciente, um milagre maior ainda. O Princípio Antrópico postula que o Universo foi criado da maneira que o percebemos para ser observado por criaturas inteligentes – ou seja, nós mesmos – e que é essa consciência que seleciona uma realidade concreta entre todas as probabilidades quânticas. Não custa lembrar que Brandon Carter, que apresentou pela primeira vez o princípio antrópico em 1973, não é nenhum guru aloprado e sim um cientista respeitadíssimo entre seus pares por suas pesquisas na linha de frente da nova física. A teoria mais aceita para explicar a origem do Universo – a explosão de uma bola de energia – também vale para esses estudiosos como sinal de uma criação intencional e inteligente.”