Revelacaocatolica.com CRÍTICA:
Segundo Dom Estêvão Bettencourt (OSB) (21/03/2013) (conforme publicado no site http://www.amoranossasenhora.com.br/as-revelacoes-a-maria-valtorta-dom-estevao-bettencourt/):
Um dos pontos mais vulneráveis do livro é a afirmação de que Judas está certamente no inferno. O texto é peremptório em relação a Judas, que é tido como o maior de todos os pecadores, condenado ao inferno:
Jesus disse à Maria Valtorta: "Se ele foi o sacrílego por excelência, eu não o sou. Se ele foi o injusto por excelência, eu não o sou. Se ele foi quem derramou, com desprezo, seu sangue, eu não derramei. Perdoar a Judas seria sacrilégio contra a minha Divindade por ele atraiçoada; seria injustiça para com todos os demais homens, sempre menos culpados do que ele, e que também são castigados por seus pecados; seria desprezar meu sangue; em suma, seria violar minhas leis" (p. 80).
Ora a Teologia é propensa a crer que Deus não nos quis revelar a sorte póstuma de nenhuma criatura humana. Nenhuma criatura pode perceber o que se dá no íntimo da consciência do mais empedernido suicida antes de exalar o último suspiro.
É difícil crer que Jesus tenha dito tais palavras. Sem dúvida, o pecado de Judas foi muito grave; mas os bons teólogos julgam que não temos revelação alguma sobre a sorte póstuma de quem quer que seja. A existência do inferno foi revelada por Cristo nos Evangelhos (cf. Mt 25,31-46; Mc 9,42-48), mas a revelação de que determinada pessoa está no inferno parece fugir aos desígnios de Cristo. Nem mesmo as frases de Mt 26,24 e Mc 14,21 ("O Filho do Homem vai, conforme está escrito a seu respeito, mas ai daquele homem por quem o Filho do Homem for entregue, Melhor seria para aquele homem não ter nascido") pode ser tida como anúncio da condenação de Judas ao inferno.
Nota/comentário do site revelacaocatolica.com:
Vejamos o que os evangelistas dizem sobre o caráter de Judas e o destino de sua alma:
João 6, 62-64:
62.Que será, quando virdes subir o Filho do Homem para onde ele estava antes?... 63.O espírito é que vivifica, a carne de nada serve. As palavras que vos tenho dito são espírito e vida. 64.Mas há alguns entre vós que não creem...”. Pois desde o princípio Jesus sabia quais eram os que não criam e quem o havia de trair.
João 13, 10-11:
10.Disse-lhe Jesus: “Aquele que tomou banho não tem necessidade de lavar-se; está inteiramente puro. Ora, vós estais puros, mas nem todos!...”. 11.Pois sabia quem o havia de trair; por isso, disse: “Nem todos estais puros”.
João 12, 1-6:
1.Seis dias antes da Páscoa, foi Jesus a Betânia, onde vivia Lázaro, que ele ressuscitara. 2.Deram ali uma ceia em sua honra. Marta servia e Lázaro era um dos convivas. 3.Tomando Maria uma libra de bálsamo de nardo puro, de grande preço, ungiu os pés de Jesus e enxugou-os com seus cabelos. A casa encheu-se do perfume do bálsamo. 4.Mas Judas Iscariotes, um dos seus discípulos, aquele que o havia de trair, disse: 5.“Por que não se vendeu este bálsamo por trezentos denários e não se deu aos pobres?”. 6.Dizia isso não porque ele se interessasse pelos pobres, mas porque era ladrão e, tendo a bolsa, furtava o que nela lançavam.
Mateus 26, 14-16:
14.Então, um dos Doze, chamado Judas Iscariotes, foi ter com os príncipes dos sacerdotes e perguntou-lhes: 15.“Que quereis dar-me e eu vo-lo entregarei”. Ajustaram com ele trinta moedas de prata. 16.E desde aquele instante, procurava uma ocasião favorável para entregar Jesus.
Marcos 14, 10-11:
10.Judas Iscariotes, um dos Doze, foi avistar-se com os sumos sacerdotes para lhes entregar Jesus. 11.A essa notícia, eles alegraram-se e prometeram dar-lhe dinheiro. E ele buscava ocasião oportuna para o entregar.
Lucas 22, 22:
22.O Filho do Homem vai, segundo o que está determinado, mas ai daquele homem por quem ele é traído!”.
Mateus 26, 24:
24.O Filho do Homem vai, como dele está escrito. Mas ai daquele homem por quem o Filho do Homem é traído! Seria melhor para esse homem que jamais tivesse nascido!”.
Mateus 27, 1-5:
1.Chegando a manhã, todos os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo reuniram-se em conselho para entregar Jesus à morte. 2.Ligaram-no e o levaram ao governador Pilatos. 3.Judas, o traidor, vendo-o então condenado, tomado de remorsos, foi devolver aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos as trinta moedas de prata, 4.dizendo-lhes: “Pequei, entregando o sangue de um justo”. Responderam-lhe: “Que nos importa? Isto é lá contigo!”. 5.Ele jogou então no templo as moedas de prata, saiu e foi enforcar-se.
João 17, 12:
1.Jesus afirmou essas coisas e depois, levantando os olhos ao céu, disse: “Pai, é chegada a hora. Glorifica teu Filho, para que teu Filho glorifique a ti; [...] 12.Enquanto eu estava com eles, eu os guardava em teu nome, que me incumbiste de fazer conhecido. Conservei os que me deste, e nenhum deles se perdeu, exceto o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura. 13.Mas, agora, vou para junto de ti. Dirijo-te esta oração enquanto estou no mundo para que eles tenham a plenitude da minha alegria.
Portanto, conforme os relatos dos evangelistas:
- Judas praticou os seguintes pecados graves:
- Não acreditar nos ensinamentos de Jesus (João 6, 62-64), por isso decidiu traí-lo.
- Ser um ladrão do dinheiro oferecido pelo povo (João 12, 1-6).
- Trair Jesus de forma deliberada e premeditada (Mateus 26, 14-16, Marcos 14, 10-11).
- Cometer suicídio (Mateus 27, 1-5), um crime contra a vida, contrário ao quinto mandamento (“Não matarás”).
- Ele se perdeu, por ter se transformado no filho da Perdição (do Demônio) (João 17, 12), e que melhor seria não ter nascido (Lucas 22, 22, Mateus 26, 24)
- Embora ele tenha sentido “remorso” por seus crimes (Mateus 27, 1-5), não consta que ele se arrependeu, pediu perdão a Deus e confiou n"Nele (ao contrário da atitude de Pedro que, apesar de negar Jesus, retornou ao Seu Ministério). Sentir remorso significa apenas sentir tristeza ou inquietação pelas consequências do pecado cometido, mas não pelo pecado em si. A passagem bíblica diz que Judas sentiu remorso porque viu que Jesus tinha sido condenado à morte. Então, Judas sentiu remorso pelas consequências do pecado, e não pelo pecado em si (a traição).
No que diz respeito ao arrependimento e ao perdão dos pecados, vejamos o que diz o Catecismo da Igreja Católica.
1490. O movimento de regresso a Deus, pela conversão e arrependimento, implica dor e aversão em relação aos pecados cometidos, e o propósito firme de não tornar a pecar no futuro. Portanto, a conversão refere-se ao passado e ao futuro: alimenta-se da esperança na misericórdia divina.
1491. O sacramento da Penitência é constituído pelo conjunto de três atos realizados pelo penitente e pela absolvição do sacerdote. Os atos do penitente são: o arrependimento, a confissão ou manifestação dos pecados ao sacerdote e o propósito de cumprir a reparação e as obras de reparação.
1492. O arrependimento (também chamado contrição) deve inspirar-se em motivações que brotam da fé. Se for motivado pelo amor de caridade para com Deus, diz-se «perfeito»; se fundado em outros motivos, diz-se «imperfeito».
No que tange ao especificamente ao pecado do suicídio, o Catecismo da Igreja Católica diz:
2280. Cada qual é responsável perante Deus pela vida que Ele lhe deu, Deus é o senhor soberano da vida; devemos recebê-la com reconhecimento e preservá-la para sua honra e salvação das nossas almas. Nós somos administradores e não proprietários da vida que Deus nos confiou; não podemos dispor dela. 2281. O suicídio contraria a inclinação natural do ser humano para conservar e perpetuar a sua vida. É gravemente contrário ao justo amor de si mesmo. Ofende igualmente o amor do próximo, porque quebra injustamente os laços de solidariedade com as sociedades familiar, nacional e humana, em relação às quais temos obrigações a cumprir. O suicídio é contrário ao amor do Deus vivo. 2282. Se for cometido com a intenção de servir de exemplo, sobretudo para os jovens, o suicídio assume ainda a gravidade do escândalo. A cooperação voluntária no suicídio é contrária à lei moral. Perturbações psíquicas graves, a angústia ou o temor grave duma provação, dum sofrimento, da tortura, são circunstâncias que podem diminuir a responsabilidade do suicida. 2283. Não se deve desesperar da salvação eterna das pessoas que se suicidaram. Deus pode, por caminhos que só Ele conhece, oferecer-lhes a ocasião de um arrependimento salutar. A Igreja ora pelas pessoas que atentaram contra a própria vida. 2325. O suicídio é gravemente contrário à justiça, à esperança e à caridade. É proibido pelo quinto mandamento.
Como colocado no Catecismo,
o suicídio, em geral, é um pecado grave. Todavia, há casos em que pode haver uma redução da responsabilidade do suicida: quando for causado por perturbações psíquicas graves ou temor grave de uma provação, sofrimento ou tortura.
No caso de Judas, entretanto, a causa do suicídio, conforme relatado pelos evangelistas, foi o remorso por conta das consequências da traição, e não pela traição em si, já que ele não esperava que Jesus seria condenado à morte.
Em relação às atenuantes do suicídio, Jesus também abordou esse assunto quando disse à Maria Valtorta (Notebooks 1943, pág. 273):
Quantos são os filhos a quem os pais impõem um peso de dor, que nem sempre podem suportar, e uma existência doente marcada por doenças dolorosas e vergonhosas? Quantos são os que não resistem a esse tipo de martírio, não desejado, mas fixado por vocês para condená-los à dor e ao ódio da sociedade? Quantos são os que, sem poder resistir a este destino, suicidam-se? Mas o que vocês acham? Que vou condená-los por esse crime contra Deus e eles próprios? Não. Diante deles, que pecam contra dois, há vocês, que pecam contra três: contra Deus, contra vocês mesmos e contra os inocentes que vocês levaram ao desespero. Considere isto. Considere isso com cuidado. Deus é justo, e se o pecado tem peso, as causas do pecado também têm. E neste caso, o peso do pecado alivia a condenação do suicida, mas agrava a condenação de vocês, verdadeiros assassinos de seus filhos desesperados.
No caso específico da traição e do suicídio de Judas, há as seguintes revelações nas Obras de Maria Valtorta:
Lições sobre a Carta de São Paulo aos Romanos (1948-1950), pág. 79/80 (Lição n° 27) – o Espírito Santo diz: Os falsos cristãos acreditam que podem servir a Deus e ao Demônio. Estes são os Judas-amigos de Deus. Aqueles que, como o Traidor, fingem respeitar a Deus e ao próximo e então traem Deus e desobedecem a Sua Lei de amor e todo o Decálogo, obstruem Sua vontade e oprimem e crucificam Seus servos, Suas vozes e Seus instrumentos. O fim de Judas não foi apenas a morte da carne, mas também a morte do espírito. Porque Deus é Verdade e Deus não pode estar onde há falsidade, hipocrisia e falso testemunho contra alguém que é inocente. A amor e ódio não podem viver juntos. Deus e Satanás não podem ser servidos juntos. Judas era tudo isso. O Pão da Vida não tem o poder de vencer a insipidez do fruto carnal, e Judas, misturando sacrilegamente o apetite concupiscente da carne com o fruto do Sacramento do amor, assinou seu decreto de morte eterna. Porque não há perdão para o pecado contra o Amor, um pecado deicida e fratricida. Porque o hipócrita, o mentiroso e o caluniador não podem entrar no Reino da Verdade. “Cães, envenenadores, impuros, assassinos, idólatras e qualquer um que goste e pratique a mentira estará fora da Jerusalém celestial.” (Apocalipse c. 22, v.15). Eu digo que é mais fácil salvar um Dimas [refere-se a São Dimas, o "bom ladrão"], sincero em sua confissão, do que um falso servo da Lei e de Cristo. Porque Deus ama paternalmente um pecador que se arrepende. No entanto, Sua bondade rejeita aquele que transforma os dons de Deus em frutos concupiscentes.
Notebooks 1943, pág. 43 – Jesus diz:
Eu teria perdoado até mesmo Judas se, em vez de fugir, Ele tivesse vindo sob a cruz onde eu estava morrendo e tivesse me dito: "Perdão!" Ele teria sido o primeiro dos meus redimidos porque ele foi o maior pecador, e sobre ele eu teria feito chover o Sangue do meu Coração – trespassado não tanto pela lança quanto por suas traições.
O Livro de Azarias (1946-1947), pág. 90/91, 19/05/1946 – Azarias, o Anjo da Guarda de Maria Valtorta, diz: Jesus não experimentou uma mudança de coração para com os apóstolos. Embora soubesse muito bem quem era Judas, o inconstante por excelência, Jesus nunca mudou. Até as horas finais Ele tratou Judas como apóstolo e amigo. Na Ceia, ele o purificou junto com os outros e se comunicou a ele como fazia com os outros, e no Getsêmani continuou a saudá-lo como "amigo". E, imaginemos, se Judas, em vez de se enforcar, tivesse corrido ao pé da Cruz. Jesus teria reunido forças para dizer-lhe ainda: "Amigo, por que vieste? Para receber o perdão? Aqui está – e completo. Vá e não peques mais. Ame-me e faça com que os outros me amem." E Ele teria dito a Nossa Mãe: "Mulher, aqui estão seus filhos", unindo o inocente [o apóstolo João] ao deicídio arrependido; nem a Santíssima Mulher, a maior Criatura depois de Deus, o teria rejeitado, pois Ela é a Santa, perdendo apenas para Deus [a Trindade Divina] em perfeição. O choro de Judas aos pés da cruz teria dado ao mundo a oração mais perfeita de Jesus ao Pai em favor do pecador. Mas o mundo não mereceu receber a medida exata do que é o amor misericordioso. E esta oração não foi proferida....
É interessante destacar também os motivos pelos quais Jesus quis mostrar em detalhes o caminho de perdição do apóstolo Judas, seu caráter inconstante e o destino final de sua alma, conforme segue (O Evangelho como me foi revelado – Vol. 7 – O terceiro ano da Vida Pública de Jesus – Cap. 468. Um arrependimento de Judas Iscariotes e sobre os episódios que ilustram seu caráter – Página 141 – 23/09/1944):
[Jesus diz:] Por que eu revelo a caráter de Judas? Muitos podem se perguntar o porquê.
Eu respondo. A figura de Judas foi distorcida demais ao longo do tempo. E ultimamente foi completamente pervertida. Algumas escolas o louvaram como se ele fosse o segundo e indispensável autor da Redenção. Muitos também pensam que ele sucumbiu a um ataque repentino e violento do Tentador. Não. Cada queda tem premissas no tempo. Quanto mais grave a queda, maiores foram os fatores antecedentes que explicam o fato. Não se desmorona ou se levanta de repente, nem no Bem nem no Mal. Existem fatores longos e insidiosos nas descidas, e pacientes e santos nas subidas. O infeliz drama de Judas pode ensiná-los tão bem como se salvar e como se familiarizar com o método de Deus e Sua misericórdia em salvar e perdoar aqueles que descem em direção ao Abismo. Não se chega ao delírio satânico em que se viu Judas se debater após o Crime, a menos que se esteja completamente corrompido pelos hábitos infernais, que assumiu voluptuosamente durante anos. Quando alguém comete um crime motivado por um evento repentino, que perturba a mente, ele sofre, mas é capaz de expiação, porque algumas partes do coração ainda estão livres de veneno interno. Ao mundo que nega Satanás, porque o tem tanto em si mesmo que já não o nota, e que já o absorveu e se tornou parte do seu ego, eu provo que Satanás existe. Ele é eterno e imutável no método empregado para fazer de você suas vítimas.
Em conclusão,
com base apenas nos relatos dos evangelistas, não é possível dizer com certeza que Judas foi condenado ao Inferno, apesar de tudo apontar para este destino fatal. Afinal, Jesus já tinha advertido severamente o traidor: “ai daquele por quem o Filho do Homem for traído, melhor que não tivesse nascido!”. Em outra parte, Jesus também declarou sobre Judas: “Ele se perdeu, por ter se transformado no filho da Perdição, para que se cumprisse a Escritura.”.
Nesse contexto,
as revelações de Maria Valtorta vêm apenas preencher a lacuna sobre o destino final de Judas, o qual não consta nos Evangelhos canônicos. É questão de se acreditar ou não.
Aliás,
a própria crítica aqui refutada também conclui no sentido de não haver heresia alguma no texto, embora discorde de outros aspectos, como se vê abaixo:
Em suma, o livro em pauta, embora não contenha heresia alguma (as falhas apontadas podem ser tidas como linguagem meramente popular, poética, dantesca...), não parece ser genuíno, pois atribui ao Senhor Jesus um linguajar impróprio, veículo de conceitos que de certo modo desfiguram a mensagem cristã. Não há dúvida, a maioria das páginas do livro é muito aproveitável como estímulo a uma vida piedosa; todavia pode-se crer que os seus dizeres não ultrapassam o talento de uma pessoa fervorosa, mas carente de precisão teológica.