Maria Valtorta foi uma mística católica italiana que viveu de 1897 a 1961. Durante a vida, ela foi agraciada com muitas revelações de Jesus Cristo sobre o Evangelho. Também foi contemplada com revelações de Nossa Senhora, do Espírito Santo e de vários santos e anjos. A revelação principal sobre o Evangelho foi incluída em uma obra monumental composta de 10 volumes (no total de 2.389 páginas) intitulada “O Evangelho como Me Foi Revelado” (conf. a versão em inglês publicada em 2014 pelo Centro Editoriale Valtortiano).
O que Maria Valtorta escreveu e qual a natureza do seu trabalho?Na primeira publicação, a obra recebeu o título “O Poema do Homem-Deus”, em referência à pessoa de Jesus Cristo, que possui dupla natureza: humana e divina. Provavelmente o termo "poema" foi usado para contemplar a beleza da obra e o estilo literário da escritora, que, muitas vezes, usa uma linguagem romântica e até mesmo poética para descrever algumas cenas, ambientes, comportamentos, emoções e sentimentos, na tentativa de descrever o mais fidedigno possível as visões recebidas. O título inicialmente atribuído à obra também pode ter servido para desviar a atenção dos críticos mais radicais, que a veriam apenas como uma obra de ficção, um simples poema ou romance, o que facilitaria a sua disseminação, ao menos até que se empreendessem os estudos necessários para revelar a sua verdadeira natureza.
Independentemente do motivo adotado, o título atual, sem dúvida, é o mais adequado, pois reflete a verdadeira origem sobrenatural do trabalho e deixa claro não se tratar de uma obra de ficção. Afinal, como se verá adiante, muitos estudos já foram realizados e várias comprovações científicas já foram apresentadas por estudiosos das mais diversas áreas para comprovar que a obra, de fato, tem origem divina. Também houve o reconhecimento da autenticidade por parte de vários membros do alto Clero da Igreja. Ademais, o novo título identifica-se melhor ao nome que a própria Maria Valtorta tinha adotado: “O Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, como Foi Revelado ao Pequeno João” (“pequeno João” é como Jesus a chamava carinhosamente, em alusão ao apóstolo João, o discípulo amado).
Ao iniciar os seus escritos, Maria Valtorta não tinha a mínima consciência da extensão do seu trabalho, pois acreditava que poderia morrer a qualquer momento devido às graves doenças crônicas que sofria e das constantes dores que a incapacitavam. Como “escritora”, ela produziu apenas a sua Autobiografia (em obediência a ordem de seu diretor espiritual) e as revelações sobre a vida de Jesus. Toda a sua “produção literária” se deu nos anos de 1943 a 1950. Dessa forma, não é apropriado chama-la de “escritora” em sentido estrito e profissional, como se ela vivesse disso. Na verdade, ela nem possuía um bom nível de estudo, não cursou faculdade e sequer completou o ensino médio. O mais correto seria considerá-la uma uma vidente com dons literários, pois ela, de fato, não escreveu nada além dessas revelações. É de ressaltar também que ela nunca obteve qualquer lucro com suas obras. Fez tudo gratuitamente em benefício dos fiéis e da Igreja.
Em relação ao curtíssimo tempo gasto por Maria Valtorta para escrever nos anos 1944 a 1947 quase todo o Evangelho (10 volumes no total de 15.000 páginas manuscritas), Jean-François Lavère, autor do livro "The Valtorta Enigma" (Ed. Place des Fontaines, 2012), levanta uma questão espantosa:
Os defensores de Maria Valtorta dizem que o seu trabalho é semelhante, em alguns aspectos, às visões da freira franciscana Venerável Maria de Jesus Ágreda e da freira agostiniana Anna Catarina Emmerich, beatificada pelo Papa João Paulo II em 3 de outubro de 2004. No entanto, as visões de Maria Valtorta superam em extensão e profundidade as visões de outros místicos católicos, tanto por seu grande volume quanto pelo variado nível de detalhes. Em razão dessa peculiaridade, é possível analisar a obra sob o ponto de vista científico para comprovar os dados e os fatos descritos aplicando para isso técnicas de diversas áreas de especialidade, tais como: Geografia, Topografia, Arqueologia, Geologia, História, Medicina, Psicologia e outras. Isso, de fato, já foi feito, e continua a ser como se verá adiante.
Stephen Austin, um defensor das obras de Maria Valtorta, escreveu um e-book popular (em inglês), amplamente distribuído e intitulado “A Summa and Encyclopedia to Maria Valtorta’s Extraordinary Work’A Summa and Encyclopedia” (PDF, 11 MB, Atualizado em 13 de junho de 2017). O trabalho está disponível na internet e cobre quase tudo o que um leitor poderia querer saber sobre a principal obra de Maria Valtorta (O Evangelho como me foi revelado). No e-book é abordada a importância da obra, sua história, seu status eclesiástico, como ela se compara a outras revelações de outros videntes católicos, as provas de sua origem divina, as críticas contra ela e as respectivas refutações, bem como os recursos adicionais disponíveis como vídeos e textos complementares. O material é bastante abrangente e pode ser baixado no seguinte link da internet: http://www.valtorta.org.au/Defence/Maria%20Valtorta%20Summa%20%26%20Encyclopedia.pdf
Na segunda parte deste resumo (PARTE 2 - CRONOLOGIA DA VIDA E OBRA DE MARIA VALTORTA), foram inseridos alguns episódios da vida de Maria Valtorta extraídos de sua autobiografia com a finalidade de evidenciar a realidade da vidente. Também mostra o caminho gradual e doloroso de sua santificação (os sofrimentos, tristezas, alegrias, doenças, conquistas, decepções, dificuldades, desafios) e o que ela, de fato, escreveu.
Já no início de sua autobiografia, ela faz a seguinte declaração (pág. 9):
“Não começo a narrar minha vida com minhas próprias palavras, mas com as de Jesus. Isto em obediência a um desejo expresso por você [Ela se reporta ao Padre Romualdo M. Migliorini, seu diretor espiritual], um desejo que eu não desafio, embora, a meu ver, essa história não é muito útil ou, acima de tudo, muito agradável para mim ou para você. Você é um mestre do espírito; se, portanto, você acha que é certo que eu lhe revele a minha vida, é um sinal de que está certo. Avancemos, então, com sinceridade, humildade e paciência.
Desembaraçar o fio da minha vida – e desemaranhá-lo para trás – será um conforto e uma tristeza para mim, porque ao longo do fio, como contas em um rosário, encontrarei alegria, dor, culpa, perdão, esperança; e as pedras negras da tristeza serão muito mais numerosas do que as douradas da alegria, assim como as pedras cinzentas das falhas serão muito mais abundantes do que as brancas da bondade”.
A autobiografia, escrita em 7 cadernos adicionais, foi originalmente dirigida ao Padre missionário monsenhor Romualdo M. Migliorini (1884-1953), membro da Ordem dos Servos de Maria, e que foi seu Diretor Espiritual por 4 anos. Ela escreveu a autobiografia em estrita obediência ao pedido dele, embora ela mesma não achasse que seria útil. Portanto, o tipo do texto se parece mais como uma carta de um fiel dirigida ao seu confessor. Em razão disso, ela não esconde a sua intimidade e revela todos os detalhes de sua vida privada, quer sejam bons ou ruins. Ela fala com total franqueza, sem adornos, expondo as reais dificuldades enfrentadas ao aceitar e superar as questões cada vez mais dolorosas e exigentes e os desafios de sua própria santificação.
Dessa forma, a autobiografia não foi dirigida originalmente ao público em geral, pois não estava nos planos dela divulgar abertamente os detalhes de sua vida privada. Nesse sentido, pode ser um pouco chocante a exposição que ela faz sobre alguns aspectos de sua vida como, por exemplo, o tratamento que sua mãe lhe dava, ao revelar a conturbada relação entre elas. Mas o fato é que a mãe dela a submeteu a muitas dificuldades e duras provações, tanto físicas quanto morais. Entretanto, o amor ao próximo e a generosidade silenciosa e firme de Maria Valtorta passaram por cima de toda afronta e perseguição advindas de dentro ou de fora de sua própria casa, fornecendo um testemunho eloquente de sua vontade de cumprir integralmente as palavras de Cristo no Evangelho.
As obras que Maria Valtorta escreveu são as seguintes:
É possível ler as obras em qualquer ordem. Entretanto, para conhecer o caminho gradual de conversão de Maria Valtorta, é aconselhável lê-las em ordem cronológica. Também é possível compreender melhor o seu estilo literário e o passo a passo das revelações, que vão atingindo níveis mais profundos ao passar do tempo.
Ao ler as obras, o leitor verá que algumas cenas da vida de Jesus, principalmente em “O Evangelho como me foi revelado” foram levemente “romantizadas” pela escritora, o que pode dar uma falsa ideia de se tratar de uma obra de ficção. Entretanto, o objetivo disso, na verdade, é descrever os mínimos detalhes observados nas visões e os aspectos psicológicos envolvidos em relação às pessoas, ao ambiente, aos sentimentos, às emoções, às expressões etc. Além disso, descrever é o ponto forte da vidente, como ela mesma reconhece em sua autobiografia. No tempo de colégio, ela diz que possuía o dom da escrita e se destacava na elaboração de cartas, ensaios literários e todas as composições que imitam estilos. De fato, o Espírito Santo cuidou de capacitá-la desde jovem, a fim de que a vidente viesse a ter os atributos necessários para bem cumprir uma grande missão, a de descrever os detalhes da vida de Cristo. Além do dom de escritora, Maria Valtorta também era dotada de uma memória aguçada e uma inteligência acima da média. De fato, como nos ensina São Paulo em 1 Coríntios 12: “Há diversidade de dons, mas um só Espírito. A cada um é dada a manifestação do Espírito para proveito comum. Mas um e o mesmo Espírito distribui todos esses dons, repartindo a cada um como lhe apraz”.
Quanto ao apoio da Igreja ao trabalho de Maria Valtorta, é de se ressaltar que desde o início os Padres da Ordem dos Servos de Maria prestaram auxílio à vidente. A Autobiografia, a sua primeira obra, foi escrita em obediência ao pedido do Padre Romualdo M. Migliorini, seu Diretor Espiritual. A partir daí, a participação da Igreja nunca cessou, estendendo-se até o fim dos trabalhos. Nos primeiros quatro anos, os manuscritos de Maria Valtorta foram datilografados pelo Padre Migliorini para possibilitar a sua disseminação (o texto datilografado era imediatamente devolvido à Maria Valtorta para conferência, a fim de evitar qualquer tipo de erro em relação aos manuscritos originais). Em 1946 ele teve de se retirar para Roma, mas passou a responsabilidade ao Padre Corrado M. Berti, também pertencente à Ordem dos Servos de Maria. Há registro do envolvimento dos padres no trabalho e a própria vidente faz um agradecimento especial, conf. segue:
Notebooks 1943, pág. 7, 22/04/1943:
Parece-me quase inútil continuar escrevendo depois de ter dito tudo [4]. Mas você [5] Me pediu para escrever as coisas que mais me impressionam, e eu obedeço.
Nota 4: refere-se à Autobiografia de Maria Valtorta, escrita a pedido do Padre Migliorini.
Nota 5: Trata-se do padre Romualdo M. Migliorini, a quem a autora se dirige e com muita frequência em seus escritos. Por volta de 1942, ele foi visitá-la e se tornou seu diretor espiritual e testemunhou seus escritos, que ele mesmo datilografou zelosamente, tendo feito a primeira disseminação deles. Mas em 1946 ele teve de se retirar para Roma, onde confidenciou a seu irmão religioso o Padre Corrado M. Berti a existência de Maria Valtorta.
Notebooks 1945-1950, pág. 96, 25/12/1945:
Jesus diz:
[...] Que seja feito assim que possível, porém, e no menor tempo possível que seja concluído. Mas que não comece, a menos que tudo o que você escreveu e entregou ao Padre foi primeiro datilografado.
E o Padre deve dar-lhe tudo o que está datilografado para que você possa corrigi-lo nesse mês de sua ausência. Não posso permitir que permaneçam páginas não corrigidas e não datilografadas. E sua vida está tão minada por forças inimigas secretas!
[...] “Não ditarei mais nada até que tudo o que foi dado seja transcrito. Não faça mais nada até que você tenha corrigido tudo. O Padre Romualdo não deve fazer mais nada até que tudo tenha sido feito. Não há nada para brincar ou confiar imprudentemente na assistência sobrenatural. Aja com meios ordinários como se os extraordinários não existissem.
Notebooks 1945-1950, pág. 337, 20/05/1948:
As lições sobre a Carta aos Romanos continuam aqui. As outras lições são nos dois cadernos dados ao reverendo padre Corrado M. Berti, que considerou oportuno retirá-los, mesmo que o último ainda não tenha sido concluído, assim como o comentário do Espírito Santo na Carta aos Romanos está muito longe de estar concluído. Mas por causa de todo o respeito e gratidão – gratidão, acima de tudo – que devo ao Padre Corrado pela maneira como tem sempre se portado com caridade e paciência em relação a mim, pobre criatura, e obediência à vontade do Senhor, concordei em entregar o que eu tinha.
É justo que tanto seja dado àqueles que tanto fizeram pela Obra. Padre Migliorini também fez um grande trabalho…. Bastaria considerar o quanto ele datilografou!
[...] ...no entanto, se o padre Berti não tivesse estado presente lá, em vista do comportamento de todos, exceto para muito poucos – exceções reais na grande parte dos Padres dos Servos de Maria, que sempre bloquearam, criticaram e causaram dor excessiva e só recentemente mudaram sua orientação e perspectiva em relação ao Trabalho de Jesus e o pobre instrumento de Jesus – a Obra certamente teria acabado não ficando sob a proteção da Ordem dos Servos de Maria. Mas a gentileza, a sinceridade e a honestidade superaram. Sim deus e o instrumento de Deus venceu – o instrumento deve defender tenazmente os interesses e desejos de Deus, mesmo que custe muito, pois não é agradável contestar, reprovar e ameaçar punições.
Eu não sei quanto tempo vou permanecer na terra ou se será concedido a mim ver o Trabalho publicado. Mas eu insisto em declarar que se a Obra prosseguir trazendo luz e bondade para as almas e glória para a Ordem dos Servos de Maria, almas e Servos de Maria devo agradecer ao Padre Berti e ao Padre Migliorini, que, de diferentes formas, mas com a mesma constância, têm trabalhado para que a Vontade Divina seja feita e as almas recebam o Presente de Deus. E, depois dos dois primeiros, gostaria de lembrar alguns outros que cooperaram, com caridade, para trazer alívio ao instrumento e assistência aos dois principais artífices do triunfo da vontade e da palavra de Deus: Padre Gargiani, Padre Sostegno Benedetti, Padre Tozzi, e padre Mariano De Santis.
Outro ponto a ser destacado é que, ao contrário do que afirmam os críticos da obra, as revelações ditadas ou mostradas nas visões não contrariam os Evangelhos canônicos. Conforme se vê abaixo, é possível perceber que os principais temas abordados na obra só enriquecem as escrituras, lançando luzes sobre questões bíblicas há muito discutidas pelos doutores da Igreja:
É preciso observar também o que diz o catecismo da Igreja sobre a natureza das revelações privadas e de não ser obrigatório acreditar nelas, como segue:
JÁ NÃO HAVERÁ OUTRA REVELAÇÃO
66. «Portanto, a economia cristã, como nova e definitiva aliança, jamais passará, e já não se há de esperar nenhuma nova revelação pública antes da gloriosa manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo»(34). No entanto, apesar de a Revelação já estar completa, ainda não está plenamente explicitada. E está reservado à fé cristã apreender gradualmente todo o seu alcance, no decorrer dos séculos.
67. No decurso dos séculos tem havido revelações ditas «privadas», algumas das quais foram reconhecidas pela autoridade da Igreja. Todavia, não pertencem ao depósito da fé. O seu papel não é «aperfeiçoar» ou «completar» a Revelação definitiva de Cristo, mas ajudar a vivê-la mais plenamente, numa determinada época da história. Guiado pelo Magistério da Igreja, o sentir dos fiéis sabe discernir e guardar o que nestas revelações constitui um apelo autêntico de Cristo ou dos seus santos à Igreja.
A fé cristã não pode aceitar «revelações» que pretendam ultrapassar ou corrigir a Revelação de que Cristo é a plenitude. É o caso de certas religiões não-cristãs, e também de certas seitas recentes. fundadas sobre tais «revelações».
Para ler a obra, portanto, é necessário ser ponderado, ter a mente aberta, não ser crítico em demasia e se esforçar para entende-la à luz do amor, que é a base da doutrina de Cristo. Afinal, Jesus foi o Mestre do Amor e Ele demonstra esse afeto não só na teoria, mas na prática do dia a dia com as pessoas, os apóstolos e os discípulos. Ora os trata como amigos, ora como irmãos, ora como filhos, pois ele é amoroso ao extremo e não faz acepção de pessoas.
A obra é, de fato, extraordinária e possui muitas qualidades, as quais poderíamos resumir nas seguintes palavras: é monumental, cativante, fascinante, genuína, admirável, edificante, enriquecedora, inspiradora, instrutiva.
Para dar uma visão geral da magnitude apenas da principal obra “O Evangelho como me foi revelado”, em termos numéricos, podemos pegar de empréstimo a análise realizado por Jean-François Lavère, autor do livro “O Enigma Valtorta” (Ed. Place des Fontaines, 2012). Ele defende que a obra é livre de anacronismos e cita os seguintes números extraordinários contidos nela:
Esse autor conclui seu livro com a seguinte declaração:
Aqui estamos nós no final deste estudo, cujo objetivo, eu repito, era essencialmente verificar o grau de precisão e coerência da riqueza de dados na obra transmitida por Maria Valtorta. Reunimos mais de 10.000 peças espalhadas... Um quebra-cabeça de dez mil peças em que tudo se encaixa e cada elemento encontra seu próprio e único lugar.
[...] Após cerca de quinze anos de pesquisa diária sobre este trabalho excepcional, adquiri a certeza, assim como vários outros pesquisadores antes de mim, que contém uma quase inesgotável mina de informações precisas, coerentes e verificáveis. Então, chega um momento em que, diante dessa massa de informações verificadas e credíveis, a fé se impõe novamente, e a razão deve se curvar a modéstia. Por que alguns detalhes raros e não verificáveis, como, por exemplo, a descrição de um monumento que não existe mais, deve ser falso, quando todos os verificáveis provaram ser verdadeiros? Então, eu logicamente chego à mesma conclusão que Jean Aulagnier: “… enquanto eu seguia a progressão da minha análise… Eu medi; Eu senti, com extraordinária intensidade, a profunda e total realidade divina dos escritos de Maria Valtorta”.
[...] O Padre Gabriel Allegra percebeu isso tão bem: “é uma fatia da vida, e Maria Valtorta a domina como se possuísse o gênio de Shakespeare ou Manzoni. Mas, quanto estudo, quantas muitas noites e pensamentos esses grandes homens colocaram em seus trabalhos! Em contraste, Maria Valtorta, embora sua inteligência era brilhante, sua memória rápida e segura, nem mesmo possuía o ensino médio completo; ela sofria de diversas doenças e ficou acamada por muitos anos; ela possuía poucos livros – eles poderiam caber nas duas prateleiras de seu armário – ela nunca leu nenhum dos grandes comentários bíblicos, que explicariam sua surpreendente cultura escriturística; ela usou um versão simples e popular da Bíblia por P. Tintori ofm, e apesar de tudo isso, ela escreveu dez volumes do Evangelho Como Me Foi Revelado de 1943 a 1947 em apenas quatro anos!”. É inconcebível que qualquer ser humano, mesmo com excepcional conhecimento bíblico e cultura, com ilimitada documentação e muitos longos anos de preparação, (o que Maria Valtorta claramente não possuía), seja qual for o seu grau de erudição, poderia, por sua própria iniciativa, escrever o manuscrito que Maria Valtorta nos transmitiu.
O Prof. Leo A. Brodeur, MA, Lèsl., Ph.D., H.Sc.D., também escreveu sobre a Obra de Maria Valtorta (conf. Stephen Austin):
“[Para aqueles que afirmam] que os escritos de Valtorta não eram de origem sobrenatural, eles investigaram para ver que tipo de pessoa que Valtorta era? Se tivessem feito isso, teriam rapidamente descoberto que ela era uma católica boa, sincera e devota, uma inválida que tinha uma vida profunda de oração e vivia de acordo com elevados padrões morais. Eles teriam descoberto que ela frequentemente afirmava, explicitamente, em termos inequívocos que estava tendo visões e ditados de Jesus e de outras pessoas celestiais, e que ela percebeu a gravidade de suas reivindicações.
Agora, se suas visões e ditados fossem meras formas literárias de sua própria invenção deliberada, ela teria sido uma mentirosa inescrupulosa; mas esta hipótese é excluída pelos testemunhos de todos os padres e freiras e leigos que a conheceram”
A respeito da linguagem utilizada por Jesus nas visões de Maria Valtorta, é necessário esclarecer um ponto interessante que pode causar dúvidas ao leitor da obra. A vidente ouviu Jesus falar com os apóstolos em língua italiana, embora naquela época eles só falassem hebraico e aramaico. Isso é um pouco estranho no início, mas de forma alguma é uma novidade na história da Igreja. Em Atos dos Apóstolos 2: 1-13, ocorreu o mesmo milagre quando o Espírito Santo desceu sobre os apóstolos no dia de Pentecostes e eles começaram a falar em línguas de maneira que os estrangeiros que estavam em Jerusalém os entenderam em sua língua materna. Essa tradução milagrosa do idioma inclui certamente adaptações de palavras e expressões para uma melhor compreensão por parte do ouvinte. De outra forma, se Jesus tivesse falado em hebraico ou aramaico com os apóstolos, a vidente jamais teria entendido o que eles diziam, e muito menos conseguiria reproduzir as visões em seus cadernos. As adaptações aos tempos atuais também foram necessárias. Afinal, 2.000 anos se passaram! Uma expressão aplicável à época poderia não se adequar mais aos tempos atuais, à nova estrutura da Igreja, aos sacramentos, à teologia desenvolvida ao longo dos anos pelos santos e doutores da Igreja etc. Por isso, muitas vezes Jesus usa um termo que não existia à época para fazer a ligação entre as diferentes linguagens e tempos. Um exemplo disso é quando Ele usa o termo “Igreja Católica”, já que esse nome não existia naquela época. Mas se Jesus dissesse apenas o termo Igreja, genericamente, daria margem ao questionamento de qual seria essa Igreja (católica? protestante? ortodoxa?), e isso seria muito inconveniente. Sobre essa questão, o Beato Gabriel Allegra, O.F.M., esclarece (conf. Stephen Austin):
“Mas há outra surpresa: esta mulher do século 20 que, embora confinada a um leito de dor se tornou a afortunada contemporânea e seguidora de Cristo, ouviu os Apóstolos e Jesus falarem em italiano, mas em italiano com sotaque aramaico – exceto certos momentos cuidadosamente anotados por ela: quando, isto é, os Apóstolos e Jesus oravam em hebraico ou em aramaico. Além disso, Jesus, Nossa Senhora e os Apóstolos, mesmo quando falam de assuntos tratados no Novo Testamento, adotam a linguagem teológica de hoje, ou seja, a linguagem iniciada pelo primeiro grande teólogo, São Paulo, e enriquecida ao longo de muitos séculos de reflexão e meditação, e que assim se tornou precisa, clara, insubstituível”.
Uma das verdades reveladas por Maria Valtorta que pode ser comprovada cientificamente é apresentada pelo próprio Jesus. Refere-se à semelhança das imagens de Cristo impressas no Santo Sudário e no Véu de Verônica (conf. Stephen Austin, pág. 359, O Evangelho de MV no Volume 10, Capítulo 637, pág. 440-441). Jesus diz (em 22/02/1944):
O véu de Verônica também é um estímulo para suas almas céticas. Compare – vocês que prosseguem com investigações áridas, ou racionalistas, ou pessoas mornas, ou você instável na fé – a Face do Véu de Verônica com a do Sudário. Um é o rosto de uma pessoa viva, o outro de uma pessoa morta. Mas o comprimento, a largura, os tipos somáticos, a forma e as características distintivas são os mesmos. Sobreponha as imagens. Você verá que elas correspondem. Sou eu quem queria mostrar para você como eu era e o que me tornei por amor a você. Se você não está perdido ou cego, essas duas faces deveriam ser suficientes para levá-lo ao amor, ao arrependimento, a Deus.
Só muitas décadas depois que Maria Valtorta escreveu sobre isso é que os cientistas, de forma independente, fizeram essa comparação. E adivinha? Quando o Santo Rosto do Véu de Verônica é sobreposto à imagem do Rosto do Sudário de Turim, eles combinam perfeitamente, assim como Cristo disse na Obra de MV décadas antes. É importante notar que o que agora é comumente chamado de Véu de Manoppello é o verdadeiro Véu de Verônica (conf. Stephen Austin, pág. 359)
Camillo Corsánego, ex-presidente nacional da Ação Católica na Itália, Decano dos Advogados Consistorial e professor da Pontifícia Universidade Lateranense de Roma, escreveu (conf. Stephen Austin, pág. 107/108)
Dom Roman Danylak, S.T.L., J.U.D. foi Chanceler da Eparquia de Toronto (Diocese) e Consultor da Pontifícia Comissão para a Revisão do Direito Canônico Oriental. Ele também foi pastor da Catedral de St. Josaphat (católico ucraniano) em Toronto. Dom Danylak é licenciado em Teologia Sacra e Doutor em Direito Canônico e Civil pela Pontifícia Universidade Lateranense de Roma. Ele emitiu uma carta de endosso da tradução para o inglês da Obra de Maria Valtorta. O Reverendíssimo Roman Danylak escreveu (conf. Stephen Austin, pág. 99):
Apesar de várias afirmações em contrário, teólogos de autoridade, estudiosos das Escrituras, que estudaram a Obra, confirmam a exatidão das descrições de Valtorta do lugar, geografia, seu conhecimento exato da Terra Santa, etc. E devemos lembrar que Maria Valtorta não teve saúde nem oportunidade para estudar ou correlacionar suas observações. Lendo os cinco volumes em inglês ou os dez volumes em italiano, fiquei impressionado com seu domínio não só da composição poética, mas dos detalhes, dos personagens, dos acontecimentos da história do Evangelho. Encontro confirmação significativa dos muitos personagens de apóstolos, discípulos, penitentes, etc., mencionados não apenas na Escritura, mas na tradição litúrgica e patrística da Igreja na tradição bizantina. Seus personagens não são imaginários, como eu suspeito dos personagens da narração de outra visionária e mística, Catherine Emmerich, mas pessoas reais, cuja identidade é confirmada pelos Padres e pelas festas litúrgicas da Igreja Bizantina. Tenho certeza de que também encontraríamos confirmação semelhante na tradição patrística do Ocidente. Estou menos familiarizado com este último [o que] deixo às autoridades mais competentes este campo de investigação.
Quase vinte anos depois, em 1971, outro notável estudioso da Bíblia e Diretor do Museu do Vaticano, Mons. Gianfranco Nolli, em carta ao editor, escreveu sobre a Obra de Valtorta (conf. Stephen Austin, pág. 72):
“Li com muito interesse e percebi que ela descreve realmente lugares, costumes, trajes com uma precisão que raramente se encontra mesmo em quem os conhece: é um verdadeiro prazer lê-la e tira-se muito proveito a partir dela".
Mons. Hugo Lattanzi, reitor da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Lateranense e Consultor do Santo Ofício, aprovou a Obra de Maria Valtorta em 1952, afirmando (conf. Stephen Austin, pág. 69):
"... estas são páginas verdadeiramente esplêndidas tanto no pensamento quanto na forma; descrições de situações psicológicas dignas de Shakespeare, diálogos conduzidos de uma maneira socrática digna de Platão e descrições da natureza e do ambiente dignas do escritor mais imaginativo."
Mons. Maurice Raffa, Diretor do Centro Internacional de Comparação e Síntese, escreveu sobre a Obra (conf. Stephen Austin, pág. 69):
“... ali encontrei riquezas incomparáveis ... Desejando expressar um juízo sobre seu valor intrínseco e estético, destaco que para escrever apenas um dos tantos volumes que compõem a obra, seria necessário um autor (que hoje não existe) que fosse ao mesmo tempo um grande poeta, um erudito bíblico hábil, um teólogo profundo, um especialista em arqueologia e topografia e um profundo conhecedor da psicologia humana”.
O Dr. Nicholas Pende, um ilustre clínico médico, endocrinologista de renome mundial e consultor da Sagrada Congregação dos Ritos para o exame científico de curas consideradas milagrosas, escreveu em um depoimento assinado em 23 de janeiro de 1952 (conf. Stephen Austin, pág. 68):
... O que despertou em mim, médico, a maior admiração – e espanto – é pela perícia com que Valtorta descreve uma fenomenologia que poucos médicos consumados saberiam explicar – o cenário da agonia de Jesus na Cruz ... A pena e a maior emoção invadem o leitor cristão ao ler esta surpreendente página, com um estilo verdadeiramente médico, do manuscrito de Maria Valtorta.
Um artigo relata sobre o famoso William F. Buckley, Jr. (que é considerado o avô do movimento conservador americano) (conf. Stephen Austin, pág. 277/278):
Embora Buckley admirasse as representações poderosas de Valtorta da crucificação, ele pode não saber o quão profunda era a fonte de seu conhecimento na produção dessas representações. Por exemplo, Buckley escreveu: “O relato de Valtorta, ou pelo menos a maior parte dele que lida especificamente com o sofrimento suportado, seria uma leitura dolorosa descrevendo qualquer morte por crucificação. Valtorta é dolorosamente absorvida pelos detalhes físicos. Ou ela já foi estudante de medicina ou então estudou anatomia, osso por osso."
A verdade é que Valtorta não fez nenhum dos dois – faculdade de medicina ou estudo de anatomia. Ela teve uma educação muito simples. No entanto, a profundidade de suas descrições, que Buckley notou, não foi perdida por outros observadores também. Dr. Nicholas Pende, um endocrinologista que (como Buckley) mostrou imensa surpresa com a sofisticação e precisão com que Valtorta descreveu os espasmos de Jesus durante as visões da crucificação, comentou sobre suas descrições como constituindo “um fenômeno que apenas alguns médicos informados saberiam como explicar, e ela o faz em um estilo médico autêntico”.
Em relação ao reconhecimento da Igreja sobre a autenticidade e confiabilidade da obra de Maria Valtorta, Stephen Austin apresenta a seguinte Lista de membros da Igreja, fiéis e estudiosos que a aprovaram (pág. 651/654):
[e outros]
Maria Valtorta nasce em 14/03/1897 em Caserta, na região da Campânia, na Itália. Ela foi filha única de seus pais, que eram da região da Lombardia. Seu pai, Giuseppe, era da cavalaria italiana e sua mãe, Iside Fioravanzi, era professora de Francês.
Em sua autobiografia, escrita no período de fevereiro a abril de 1943, a pedido do Padre Romualdo M. Migliorini, seu diretor espiritual, ela diz:
Foi matriculada na escola maternal das Irmãs Ursolinas, em Milão, uma instituição da Igreja Católica onde ocorreu o primeiro encontro com Jesus (conf. Notebook 1945/1950, 10/02/1946).
Em sua autobiografia, ela diz:
[...] Na escola eu encontrei Deus. Meu pai e minha avó falaram comigo sobre Ele, me fizeram orar e me levaram para a igreja. Mas eu encontrei o rosto de Deus e seu amor na escola. O primeiro real e indelével encontro. As boas Irmãs, especialmente nossa Irmã Fulgenzia, nos falaram sobre Deus com palavras adequadas para nossas pequenas mentes. Elas nos falaram das "maravilhosas obras de Deus", descreviam os atributos da divindade, e infundiram o santo temor de Deus em nós. “Deus sempre nos vê; Deus está sempre presente; nada está escondido dele; Ele está em todos os lugares". Quantas vezes ouvi essas palavras!
[Pág. 14] Mas, mais do que essas primeiras experiências do sobrenatural, o que fez meu coração palpitar mais do que qualquer outra coisa antes do inefável mistério da bondade divina era a figura de Cristo caído na capela. Estava embaixo do altar principal. [...] Em tamanho real, exibia o cansaço e as características de quem morreu em meio a mil espasmos, todas as feridas e contusões de uma vítima de tortura, sofridas pelo Senhor antes de ser crucificado. Impressionante, digo e repito, e muitos de minhas companheiras choraram de medo quando nos levaram lá para ver e orar. Não chorei de medo, mas tremi de compaixão.
[...] Uma vez em casa, já tendo contado tudo à minha avó, eu repetia para a minha mãe, meu pai, a serva e o soldado, e depois fui para a cama, pensando em Jesus, que estava lá sozinho e... doente, eu diria. E esse pensamento era tão poderoso que, às vezes, eu acordava à noite em lágrimas, e à minha avó, que dormia comigo, ou minha mãe, que vinha correndo ao me ouvir chorar, eu dizia que via Jesus, que estava muito doente e chorava porque estava sozinho. Isso os impressionou muito, e eles decidiram me transferir para outra escola que seria menos medieval – para que eu não adoecesse de medo. Não, eu estava doente de amor. O primeiro contato aconteceu, e Jesus e Maria nunca me perderiam de vista, embora, em certos períodos, houvesse uma frieza digna de nota da minha parte. Mas nunca mais me afastei dele no sentido apropriado – e dele como sofredor, como Redentor, como rei do sofrimento.
Foi matriculada no Instituto católico das Irmãs Marcelinas. Lá, aos 7 anos de idade, fez sua primeira confissão e recebeu o Sacramento do Crisma (Confirmação).
Em sua autobiografia, ela diz:
[...] Eu estava no primeiro ano e fui a primeira da classe em inteligência, um presente de Deus e porque, em casa, minha mãe, com seus métodos de professora, e meu pai, com seu amor, sempre me instruíram, e, portanto, fui mais instruída do que o habitual nessa idade.
[...] Eu nunca fui mesquinha com a minha inteligência e fiquei bastante satisfeita em ajudar minhas companheiras, mesmo com o preço de ficar sem tópicos para minhas composições em italiano ou sendo pega pelos meus professores enquanto fazia o trabalho de outras pessoas e punida. Aqui também encontrei ingratidão e não gratidão. Ingratidão que chegou ao ponto de me acusarem de "roubar os ensaios de outras". Era, no entanto, muito pelo contrário, pois, embora eu fosse muito fraca em matemática e minha nota máxima nessa matéria do ensino fundamental ao secundário na escola nunca superou 6, dada por compaixão, em longos períodos de 2, 3, 4 e até alguns zeros, em italiano eu tinha uma veia inesgotável de imaginação e um estilo naturalmente bom; por esse motivo, fazer o mesmo tema até oito vezes, desenvolvendo-o de oito maneiras diferentes era um jogo para mim. Também nos outros assuntos eu era realmente boa, e não poderia ter sido diferente, caso alguém se lembre de como eu tinha uma tremenda governanta em casa quando fazia as minhas lições [sua mãe era professora]. Se eu não me empenhasse muito no meu dever de casa, havia punições e muito severas.
[Pág. 17] Eu não tinha os punhos cerrados, como eu dizia, e não sou e nunca fui preguiçosa. A ociosidade e eu sempre fomos inimigas. Ociosidade e frouxidão. Cresci um pouco impetuosamente, à moda militar, nunca foi difícil para mim acordar cedo, comer quando pudesse, beber se possível.
[Pág. 18] Em 18 de março de 1904, fiz minha primeira confissão, na capela onde meu Jesus estava dormindo seu sono da morte. Ainda tenho a imagem de lembrança que me foi dada pela Irmã Blanche, a Superiora.
[Pág. 19] Em 30 de maio de 1905, recebi a Confirmação (Crisma) das mãos do Cardeal Arcebispo Andrea Ferrari. Eles diziam que ele era um santo. Eu acredito nisso, porque o toque de suas mãos realmente me infundiu Espírito do amor, estreitando o vínculo de amor entre o Paráclito e eu, cuja presença, assistência e conforto mais doce eu sinto constantemente.
[...] Eu recebi, então, o Espírito Santo. Ele desceu em mim e certamente deixou sua semente.
Mudou-se para Voghera, uma comuna italiana da região da Lombardia, província de Pavia e estudou em uma escola pública.
Em sua autobiografia, ela diz:
Na nova escola, eu estava indo muito bem. Eu era a melhor da turma, pois eu era a única filha de pais prósperos e, acima de tudo, não era da cidade. O mero fato do meu conhecimento em língua italiana me colocou muito acima das meninas locais. E então eu lia muito porque minha mãe não economizou em livros e revistas para mim. Eu assim aumentava continuamente meu dom espontâneo como escritora.
[...] Em Voghera, era mais difícil para o meu pai me levar à missa. Assim, eu cresci um pouco pagã e já tinha dez anos. Começava então uma idade em que a ajuda da religião é mais necessária do que nunca. Minha mãe não se importava com isso. Pareceu-lhe que eu sabia o suficiente sobre o assunto....
Nesse ano, fez a sua Primeira Comunhão em Casteggio com as Irmãs de Nevers e se consagrou à Maria Imaculada (conf. Notebook 1945/1950, 10/02/1946).
Em sua autobiografia, ela diz:
[...] Eu vivi por um mês entre essas Irmãs. Elas me amavam muito. Parecia que elas estavam na sua querida França, no mosteiro que tiveram de abandonar tão dolorosamente, em meio a seus amados alunos... Que cuidado, que carinho!
[...] Não recebi lembranças da minha mãe naquele dia. Sem livro, sem rosário, sem medalha. Nada. E ela nem deixou o pai vir. Ela julgou o pai "inútil". Somente Jesus sabe como isso me machucou ...!
Em 1º de maio de 1909, aos 12 anos de idade, ela ingressou no Internato, na Escola Bianconi, administrada pela Irmãs de Caridade da Beata Bartolomea Capitanio, em Monza, uma comuna italiana da região da Lombardia, província de Monza e Brianza. Ela permaneceu lá por 4 anos (5 anos letivos) e foi tida por todos como modelo de estudante. Nessa época, começaram os sofrimentos físicos e morais, o início das dores de Maria Valtorta. Tudo começou quando ela caiu de uma escada de granito e sofreu contusões profundas em todas as suas vértebras. Após esse acidente, ela nunca ficou livre das dores na coluna. Sua mãe não quis levá-la ao médico sob o argumento de que tudo era bobagem e exagero. Ela sofreu moralmente com o tratamento que o mundo lhe dava. Mas o pior tratamento vinha de sua própria mãe: a falta de amor.
Após o último exercício espiritual, feito em um retiro, Maria Valtorta foi convidada a se tornar Freira, como as demais Irmãs, mas entendeu que, embora esse fosse um excelente caminho de santificação, Deus não a tinha destinado a uma vida protegida no claustro, sob a proteção constante de Maria Santíssima, mas seu destino era ir em direção à dor, e sentia que tinha de ir em direção a ela, e entendeu que isso só poderia ocorrer no mundo e não dentro do claustro.
Em sua autobiografia, ela diz:
[Pág. 37/38] Nós fomos para a aula. Depois de ser conduzida à minha mesa, escrevi meu exame como todo o resto. Estava escrito em Francês. Eu já estava familiarizada com a construção de frases, enquanto os outros estudantes eram apenas iniciantes. Foi um triunfo, então, que me deu nova confiança e me fez sorrir com alegria. Meus colegas de classe me cercaram de admiração, e a irmã francesa me acariciou como recompensa. Oh, um pouco de alegria realmente faz bem! [...] Meu ensaio foi considerado uma obra-prima. Eu sabia que era forte em Italiano, mas a máxima nota obtida, um 10, me surpreendeu bastante. E fiquei ainda mais surpresa por ser elogiada publicamente. Eu não estava acostumada a ser elogiada. Pela primeira vez, vi que não era verdade que "Aquele que cumpre seu dever não deve ser louvado", como diria minha mãe. Aqui eu tinha feito meu dever e fui recompensada. Isso aqueceu meu coração e me deu confiança em mim novamente.
Descrever é meu ponto forte; [...] No ensaio, até a parte do tópico que envolvia reflexão – onde todos os outros falharam miseravelmente – tinha sido fácil para mim. Observadora como eu era, em inúmeras ocasiões eu havia notado os sofrimentos dos pobres e infelizes.... Melancólica por natureza e tendo crescido ainda mais melancólica no modo de vida da minha família, eu entendia a dor em todas as suas manifestações. [...] Em matemática, eu era fiel à minha estupidez. Quando me criaram, devem ter esquecido de incluir no meu cérebro a célula matemática. É um vazio absoluto que nunca foi preenchido por meus esforços ou pelos de outros. Eu sou totalmente deficiente quando se trata de cálculo.
[Pág. 39] Minha Superiora me disse – tantos anos depois – que eu tinha dado os melhores presságios sobre o meu sucesso moral e espiritual, e, a partir desse momento, me amou ainda mais. Ela compreendera aquela "Valtortina", embora pequena, tímida, comum na aparência e fisicamente frágil, era, no entanto, realmente uma pessoa boa, composta de generosidade, firmeza, fortaleza e fidelidade.
[Pág. 40/41] Gostei de estudar e foi lindo estudar lá, o elogio era um estímulo contínuo para aqueles que desejavam. Estudei, então, com alegria e mérito e estava sempre atualizada. Ordem e obediência não me pesaram, nem boas maneiras. Sempre fui citada, portanto, como modelo. Em cinco anos nunca fui punida. [...] Eu nunca quis entristecer minhas Irmãs [suas colegas de classe], que me amavam como minha mãe nunca me amou, e as amei com gratidão. Esse amor, mesmo após trinta anos de separação, não enfraqueceu. [...] Eu, que sempre cumpri meu dever, não tinha motivos para reclamar dos meus superiores, assim como eles não tinham razão para reclamar de mim, e eles me mostram isso em todos os sentidos.
[...] Minhas colegas de classe também me adoravam e se orgulhavam de mim por causa da minha inteligência. Muito mais orgulhosas do que eu, pois eu sentia que não podia me gabar desse dom de Deus, mas apenas louvá-lo e usá-lo para o benefício das minhas colegas. Todas as cartas aos prelados e autoridades, todos os ensaios literários a serem lidos nas academias e todas as composições que imitam estilos saíram dessa minha cabeça.... Eu me senti como um bicho-da-seda girando e girando seu pegajoso segredo e tecendo e tecendo sua obra-prima.... Sem mérito e sem fadiga. Mas este é todo o lado humano. Lamento perder tempo falando sobre isso, mas eu devo dizer o bem e o mal sobre mim mesma. Mas você [Maria Valtorta se reporta ao Padre Romualdo M. Migliorini] me implorou para lhe dizer o bom e o ruim. E eu faço.
[...] Minha mãe queria que eu estudasse as disciplinas subsidiárias e, depois, a formação para professores, fixada em seu ideal de "Professora-Filha." Mas as Irmãs salientaram que eu teria de deixar o colégio interno e frequentar escolas públicas como estudante particular e, além disso, desde que eu era completamente inepta em desenho, eu não poderia frequentar a escola normal. Minha mãe então optou pelo nível técnico. Nada poderia ter sido pior! Lembre-se [Padre Migliorini] de que minha capacidade para matemática chegou a parar na parte de frações.... Como uma mula teimosa, meu cérebro se recusou a continuar com o cálculo.
Não entendia nada: aritmética, geometria e contabilidade eram uma tortura estéril. Eu fiquei doente pelo esforço de tentar entender, e não compreendi nada. Parecia que os professores estavam falando em japonês, africano, esquimó! Pergunte a si mesmo se era apropriado falar de assuntos técnicos para mim! Afinal, eu não precisava de um emprego.... Mas se o que realmente a mãe queria era colocar um pedaço de papel, um diploma, na minha mão, deveria pelo menos ter sido em estudos clássicos, onde eu tinha um bom domínio. Eu implorei e implorei a esse respeito. As Irmãs imploraram e imploraram. Nada adiantou. Minha mãe, fiel ao seu "Estou decidida", era inexorável. Em um ano, fiz as três disciplinas técnicas – e falhei muito em matemática, geometria, e exames de contabilidade. Notas máximas em todo o resto.... Eu desperdicei meu tempo ao ponto de ficando doente; Eu me destruí com lágrimas e trabalho sem sentido....
[...] No Internato, como uma flor em um canteiro propício, como uma planta retirada da sombra no sol, como um arbusto que cresceu selvagem e sente a mão do jardineiro sobre ele, eu floresci em altura, inteligência e conhecimento. Mas, acima de tudo, eu floresci em Cristo.
[Pág. 48/49] Fomos passar as férias no norte de Biellese, em Andorno, perto de Oropa. Os lugares eram adoráveis; embora eu prefira o mar, gostei deles.
[...] Ainda me lembro do dia em que, escorregando no primeiro degrau de uma escada íngreme de granito, caí no chão e fui batendo minhas vértebras em todos os degraus até embaixo. Após a queda na escola, fiquei com as pernas fracas; eu estava então propensa a cair. Talvez a partir de então eu deveria ter recebido tratamento para minha coluna. Mas quem pensou nisso? Caí de uma escada inteira e sofri contusões profundas em todas as vértebras, semi-expostas sob o leve vestido de verão. [...] Nunca mais fiquei livre de dores na coluna vertebral e, quando me curvava por qualquer motivo, eu tinha que ser ajudada a me endireitar novamente. Mas minha mãe disse que era tudo bobagem e exagero.
Foram umas férias bastante sombrias. Voltei para a escola prostrada. E também foi o ano em que eu tive de cursar os assuntos técnicos....
Nessa época, além disso, comecei a sofrer com as premonições que lhe informei oralmente. No sono, eventos futuros inteiros se desenrolaram diante de minha mente com uma nitidez de detalhes que foi uma agonia. [...] Orei muitas vezes para que o bom Senhor tirasse esse presente, que é um tormento para mim. Mas eu nunca fui ouvida, e a todas as minhas outras cruzes, esta também foi acrescentada. [...] Sofri muito por causa dos meus rins, que sempre doíam – pensei que fosse meu rins, mas era minha coluna vertebral. E eu também sofri moralmente. Muito.
[...] E minha boa Madre Superiora, ao me ver tão perdida quando fui voltar a repetir os exames, sugeriu à minha mãe que eu fosse a um médico. Nós tínhamos um doutor na escola, que era muito bom. Mas a mãe queria que eu fosse examinada pelo primo da Madre Superiora, aquele mesmo que decretou que meu tio tinha tuberculose (isso mesmo!). Mas, pra minha mãe, ele era um gênio da medicina, pois a tratara durante a doença do fígado e a curara.
A Madre Superiora cedeu ao desejo da mãe, e este médico veio. Seja por proximidade ou com o objetivo de apoiar a opinião de minha mãe, ele disse que não havia nada de errado comigo; se houvesse, eu estaria mais pálida e mais magra. Depois de me examinar e me virar em todas as direções, ele disse que minha única doença era a falta de disposição e que era vergonhoso para mim preocupar minha mãe com doenças imaginárias quando a pobre mulher já estava tão preocupada com o meu pai!
Muito bem! E algumas Irmãs acharam que eu estava mentindo ou exagerando. Infelizmente, agora é claro se eu estava mentindo ou não! Ainda há cor nas minhas bochechas depois de estar acamada por dez anos com constantes sofrimentos, sem contar todos os anos anteriores em que me arrastei com dificuldade. Eu não sou tão magra, mesmo agora, apesar da febre contínua, dor, pouca comida, minhas cinco doenças graves e as outras menos graves. Se Deus quer conservar-me assim, o que posso fazer?
[...] O pior de tudo era que a dor era real e atormentadora. Quando eu me curvava nos lavatórios, tinha de pedir a uma companheira para ajudar a me endireitar novamente, pois não podia, com a dor que sentia no meio das costas.
[...] Enquanto isso, o ano escolar de 1911-1912 também terminou e o ano de 1912-1913 começou, o que deveria ter sido e foi, infelizmente, o meu último ano no colégio interno.
[Pág. 50] Como eu te disse, em 5 anos nunca fui punida, porque eu sempre cumpri meu dever. Mas fiz isso do ponto de vista da bondade humana: por amor a minhas Irmãs, para fazer o meu pai feliz e evitar as repreensões da minha mãe. Essas criaturas excepcionais [as Irmãs da escola], por outro lado, fizeram isso apenas para agradar a Jesus.
Eu amava muito Jesus e desejava amá-lo cada vez mais. Mas eu ainda estava muito longe de agir apenas por um fim sobrenatural. Eu amei Jesus porque senti que Ele me amava. Eu amei Ele, então, de uma maneira ainda humana. Eu ainda não tinha alcançado ao que dizia meu pai seráfico, São Francisco de Assis: "Bem-aventurado aquele que ama e não deseja ser amado em troca". Quando alguém começa a amar por amor, sem qualquer cálculo, sem buscar alegria sensata em troca, quando, de fato, se ama tanto, mesmo quando se é aparentemente negligenciada, esquecida e maltratada pelo amado, então o cume do amor é tocado, e quando é tocado, a bênção é alcançada. Eu ainda tinha um longo caminho até chegar ao topo...!
[...] Minha teoria pode não ser muito ortodoxa, mas é assim que eu a concebo, e até onde eu sei – já que acredito que não tenho outra fonte de purificação, depois de ter pecado muito depois do batismo e falta de outros meios para apagar as consequências do pecado passado depois de apagar a culpa através da confissão – eu mergulho completamente no amor. Para mim, eu mereço mil vezes ficar no Purgatório. E você [Padre Migliorini] certamente pode acreditar que, se a doçura é infinita, o amor também é um martírio....
[Pág. 51] Voltemos, porém, aos exercícios de 1912. [...] Eu sabia, então, que eram meus últimos exercícios espirituais. Fiz eles com maior zelo, desejando colher frutos duradouros e um programa para toda a minha aproximação da vida no mundo. Um programa ao qual jurei ser fiel. Eu sempre fui um expoente da palavra de honra...! Entrei neles fervorosamente, pedindo ao bom Senhor que me gravasse para sempre aqueles dias de união com Ele. E Ele, meu querido Jesus, fez isso.
Ele desceu em mim com o Pai e o Espírito, e cada um deles trouxe seus dons à pequena Maria, que agora enfrentaria provas e tristezas cada vez mais pesadas. O Pai entrou, dando à alma jovem a visão de Sua Majestade, seu Poder; o filho trouxe com ele todos os tesouros de sua Misericórdia e Sabedoria; o Espírito Santo, suas luzes e suas chamas da caridade. E isso não foi porque eu merecia. Oh, não se preocupe! Não me orgulho e nem me considero digna de tanto. Sei muito bem o que valho e sei que é somente a imensa bondade de Deus que pode produzir certas fusões da minha alma com a Divindade, certas permanências da Divindade em mim e de mim nela.
Ele não faria tais prodígios. Mas eu já não te disse que estou convencida de que Deus não é um matemático, uma calculadora, mas um idealista e um poeta? Ai de nós, se Ele fosse um contador.... Quem sabe onde todos nós acabaríamos! Eu não me orgulho. Eu celebro apenas a bondade do Senhor em mim, pois isso me parece uma homenagem adequada de gratidão.
Eu pedi a Deus para agir de maneira indelével nesses dias, para que eles servissem como trilha por toda a minha vida, uma trilha segura para não sair da pista ou seguir caminhos que se ramificam desviando da estrada real para se perder em pistas muito perigosas, terminando em um emaranhado de cipós o que impediria meu progresso ou, pior, em um pântano onde eu me afogaria. E o senhor, como diz Santa Catarina de Siena, já que Ele é quem coloca desejos sagrados no coração, nunca para de destacá-los imediatamente. Assim, ele apoiou imediatamente o desejo que ele próprio tinha colocado em mim.
Eu realmente vivi na luz naqueles dias. Uma luz iluminando tudo para mim: passado, presente, futuro; uma luz que me explicava tudo; uma luz que me inflamava inteiramente; uma luz que me fez entender, no sentido mais profundo da palavra, o que minha vida era em Deus, em relação a Deus, e o que eu deveria ser para conquistar o Reino de Deus.
[Pág. 54/55] Eu pequei; sim, meu Deus, pequei. Se não materialmente, por desejo, e grandemente, e Você, meu Mestre me disse: "Não fazer o mal não é suficiente. Você não deve querer fazê-lo." Eu desejei fazer o mal e, assim, colocar outros espinhos na sua cabeça e causar outras lágrimas do seu olhos.... [...] Compreendi – isso ficou bem claro – que fui chamada por Deus para uma vida de dor, aquele choro seria meu companheiro e a cruz, meu padrão, e então, renunciando aos meus bons sonhos de martírio como o dos primeiros cristãos [martírio físico, de morte imediata], a partir daquele momento eu deveria me preparar para o obscuro martírio do coração – ignorada por todos, exceto por Deus – contínuo, exercitado ao longo da vida e em todas as contingências da vida.
[...] No dia seguinte, ocorreu o encerramento dos Exercícios Sagrados. [...] Fiquei tão emocionada – por mais que tenha conseguido, como sempre, dominei minhas emoções – para que as queridas Irmãs não soubessem disso. A voz de Deus ressoou e continuou ressoando em mim muito alto para que as impressões do meu coração não aparecessem no meu rosto. Eu me apeguei demais a Deus na revelação para receber consolo e sofri excessivamente me rasgando por dentro. Uma sensação não apenas metafórica, mas verdadeira, de laceração de fibras, a dor dessa laceração sendo produzida em mim, agora que eu necessariamente tive de voltar à vida normal, saindo daquele retiro onde eu estivera com Deus, era realmente atormentador. As Irmãs não puderam deixar de notar.
[...] Como resultado do que deixou transparecer em meu rosto, me pergunto se... não posso saber, porque não havia espelhos, e eu estava muito ocupada com outras coisas naquela manhã para dar uma olhada no pequeno espelho de bolso que eles nos permitiram guardar. Não posso saber então, o que escapou do meu rosto ou como ele modificou. Mas o fato é que, como resultado do que vazou do meu rosto, a Madre Superiora perguntou em particular à Irmã que costumava falar comigo para saber se eu também pretendia me tornar uma Freira, como as demais. Eu não a enganei.
Oh, teria sido bom seguir esse caminho, me colocar sob o abrigo de Maria para sempre, sob seu manto, e deixar a vida correr dessa maneira...! Mas esse não era o meu caminho ou a vida onde Deus me queria. Eu sabia disso claramente. O mundo deveria ser minha arena de combate. Eu não sabia o que seria o combate, mas sabia que deveria ocorrer no mundo e não no claustro. Pobres irmãs, que já tinham feito as suposições mais precisas a meu respeito e me viram com um gorro na minha cabeça! Deus sabe que eu teria preferido ter essa vocação...! Mas eu não tinha. Eu sabia que estava indo em direção à dor, e tinha de ir em direção a ela.
A saúde dela começou a deteriorar, pois além de dores na coluna vertebral, começou a ter problemas de coração. Em um sonho, que lhe pareceu bem real, ela teve uma visão de Jesus.
Em sua autobiografia, ela diz:
[Pág. 59] Se é verdade que é sinal de amor a Deus não desejar o respeito humano, devo dizer que, mesmo nos piores momentos e períodos mais desolados, eu sempre fui uma grande amante de Deus, pois nunca me rendi a esse desejo. Zombada, disputada e ofendida porque eu era fiel às minhas práticas religiosas, continuei com elas, ignorando os risinhos, a ironia e as repreensões que minha fidelidade atraiu sobre mim. Mais tarde, em um ato de santa liberdade, eu também consegui ir à igreja durante os meses de maio e junho, pelas mais belas novenas e recebi a Comunhão todas as manhãs durante esses períodos. Mas no começo, fiquei proibida de sair e, com tristeza, recebi a Comunhão apenas no domingo e na primeira sexta-feira de cada mês, além das principais festas.
[...] A primeira sexta-feira do mês! Você [Padre Migliorini] verá que eu tive momentos de rebelião moral e obscuridade. No entanto, nem mesmo no auge desses períodos deixei de honrar a primeira Sexta-feira do mês. Desde 1909, quando entrei no colégio interno e aprendi essa devoção prática, nunca a interrompi, exceto por motivo de doença. E tinha de ser muito séria a doença para realmente me impedir de sair de casa.... Eu circulava sem medo, mesmo com febre de 39 ou 40 graus, e cuidava dos afazeres domésticos, do Hospital e da Associação da Ação Católica, como se eu estivesse perfeitamente bem, apesar da febre alta – realmente tinha de ser uma doença grave...
[...] Eu acordava cedo, orava, arrumava meu quarto e a sala – essa era minha parte do trabalho doméstico – ajudar na cozinha; Eu trabalhei, não muito naquele tempo, pois tinha de estudar bastante, tocar piano, ler muito, passear com o pai, às vezes ir ao cinema com ele e também com a mãe, mas raramente ia ao teatro nos meses frios e frequentemente no verão, e ia dormir bem cedo à noite, quando não tínhamos conversa, pois frequentemente conversávamos ou outros passavam à noite conversando amistosamente.
[Pág. 64/65] Minha saúde começou a se deteriorar. À dor vertebral agora crônica, juntou-se um peso nos membros, inchaço da carótida e exaustão ao subir as escadas. Mas como habitualmente, quando comecei a me referir a esses problemas, recebi a resposta que eles representavam medos imaginários, sentimentalismo, uma vida excessivamente suave e assim por diante. Então eu fiquei calada e não falei mais nada sobre isso. Além disso, a ideia da minha morte me atraiu. Eu pensei que essa era a única saída para uma situação tão infeliz, que eu entendia que nunca mudaria. Eu assim, observei-me piorando sem medo, mas com alegria. Como vê, Padre, a morte tem sido um rosto familiar para mim desde o início da vida.
[...] A partir de agora você verá que essa ideia da morte é o motivo básico da minha sinfonia, um sinfonia com páginas de uma humanidade extremamente – de fato, completamente – humana que mais tarde contém uma longa ascensão de harmonias subindo cada vez mais no reino do sobrenatural. Sim, a pobre Maria completamente humana que eu era entre dezessete e vinte e quatro anos foi gradualmente se metamorfoseando em uma nova criatura substituindo o homem, seu primeiro amor [ela se refere a Mário, um rapaz que queria namorá-la, mas deu certo], por Deus, e sua sede de alegria humana, com sede de imolação sobre-humana, e fazendo do sofrimento sua alegria, pois "Quem ama deseja tornar-se como seu amado", e o amado de Maria era Jesus, o Rei do Sofrimento.
[Pág. 67] Como você vê [Padre], eu não demonstrei piedade em me descrever como eu era.... Mas nesse tipo de narrativa, devemos ser sinceros. Sempre. Ao contar o bem e o mal. Caso contrário, é inútil escrevê-los. Você não acha?
[Pág. 68] A efervescência do amor, o prazer do amor, no sentido humano, terminara para sempre para mim. Afinal, eu era uma alma que amava um homem, e isso provavelmente contribuiu para enviá-lo para longe de mim, pois um homem quer um mulher, mais carne que alma.... Mas com a carne eu não podia mais amar. Minha carne jovem morreu junto com Roberto quando eu tinha dezoito anos [Roberto foi o segundo pretendente dela, cujo relacionamento também não deu certo]. Você talvez se surpreenda com o mínimo contato que tive com ele – olhares, saudações e muito, muito poucas palavras – e eu tinha sido capaz de fazer um amor tão vigoroso crescer. [...] Roberto tinha tudo para ser amado: bondade, beleza, riqueza, cultura; mas eu acho que se ele não fosse bonito e rico e tivesse apenas bondade e cultura, eu o teria amado da mesma maneira.
[Pág. 69/71] Sei muito bem que não se deve acreditar em sonhos, como fazem as mulheres supersticiosas. [...] Mas tive tais sonhos – e vários, que são premonições ou normas para a vida. Não estou dizendo que os sonhos estavam lá, prontos para entrarem no meu sono, tão facilmente quanto uma sopa é derramado em uma tijela. Não, pelo amor de Deus. Eu sonhei muito; mas entre os mil sonhos que eram meras divagações da mente e me trouxeram de volta paisagens encantadoras, praias, momentos passados e assim por diante, havia os Sonhos, com uma letra maiúscula “S”. Quando eu acordava, algo inexprimível me alertava para prestar atenção naquele sonho. Isso foi como se uma mão leve estivesse me tocando e uma voz sussurrando em meu ouvido: “Tome cuidado! Reflita e lembre-se! Naquela época, era assim.
Foi no final da primavera de 1916 – se, depois de tantos anos, me lembro da data corretamente – para ser mais precisa, a noite entre os dias 17 e 18 de junho. Eu estava em um tremendo período de desespero e desejo.... [...] No sonho, eu me vi numa bela paisagem. [...] De repente, vi um homem jovem ao meu lado. Muito bonito. Alto, moreno, com cabelos encaracolados, os olhos mais negros, brilhantes como estrelas, e uma boca sorridente e tênue. [...] ...Mas, ao fundo, quase no horizonte, além do rio, três personagens apareceram. Eles também estavam vestidos com mantos longos e esvoaçantes.
[...] O homem do centro, que me atraiu mais do que os outros, era muito alto, de modo que a cabeça e o pescoço destacavam-se acima dos outros dois. Ele estava usando um manto branco e por baixo uma túnica vermelha suave que era quase rosa. Uma grande majestade saiu dele, seus gestos, sua maneira de abordar seus dois companheiros e seu olhar, que possuíam um gentileza sobre-humana. Seu rosto estava muito pálido, com olhos azuis escuros, uma testa muito bonita, larga e lisa, uma barba oval longa e fina, loira avermelhada, protegendo apenas o queixo, perecendo ainda mais longa. Ele tinha cabelos na altura dos ombros caindo do topo da cabeça, dividido à direita e à esquerda pela parte, em mechas macias, mais vermelhas que loiro. Ele tinha mãos compridas, brancas, muito bonitas. Seu corpo era magro, tendendo à magreza. Seu olhar era um poema de Deus, um pouco triste, embora tingido de um sorriso, um olhar que implorava: "Ame-me".
[...] Enquanto lutava assim, percebi que os três haviam atravessado o riacho sem ponte – eu não sei como – e agora estava muito perto. Compreendi quem eles eram: Jesus, São Pedro, e São João Apóstolo. [...] Acordei com minha alma iluminada por algo sobrenatural.
Vinte e seis anos e nove meses se passaram desde aquela noite, mas esse sonho ainda está em mim, tão vivo como quando acordei na época. Eu o vejo com precisão, com todos os mínimos detalhes, e se eu fosse um pintor, eu poderia retratar aqueles rostos e instantes no sonho. Eu não alterei uma palavra ou introduzi enfeites e artifícios. Narrei fielmente o que sonhei.
Em todas as lojas de arte e artigos religiosos, procurei um rosto de Jesus como o que vi. Mas eu nunca encontrei um. Em um havia o oval, mas não o olhar. Em outra, o olhar, mas não a boca. Em outra ainda, a boca, mas não as bochechas. Estou convencida de que uma mão humana não poderia recriar esse rosto.... Muitas vezes sonhei com Jesus, depois daquela ocasião, e Ele sempre teve aquele rosto, aquela estatura e aquelas mãos. Por algum tempo eu tive mais que um sonho.... E eu sempre vejo Jesus com aquele rosto, aquela estatura, aquelas mãos. Quando você me deu esse livro, Padre, do Santo Sudário, fiquei abalada, pois, embora tenha sido alterado pelo sofrimentos e torturas, vi aquele rosto, juntamente com aquela estatura e aquelas mãos....
[Pág. 73/74] Doente como eu estava – e somente Deus e os médicos estavam em posição de avaliar o que significava para mim subir e descer uma escada – eu subia e descia as escadas dezenas de vezes por dia para servir a minha mãe, que estava saudável.... Isso em relação à parte material.
[...] Acredito que tudo isso demonstra que, embora me lembre de todo o sofrimento que minha mãe injustamente me causou, não tenho ódio, ressentimento, aversão ou mesmo indiferença em relação a ela, mas, ao contrário, possuo um grande amor por ela, pois apenas um grande e perfeito amor é capaz de continuar amando sem receber amor em troca.
[...] As tentações ao suicídio eram mais difíceis de superar, pois eu era continuamente levada a elas pela corrente constante e corrosiva de todos os momentos do dia... Como eu queria morrer!
[Pág. 76] Enquanto isso, a guerra continuava e as restrições começaram a se fazer sentir [trata-se da segunda guerra mundial, que durou de 1939 a 1945 e envolveu a maioria das nações do mundo, inclusive a Itália]. Pai, Mãe e Peppina serviram-se de ovos e leite condensado, sopa de macarrão e panquecas fritas em banha. Embora possuía um estômago saudável (isto é, ainda capaz de digerir um prato de vegetais crus, mas não um copo de leite, frituras ou ovos – se eu consumi-los hoje, devo evitá-los por pelo menos dez dias depois), comecei a sofrer fome. Até 1919, nunca bebia café preto e, portanto, não tinha nem isso, com seu açúcar correspondente, para me sustentar. Minhas tristezas morais e fome juntos me enfraqueceram mais e mais.
[...] Em julho, chegamos a Viareggio. Mas eu entendi que não podia mais me banhar. Eu sentia que estava morrendo quando entrava em água fria – e apenas há um ano antes eu tinha entrado em mais de cem banhos...! Meu coração cedeu cada vez mais. Mamãe me censurou por não tomar banho. Eu disse a ela que eles me machucavam. Ela respondeu como sempre que eu tinha medos imaginários. Amém!
[Pág. 191-Appendix] Assim, estudei de 10 de novembro de 1911 a 23 de fevereiro de 1913, no dia em que deixei a escola para voltar à minha família e me estabelecer em Florença. Com grande dificuldade, obtive permissão para permanecer na escola até aquele dia, pois minha mãe queria que eu fosse embora desde julho de 1912. Minha mãe cedeu por causa da pressão adicional do meu professor de italiano, Fr. Cattaneo, que, tendo percebido minha facilidade em composição, queria que eu concluísse estudos para me enviar para a Faculdade de Letras. Ele estava pronto para me preparar para a Licenciatura em três anos. Mãe foi contra, permitindo-me apenas continuar os estudos literários sozinha.
[...] Portanto, estudei obstinadamente por quinze meses, frequentando o maior número de aulas de italiano e latim que pude, também seguindo os programas que o professor havia indicado para mim e, acima de tudo, escrevendo e escrevendo. Composições para mim, composições para meus colegas de classe, composições para serem imitadas por estudantes de nível inferior, textos divertidos, expressões de felicidades, cartas para todos os prelados, e assim por diante.
[...] Não entrei para a universidade. Minha mãe considerava isso inútil.
Ingressou nas fileiras das Enfermeiras Voluntárias Samaritanas e, durante 18 meses, ofereceu seus serviços no hospital militar de Florença. A foto à direita mostra Maria Valtorta aos 21 anos de idade no uniforme das enfermeiras samaritanas.
Em sua autobiografia, ela diz:
[Pág. 76] Enquanto isso, Caporetto [Local da derrota italiana na batalha que durou de 24 de outubro a 9 de novembro de 1917, durante a Primeira Guerra Mundia] havia chegado e, dada a grande necessidade, Del Croix [um escritor, orador e político] exortou as mulheres a entrarem nos hospitais militares, que foram deixados sem – ou com poucos – enfermeiros; os primeiros ficaram exaustos ou doentes, enquanto os feridos aumentaram em excesso. Entrar nos hospitais sempre foi o meu sonho. Eu poderia ser útil, ficar longe de casa e – oh, grande esperança! – contraísse uma doença que me levasse ao outro mundo. Para eu não mais ser atormentada pelas batalhas do desejo da carne, sempre tive o grande desejo de morrer.
[Pág. 191-Appendix] Com o início da guerra em 1915, parei de frequentar tudo e em 1917 entrei para as Enfermeiras Voluntárias Samaritanas, abandonando todos os estudos, inclusive o piano.
[Pág. 77/78] Em dezoito meses de trabalho no hospital, nunca recebi uma reprovação ou fui tratada com grosseria. Cumpri meu dever e, consequentemente, fui amada e respeitada. Passei as melhores horas do meu dia nas enfermarias; Eu ia lá todos os dias, incluindo no domingo, e permanecia lá das 13:00h às 20:00hs, e permanecia ainda mais se houvesse pacientes doentes graves e moribundos. Após dois meses, mudei para a ala de isolamento, no meio de tuberculosos e aqueles que sofrem de várias doenças incuráveis. Assim, eu fui para a segunda ala e isolamento. Algo em torno de duzentas camas.
[...] Às vezes penso que meus queridos meninos falecidos estão orando no céu por sua irmãzinha no hospital e esperando por mim lá em cima. Na verdade, acho que eles estarão perto de mim na hora da minha morte para me ajudar, assim como eu estava perto deles na hora final.
[Pág. 79] Então, não me sentia mais capaz de amar um homem como uma mulher. Eu senti essa minha incapacidade e me arrependi disso apenas porque eu tinha um coração naturalmente maternal.... A ideia de que eu nunca teria meus próprios filhos me causaram tristeza.... Ainda é o meu maior desejo, depois do meu desejo do Céu.... Pensei na minha velhice solitária se sobrevivesse.... Mas não tinha vontade de me tornar “uma única carne” com um homem que seria meu marido.
[Pág. 80] Tudo é verdade nesta minha história. Eu posso morrer a qualquer momento, oprimida como sou por derrame pericárdico e pleural. Mas estou tranquila por não ter que responder a Deus sobre qualquer mentira em tudo o que afirmo, mesmo que eu morra sem a Confissão.
Maria Valtorta e sua mãe contraem Gripe Espanhola. Essa gripe atacou a população de janeiro de 1918 a dezembro de 1920 e foi uma pandemia de vírus influenza A do subtipo H1N1, que infectou 500 milhões de pessoas, cerca de um quarto da população mundial. Estima-se que o número de mortos esteja entre 17 milhões a 50 milhões, e possivelmente até 100 milhões, tornando-a uma das epidemias mais mortais da história da humanidade.
Em sua autobiografia, ela diz:
Em 4 de novembro, a guerra terminou. Quando a notícia chegou, saí correndo do hospital e corri aos pés do Nazareno na Igreja de São Marcos para agradecê-lo.... Ofereci-me eu mesma então, pedindo a Ele que tirasse a minha vida, mas não deixasse que outras guerras viessem. Naquele dia eu ainda não sabia bem o que estava oferecendo, e minha oferta estava contaminada pelo desejo – muito humano – de deixar de viver para não sofrer mais. Mas desde então eu sempre repeti a minha oferta, por este e outros motivos que vou lhe contar [Padre Migliorini] em seu lugar apropriado, sabendo muito bem o que eu estava fazendo. Mas se Jesus me ouviu a respeito de muitas coisas, a respeito disso não o fez. A partir de 1918 até o presente, muitas outras guerras mataram os filhos da Itália – e talvez eu morra enquanto a mais tremenda dessas guerras está ocorrendo.
Maria Valtorta contrai pela segunda vez a Gripe Espanhola. Após isso, ela foi visitar o Internato em que havia estudado, em Monza, com a intenção de, talvez, se tornar freira e entrar para o Convento das Irmãs de Caridade da Beata Bartolomea Capitanio, mas foi rejeitada sem motivo aparente, o que a entristeceu profundamente.
Em sua autobiografia, ela diz:
Mas o tratamento não melhorou minha saúde. Meu coração estava ficando cada vez mais cansado. A insônia também me atormentava. Talvez tenha sido causada pelas constantes palpitações do meu coração, que, quando me deitava à noite, aumentavam. Mas eu não tinha medo da morte. Em vez....
Eu gostaria apenas de ver minhas Irmãs e minhas companheiras de colégio novamente. Eu senti que se eu pudesse visitar a escola por um tempo, assim como minhas colegas de classe, as agitações desapareceriam naquela paz sobrenatural. Eu sempre pensei isso, mesmo nos momentos mais perturbados, e continuamente desejava me refugiar naquele ninho de paz para redescobrir a paz. Mas eu nunca tentei dizer isso para minha mãe, pois ela já era contra até mesmo eu enviar cartas para as minhas Irmãs ou receber correspondência delas. Agora que me senti morrendo, desejei ainda mais. Entre outras coisas, eu disse a mim mesma que uma vez lá, se elas me aceitassem como professora, eu poderia até acabar me tornando Freira. Agora olhei para Deus imensamente de novo e gostaria de me abrigar para sempre em um convento e na vestimenta de uma freira.
Eu ainda não vi a vontade de Deus claramente. Eu já percebi que ele estava constantemente me atraindo, me atraindo para si mesmo. Mas eu estava enganada ao pensar que Ele me queria em um convento. Esta foi uma adição decorrente do meu próprio desejo. O convento, assim como a morte, faria com que eu me libertasse de todas as lutas familiares. Exausta por tudo o que havia sofrido, desejava isso sozinha. Deixar o mundo, de um jeito ou de outro, para não sofrer mais. Mas, pelo contrário, tive de permanecer no mundo e sofrer imensamente mais. Fui forçada a abandonar o trabalho no hospital porque simplesmente não aguentava mais. Eu me desapeguei dos meus rapazes, todos condenados a doenças fatais, com grande tristeza.
[Pág. 83/85] Minha prima Clotilde é sincera e não tem medo de ninguém. Ela é piemontesa de integridade. Alguns dizem que ela não é boa. Possivelmente. Ela sofreu muito, e isso alterou o sistema nervoso, mas ela sempre foi boa e materna para mim. E eu morei com ela por dois anos! Então, minha prima disse à mãe que me confiasse a ela. Primeiro iríamos a Turim, sua cidade natal, e então ela me levaria para Monza, para minhas Irmãs [do Convento em que ela tinha estudado]. Minha mãe cedeu. Relutantemente, é claro, mas disse à minha prima quando eu poderia sair. Mas ela cedeu. Ela escreveu à Madre Superiora, e, em recebendo a palavra que eu era esperada, partimos para Turim.
[...] Depois de um tempo, partimos para Monza. Em Turim, recebi uma carta muito afetuosa da Madre Superiora – escrita com esforço, pois tinha um problema cardíaco muito sério, mas transbordando de amor. Ela disse que as Irmãs e ela estava me esperando com saudades.... Eu estava feliz! Feliz depois de tantos anos! Eu veria minha escola, minhas Irmãs novamente e experimentaria mais uma vez, por um mês ou dois, talvez para sempre, aquela vida calma, ordenada e devota; Eu veria minhas ex-colegas da escola, algumas já casadas e com filhos, outras solteiras como eu! Eu tinha aconselhado todas elas....
[...] Chegando em Monza na noite de 10 de junho, fui imediatamente para a escola. Quanta emoção e alegria quando toquei na porta principal grande! Que onda de lembranças quando atravessei esse limiar e me encontrei no pátio da honra, e entrei na recepção! Que emoção quando ouvi os passos de uma Irmã se aproximando, marcados pelo ligeiro toque de seu longo rosário! Mesmo agora, quando a janela está aberta e as irmãs passam ou você [Padre Migliorini] vem, eu imediatamente percebo o som do rosário pendurado na cintura e penso nas minhas Irmãs.... Primeiro de tudo, a Assistente Superior veio. Ela me cumprimentou, um pouco fria, para dizer a verdade. Mas ela nunca fora extrovertida, e eu não prestei atenção. Então minha pobre Madre Superiora veio ofegante e inchada de seu problema no coração. Ela era muito carinhosa, como sempre. A Assistente Superior me disse que não havia camas na escola e que eu teria de ir dormir na residência das Irmãs dedicadas a servir a catedral.
[...] Como minha prima observou, seria realmente melhor para mim ficar na escola, onde eu era conhecida. Uma carta havia sido escrita para esse fim expresso muitos dias antes, para saber se era possível me colocar, e se necessário for, até pagar, é claro. Mas, desde que eu pudesse estar perto das Irmãs, aceitaria todas as condições. Eu deixei meus primos Clotilde e Memmino e permaneci na escola. Não vi nenhuma outra Irmã. Após cerca de meia hora, alguém foi instruído a me levar para o pequeno convento onde eu iria dormir. As Irmãs me acolheram com muita bondade, desculpando-se por ter que me dar um quarto que não era moderno. E com o que eu me importava? Eu fui, de fato, levada a uma vasta sala cujos móveis deviam ter remontado a Radetzky e os Cinco Dias de 1848.... Havia uma cama tão alta que, para me deitar, tive de tomar uma cadeira e transformá-la em um tipo de escada para subir lá em cima, pedindo ao meu anjo para não me deixar cair enquanto dormisse....
Mas o fato é que eu estava em Monza com as Irmãs. Todo o resto não significava nada perto dessa alegria. Não jantei, pois a partir daquele momento comi muito pouco. Eu apenas tomei um copo de café que meu médico havia pedido para sustentar meu coração. Me deitei e dormi bem até os sinos da catedral, bem perto, me despertarem para a Ave Maria. [...] Eu bebi outro café e fui para a escola. Eu estava familiarizada com Monza e portanto, não precisava ser acompanhada. Toquei, entrei e fui levada ao corredor. Eu esperei e esperei e esperei.... Ninguém veio. Nove, nove e meia.... A Assistente Superior finalmente apareceu. Sério, eu diria que ela, quase rouca, me perguntou se eu tinha dormido bem e tomado café da manhã. Então ela imediatamente iniciou um longo discurso centrado em: “Você sabe bem, as regras; não devemos criar precedentes" e assim por diante. A conclusão foi: "Nós não queremos você aqui".
Eu argumentei que tínhamos escrito com antecedência, que as próprias regras acolhem ex-estudantes que desejam passar algum tempo na residência da escola enquanto pagam suas despesas, portanto, eu não estava criando um precedente, mas seguindo os costumes tradicionais de mais de meio século, que eu não tinha uma doença contagiosa (eu havia trazido os diagnósticos e as prescrições médicas), que eu não havia causado conversas e, portanto, não era motivo para escândalo, e que, finalmente, eu estava lá e minha prima tinha partido para a Bolonha, e seria necessário me deixar ficar até ela voltar. Pelo menos até então.
Não havia nada a ser feito. A irmã era inexorável. Ela respondeu que eu não era uma criança, e com 22 anos já podia viajar sozinha. Eu implorei para ela me deixar ficar pelo menos até que eu pudesse cumprimentar minhas companheiras ex-alunas, que viriam durante a semana me ver. Nenhuma palavra. Eu de novo implorei que eu tivesse permissão de, pelo menos, telefonar para aquelas que estavam em Monza, para que elas me acomodassem por alguns dias. Elas me convidaram tantas vezes! Nenhuma palavra. Eu tive de sair.
Diante de uma inexorável dureza me rejeitando, eu abaixei a cabeça. Chorei. Outro sonho desejado por tantos anos que se dissolveu quando pensei que isso se tornaria realidade.... A Assistente Superiora me perguntou se eu queria visitar a igreja.... Que pergunta! Eu gostaria de dizer que pergunta estúpida se eu ainda não respeitasse quem a fez. Ela me levou para a nossa linda capela. Lá estava a figura do Sagrado Coração me estendendo os braços do altar principal. [...] Refugiei-me perto do altar e chorei e chorei – até a Assistente Superiora voltar para me dizer que minha prima havia voltado. Clotilde, uma mulher especialista em observar rostos humanos – ela tem um grande hotel e, nos hotéis, as pessoas se tornam verdadeiros mestres na arte de reconhecer o caráter dos outros – não tinha confiado nas palavras amadas da Assistente Superior na noite anterior e ficara em Monza mais um dia.
Assim que me viu, ela disse com força, como de seu costume: “Minha querida, você deve se conformar. As Irmãs não querem você. Sinto muito por sua causa, mas o que você pode fazer?" Você acha, Senhora? Gostaríamos de tê-la, mas você bem entende.... "Eu entendo que você não a quer. Teria sido mais correto, no entanto, ter escrito de uma só vez ou pelo menos ter dito isso abertamente na noite passada. Se eu tivesse partido, confiando que tudo estaria em ordem, você a colocaria no trem sozinha, em um momento de greves e com problemas no coração." E ela me disse: "Vamos lá, vamos lá. Você não deve ficar onde você não é querida.” A Assistente entendeu que ela agiu mal e insistiu em que eu permanecesse, como concessão extraordinária, até a noite para que eu visse as Irmãs. Note [Padre Migliorini] que eu ainda não as tinha visto. Enquanto isso, ela disse, cuidaria de avisar minhas companheiras ex-alunas em Monza. Ela disse isso, mas não o fez, temendo que elas pudessem me deter.
Clotilde cedeu. Fiquei então até as 17h. Mas acho que um delinquente perigoso ou alguma pessoa atingida pela peste não teria sido mantida de maneira diferente da minha. Fiquei no fim do jardim o dia todo, exceto na hora do almoço, que me foi servido em um quarto pequeno em um local remoto.... Comer eu não comi. Eu não pude. A tristeza formou um nó. Peguei apenas um pedaço de pão e guardei como lembrança até alguns anos atrás. Ele ficou comido por vermes e eu joguei fora. Padre Christopher, em “O Noivo”, mantinha o pão do perdão em sua cesta de monge. Por mais de vinte anos eu levei comigo o pão da rejeição. Minhas Irmãs não comeram naquele dia para me fazer companhia. Elas não aprovaram a maneira de agir da muito poderosa Assistente Superiora, que estava fazendo e desfazendo a seu bel-prazer desde que a Madre Superiora ficou praticamente atordoada por sua doença. Mas elas não podiam fazer nada.
O Madre Superiora veio, soprando como um par de foles, para se desculpar. Ela chorou.... A pobre mulher! Ela agora estava quebrada...! Nunca senti rancor por ela, mas estaria mentindo se dissesse que não tinha um sentimento muito amargo em relação à Assistente Superior. Ela agora está morta, e a morte põe fim a tudo. Espero que Deus também a tenha perdoado por essa dureza comigo, mas certamente não se pode dizer que ela me mostrou caridade. Você [Padre] vai concordar também.
Como o curso do meu movimento em direção a Deus teria sido facilitado se eu fosse capaz de fazer uma pausa lá! Mas não importa. Posso afirmar com alegria que sou o que me tornei sozinha, sem nenhuma contribuição do meio ambiente e da vida comum das noivas de Cristo [das Irmãs]. Jesus operou minha alma sozinho, e eu respondi e solicitei a sua trabalhando em mim. [...] Voltei para casa tão triste e desanimada que acabei ficando doente.
Em 17 de março de 1920, enquanto andava com sua mãe pela rua um jovem delinquente filho de um anarquista comunista atingiu Maria Valtorta pelas costas com uma barra de ferro com toda a força e sem motivo aparente, enquanto gritava: “abaixo os ricos e os militares!”. Por causa disso, ela ficou confinada na cama por três meses. Embora ela parecesse ter-se recuperado e tenha sido capaz de se mover por mais de uma década depois, as complicações da lesão não tratada na coluna vertebral acabariam por deixá-la permanentemente acamada a partir de 1934. Entre 1920 e 1923 ela novamente pegou gripe espanhola (pela terceira vez). Também começou a ter sonhos vívidos sobre a vida de Jesus, tendo sido um prenúncio e uma preparação para a sua missão que viria no futuro. Na primavera de 1923 se ofertou novamente a Deus como vítima da misericórdia divina.
Em sua autobiografia, ela diz:
O barulho foi tanto que a mãe pensou que ele havia atirado uma pedra e que ela ricocheteou, batendo contra a calçada. Em vez disso, foi o som do ferro nas minhas vértebras. Note que, por causa do meu problema no coração, não usava espartilho e, portanto, não tinha qualquer proteção. Senti uma dor tão intensa que me ajoelhei no chão. Minhas pernas não conseguiam me segurar. Com esforço, consegui me levantar e me arrastar para casa. Quando eu tirei a roupa, uma contusão acentuada era visível na área dos meus rins. Da espinha ao fígado, eu tinha uma marca vermelha, quase escoriada. Prepararam compressas, que aliviaram a dor. Eu talvez – ou melhor, certamente – errei ao não querer um médico imediatamente. Mas não achei que tivesse sido atingida tão gravemente. Eu nunca fui uma covarde sobre infortúnios. Como meu pai, eu sou muito resistente em suportar doenças físicas.
Sexta e sábado se passaram. Além do sofrimento da área afetada pelo golpe, que doía se eu a tocasse ou descansasse de costas enquanto estava na cama, eu também tinha uma angústia estranha: tontura, um brilho na frente dos meus olhos, náusea intensa e um cansaço profundo. Eu fiquei em pé, no entanto, da mesma forma das nove até à noite. No domingo de manhã, fui à igreja e recebi a Comunhão. Com grande esforço, foi muito doloroso para mim me ajoelhar. Minha mãe tentou escolher os alimentos que eu mais gostava, porque eu não conseguia me nutrir. Tudo me repelia. Ao meio-dia eu comi um quarto de um pombo assado e nada mais.
[...] Às três da manhã, fui despertada por uma dor tão atroz que nunca mais experimentei outra igual. E eu certamente tenho tido tantas dores tremendas por tanto tempo! Eu tinha a sensação de que um rim, ou algo mais, estava rompendo os ligamentos e caindo em direção à virilha. Mas que dor, que dor! Eu me tornei uma bola. Inteiramente banhada em suor frio, contraindo e vomitando. Eu não conseguia falar, me mexer ou chorar. Eu estava morrendo. Meu cachorrinho, que estava dormindo na cama dele em um canto da sala, notou isso e começou a uivar. Ele me salvou, porque a mãe percebeu e entrou correndo, o pai entrou correndo e eles chamaram uma amiga e um médico. Ele era o dono do prédio e morava no térreo. Com assistência oportuna, saí da agonia. Mas uma febre muito alta começou. Eu acho que foi produzida por um abscesso no rim que ao romper envenenou meu sangue, pois tive ataques de septicemia. No hospital, tive a oportunidade de me familiarizar com as fases da febre séptica, que vão desde uma temperatura mínima, em meio a irreprimíveis arrepios, à máxima várias vezes ao dia. Eu digo: "Acho que sim", porque nenhum dos médicos ou consultores entendiam algo a respeito. Alguns disseram uma coisa, e outros, outra. Exames internos e externos não chegaram ao resultado esperado de um diagnóstico.
Três meses na cama, com febre de quarenta graus, sofrimentos intensos, três vezes quase morta por tratamentos equivocados atacando meu coração ainda fraco e me aproximando da parada cardíaca. Mas ninguém compreendeu nada. Ninguém suspeitou que o problema real fosse o canal medular. Eles só perceberam catorze anos depois.... [...] Eu estava tão doente que, mais do que qualquer outra pessoa, incluindo os médicos, realmente pensei que eu necessariamente morreria.
[Pág. 91] Eu não tinha mais nenhum carinho no mundo capaz de saciar a minha alma. Meu pai era cada vez mais uma criança dominada pela minha mãe. A mãe era minha inimiga. Eu não tinha mais Mario [o primeiro pretendente dela que não deu certo]. As Irmãs me rejeitaram. Minhas amigas foram expulsas de casa por minha mãe. Não houve mais nada, mais ninguém.
[Pág. 93/94] Minha saúde, apesar dos cuidados dedicados de meus primos há oito meses, não estava melhorando em nada. A aflição estava gradualmente me destruindo como um tumor maligno. Eu me perdi, empalideci, e senti-me cada vez mais fraca. Com a chegada do calor intenso em junho, piorei completamente. Eu vivia exclusivamente com xícaras de café frio e frutas. Eu não podia comer mais nada. Dormir era impossível para mim. De manhã, eu era um pobre trapo com olhos avermelhados de insônia e com uma grande necessidade de sono pesando no meu coração, mas nunca se tornando real. Eu acordava muito cedo e entrava no jardim para respirar o ar fresco e perfumado do amanhecer do verão. [...] A febre, que nunca desaparecia completamente, mas que se reduziu nos meses de inverno para alguns graus, agora retornou mais intensamente: 37.8, 38. A dor na coluna e sobre o lado direito do abdômen tornou-se aguda novamente; meu coração estava agindo estranho mais do que nunca, e eu também tinha uma dor de garganta e tosse incuráveis.
Clotilde ficou impressionada. Ela me perguntou se eu havia informado minha família. Não, eu não escrevi nada. Pelo que? Ela perguntou se deveria notificá-los. Eu disse a ela que ela não precisava. Se eu morresse, era bem melhor. Pedi desculpas por incomodá-la dessa maneira, mas pedi que, em virtude de seu amor por mim, um verdadeiro amor maternal, ela me deixasse morrer em paz, perto dela, que me amava. Clotilde me consolou. Na minha decadência física, no entanto, minha vida psíquica estava se tornando mais intensa, viva e vívida. Quanto mais a matéria desmoronava em uma ruína crescente, mais sensibilidade e lucidez das forças psíquicas foram acentuadas.
Eu lhe disse anteriormente [Padre Migliorini] que desde 1910 eu fiquei sujeita a estranhas premonições que eram um verdadeiro tormento para mim. No sono, fragmentos do futuro ou anúncios e conselhos para as circunstâncias da vida me vieram dos reinos do mistério. Eu tinha um temperamento muito sensível – capaz de vibrar ao menor toque de correntes provenientes de outros "transmissores" digamos.
[Pág. 97] Em janeiro, peguei a gripe espanhola novamente. Foi a última epidemia terrível da gripe em que o Papa Bento XV perdeu a vida. Minha prima Normanna, a do hotel Villa, também morreu, deixando quatro órfãos, o mais novo deles com sete meses de idade. A tragédia com as crianças me fizeram sentir uma nova facada dupla com muita força. Eu tive de cuidar deles por um tempo, e isso me manteve ativa.
[Pág. 102/103] Quando a mãe ficou convencida de que Mario havia sido derrotado para sempre – Deus sabe com que armas! [a mãe dela não gostava de Mário, o pretendente de Maria Valtorta] – A minha mãe começou a me chamar de volta insistentemente [de volta a Florença]. Você [Padre] entenderá que eu fui útil! Eu trabalhei como se fosse a empregada mais dedicada e, exceto por comida, não custava nada. Exceto pela comida, porque eu sempre fui indiferente à moda e coquetéis de qualquer tipo, que, em geral, não custam pouco para as mulheres; além disso, por mais nojo que estivesse agora com tudo, fiquei extremamente indiferente. Eu usava o que me davam para vestir e, desde que estivesse limpo, todo vestido me atraía. Coisas fora de moda, tecidos baratos (eles ainda existiam na época) – tudo me convinha. Então, em relação a despesas, eu era o ideal.
Meu pai não pôde ser persuadido a mudar nossa residência para Reggio Calabria. Voltei assim para Florença. Eu contaria uma grande mentira se dissesse que voltei para casa de bom grado. Eu estava deixando um oásis de paz para voltar à guerra de guerrilha, se não à guerra direta. E eu sabia disso. Em Reggio eu tive aflições – de fato, a aflição das aflições. Mas eu estava tão cercada de amor que isso me ajudou a suportar a nova trovoada. [...] Meus primos, muito carinhosos e orgulhosos do meu bem-estar, que com toda a razão foi devido aos abundantes atos de atenção que me deram, não queriam me deixar voltar. Mas eu certamente não poderia continuar longe de minha casa. Eu fui picada pelo desejo de voltar à minha família, em primeiro lugar por causa do meu pai, cuja vida eu facilmente imaginava ser miserável, e também porque, apesar de tudo, sempre amei, e ainda amo, a minha mãe. Um amor que sabe que nunca será correspondido, mas que não diminuiu por esse motivo.
[...] Voltei, então, para Florença. Era 2 de agosto de 1922. [...] E os anjos devem ter me ajudado a superar o primeiro encontro com a mulher que tinha tirado tudo de mim.... [ela se refere a sua mãe, que lhe causou muitos sofrimentos] [...] Nos primeiros dias, porque havia o perigo de Clotilde voltar e me buscar novamente, até a mãe foi gentil. Mais tarde, depois que a ameaça passou, ela mostrou suas garras. Ela queria fazer perguntas e fazer insinuações. Eu impus silêncio a ela energeticamente – minha única energia – que ela não ousou levantar o assunto por anos e anos. Ela deve ter pensado que eu sabia exatamente o que ela tinha feito [a mãe dela havia prejudicado a relação entre ela e Mário]. Caso contrário, ela não teria cedido facilmente.
O segundo ato de força. A mãe sempre tinha a ideia de que ser governanta ou professora era a quintessência da beleza, ela queria me transformar em governanta e me enviou a Berlitz, a escola de idiomas. Fui porque sempre gostei de estudar e tive o prazer de atualizar minhas aulas de Francês. Mas fazer compras, limpar a casa, estudar e correr para a escola, assustada com as revoltas populares que estavam furiosas naquela época, meu coração começou a piorar e isso me deixou tão doente que tive de parar. Adeus para o sonho de minha mãe de me tornar uma governanta! Depois outro capricho. Ela me enviou para a escola da chapelaria, esperando me transformar em uma instrutora de moda ou costureira. Eu fui, pensando que poderia ser útil adaptar esses "vestidos" que eu usava.... Eles eram vestidos reais sem charme. Mas eu não estava interessada em ser charmosa. [...] Bem, participei do curso de moda e estilo, fiz os exames e, apesar do fato de eu odiar o assunto, como todos os que não são ambiciosos, obtinha as notas mais altas. Mas eu tive de parar porque minha saúde estava se deteriorando cada vez mais. Nem poderia ter sido de outra forma.
[Pág. 105] Desde aquele sonho de junho de 1916, eu não sonhava mais. Agora eles voltaram para mim com uma frequência que me fez desejar dormir como uma segunda vida maravilhosa. Eu segui Jesus pelos distritos da Galiléia; Eu o ouvi pregar para as multidões; Passei ao seu lado em meio a campos de trigo e permaneci a seus pés, com minha cabeça no colo, enquanto falava, sentada no topo de uma escada; Eu O vi definhar e morrer no jardim do Getsêmani e no Gólgota; e eu recebi a comunhão de suas mãos no paraíso adorável. Sempre com aquele rosto, aquele olhar, aquela voz, aquelas mãos e aquela infinita doçura amorosa e sublime majestade. Quantas visões doces ...! O fogo de sua Caridade me penetrou cada vez mais profundamente e me incendiou. Eu queimei de amá-Lo infinitamente e para fazê-lo sentir-se amado. Eu teria dito a todos: "Ame, ame a Deus se você quer ser feliz! Ame e deixe que Ele ame você como ele deseja! Não coloque obstáculos a sua entrada!” Liberada e absolvida por seu amor, como Ruysbroeck, mergulhei no prazer do amor. Desse amor celestial, cuja gentileza, doçura e plenitude são tais que nada pode ser comparado. Com todos os laços que me mantiveram encantada, minha alma atirou-se livre e alegremente ao reino do sobrenatural e penetrou mais e Mais. E eu nunca deixei isso.
[Pág. 107] Foi na primavera de 1923 que escrevi minha primeira oferta a Deus. Aquela oração, que eu repeti por oito anos, ainda deve estar em um dos meus livros de devoção. Nele me humilhei em frente a Deus pelas minhas faltas passadas e pedi para ser perdoada em nome de sua Divina Misericórdia. [...] Naquela primeira oferta minha, pedi a Jesus que me desse “a graça de ter tempo para expiar o mal praticado e reparar todas as minhas horas de desespero, me fazer viver em dor todos os anos que passei em erro e impaciência profana para deixar a vida.”
Seu pai se aposentou e a família se estabeleceu na cidade de Viareggio, na costa da Toscana. Depois de se estabelecer em Viareggio, ela quase nunca deixou a cidade. Em Viareggio, Maria levou uma vida dominada pela solidão. Exceto por excursões ocasionais à beira-mar e à floresta de pinheiros, seus dias consistiam principalmente em fazer compras domésticas diárias e visitar a Igreja para receber o Santíssimo Sacramento. Viareggio é uma cidade litorânea e é comuna italiana da região da Toscana, província de Lucca.
Ela leu a autobiografia de Santa Teresa do Menino Jesus. A experiência foi profundamente comovente para ela e, em 28 de janeiro de 1925, ela se ofereceu novamente como vítima do amor misericordioso.
Tentou entrar para o Grupo Jovem Feminino da Ação Católica de sua paróquia, mas lhe negaram alegando que esse grupo não existia. Ela então propôs insistentemente em fundar o grupo, mas também lhe foi negado.
Conforme o Livro de Azarias – o Anjo da Guarda de Maria Valtorta – (pág. 216), Maria Valtorta havia sido membro terciário da Ordem de São Francisco durante sua juventude.
Em 1 de janeiro de 1924, renunciou o mundo e os afetos pela sua salvação espiritual e de muitos, e fez votos de castidade (conf. Notebook 1945/1950, 10/02/1946).
Em sua autobiografia, ela diz:
[...] Imediatamente eu li ‘A História de uma Alma’. Senti que estava voltando ao tempo quando estudei no Internato. [...] Minha alma estava derretendo de amor. Eu tinha achado o harpista capaz de fazer as cordas do meu espírito ressoar. Eu queria fazê-lo cantar para Deus, mas ainda não consegui. A pequena St. Teresinha com sua mãozinha pegou a minha e a guiou pelas cordas, ensinando-me o cântico de amor e doação.
[Pág. 110] À noite, na sala em que estou agora, com meu coração batendo, eu li meu ato de oferecimento, ajoelhada no chão. E venho renovando todos os dias desde então. [Pág. 112] Já que o meu desejo de me tornar uma "paulina" não deu certo [ela tinha pensado em entrar para a Sociedade de São Paulo], pensei em entrar para o grupo Ação Católica. [...] Na minha paróquia, a Juventude Católica não existia. Eu pedi para fundar uma. E eu fui rejeitada. Me disseram que, como já existia o Grupo de Homens e Mulheres Católicos, não havia necessidade de criar mais nada. Eu insisti sem sucesso. Eu ofereci minha própria casa para as reuniões iniciais. Sem utilidade. Deixa pra lá. Dói-me deixar inertes os dons de inteligência e cultura recebidos de Deus. Isto me fez sofrer por não poder levar a Deus tantas mulheres jovens que eu via se perderem no paganismo mal disfarçado de catolicismo. Eu também ofereci esse sacrifício a Deus. E como todo sacrifício feito, senti o amor crescer. Eu sempre dizia a mim mesma: "Cheguei ao cume. Não se pode subir mais!”
[Pág. 114] No outono de 1928, senti que poderia pedir para entrar na Terceira Ordem Franciscana. Agora vi que tudo o que me perturbara no passado havia sido superado para sempre e que eu era outra pessoa, transformada como eu era pelo amor. Depois fui aos franciscanos e expus o meu caso. Era necessário me aceitarem como eu podia – ou seja, sem reuniões e convites por enquanto, para não ferir os sentimentos da mãe. Eles responderam que isso poderia ser feito, mas que isso atrasaria a adoção da minha vestimenta religiosa. Deixa pra lá! Eu me prepararia cada vez mais para a cerimônia, que eu queria que fosse um selo verdadeiramente duradouro.
Em dezembro de 1929, ela descobriu que o Grupo Jovem Feminino da Ação Católica existia em sua paróquia (ao contrário do que lhe disseram), e apesar de novamente o pároco local ter negado o ingresso dela, eles tiveram de aceitá-la por ordem do Monsenhor Sanguinetti. Ela então foi admitida finalmente como delegada cultural da juventude, deixado assim de entrar para a Terceira Ordem Franciscana. Foi bem recebida pelos membros do grupo, mas não tanto pelos líderes, por medo de ela os suplantar naqueles cargos tão desejados por eles (mas não por ela).
Em 25 de junho de 1929, no Segundo Jubileu, fez votos de castidade (pela segunda vez), de pobreza e de obediência à Igreja (conf. Notebook 1945/1950, 10/02/1946).
Em 6 de novembro de 1929, postulou uma vaga na Terceira Ordem Franciscana (Notebook 1945/1950, 10/02/1946).
Em sua autobiografia, ela diz:
Minha companheira, que também era presidente diocesana da Ação Católica dos Jovens, perguntou: "Por que você também não participa da Ação Católica?" Claro! Mais fácil falar do que fazer! Expliquei a oposição encontrada e o fato de que meus padres não queriam a juventude católica na paróquia. "Mas existem membros." "Não, não há." "O que você quer dizer? Eles até enviaram uma oferta para a Universidade Católica! Olhe aqui: Círculo de Nossa Senhora de Lourdes, Paróquia de São Paulo, Viareggio.” Fiquei muda de espanto. Eu implorei que o Círculo fosse fundado e agora soube que já existia quando eu estava a tantos quilômetros de distância.... Eles não me queriam. Isso disse tudo. Decidi que iria pedir para entrar quando retornasse.
Enquanto realizava esse trabalho de misericórdia – por assim dizer – para ajudar o pobre garoto, eu tive os primeiros sintomas de miocardite.
No verão de 1928, tive uma angina grave, que melhorava enquanto eu ficava em pé, com febre de 40 graus ou mais, porque tínhamos visitas. Um mês sofrendo realmente me desgastou. No inverno rigoroso de 1928-1929, tive uma gripe terrível, com tosse e febre alta e, assim que eu melhorei, tive uma costela fraturada, quebrada pela multidão me empurrando contra uma barra de ferro no escritório de impostos. Eu até cuspi sangue. A costela pode ter ferido a pleura. Mas, como sempre, ninguém deu atenção a isso. Eu senti que meu coração estava mais pesado, porém, inchado, mais gravemente doente. No caminho, quando cheguei à Cisa Passe, entre Pontremoli e Borgotaro, tive uma leve indisposição. Breve, mas não leve, pois durou apenas um momento, mas pensei que estava morrendo. Virou um sangramento nasal.
Em Cremona, na mesma noite em que levei o garoto para a escola, fiquei doente. Eu fiz um esforço para que meu amigo não notasse. Mas pensei novamente que morreria. Voltando, no trem, também entre Borgotaro e Pontremoli, essa breve, mas dolorosa indisposição, apareceu toda de novo. É claro que meu coração estava cedendo, e tanto o ar excessivamente fino naquele momento e a emoção de me separar da criança, que se agarrara ao meu pescoço, pedindo sua mãe, me fez mal.
De fato, minha amiga, ao me ver bastante cansada e doente, queria me deter ainda mais – mais de uma noite eu fiquei muito doente com dor na coluna, que até me dava vômito e cólicas abdominais – mas um telegrama peremptório de minha mãe me forçou a sair, mesmo em tão ruim estado. A raposa perde o pêlo, mas o vício nunca, e minha mãe age da mesma maneira. Ela sempre permanece a mesma – nada a muda. Ela deveria ter ficado feliz por eu ter ficado um pouco na companhia de amigos queridos. Mas não senhor! Eu tive de ficar acorrentada, o tempo todo. Naquele verão, trabalhei pesadamente para cuidar dos hóspedes. No outono, eu até andei inteiramente curvada para a direita.
O pároco havia me rejeitado novamente no grupo dos Jovens Católicos. Outro padre havia dito: "Oh, não se preocupe com a Ação Católica! Não vale a pena!" E um terceiro me colocou no grupo Mulheres Católicas, onde eu estava fora de lugar. Minha missão era instruir as mulheres jovens. Mas me foi negado. Anos antes, eu ficaria chateada. Agora eu orei, e isso foi tudo. Minha vontade era fazer a Vontade de Deus, e eu não me confundia se as coisas dessem errado. Por outro lado, sendo tão doente, esperava que Deus aceitasse minha oferta como vítima, e estava se preparando para consumar isso. [...] Ser alma-vítima significa ser alma penitente, como Maria Madalena e Agnes também – porque o sofrimento purifica – e acreditando, como Santa Teresinha; ser alma-vítima significa estar nas mãos de Jesus como um instrumento que não reclama de ser usado; ser alma-vítima significa ter entendido onde deve ser encontrado o caminho seguro para a vida eterna.
[...] No final de dezembro de 1929, houve Exercícios Espirituais para os membros da Ação Católica em minha paróquia. Eles foram dirigidos por Monsenhor Sanguinetti. Eu participei deles com prazer depois de tantos anos em que eu fui privada deles. No final, em um longa confissão, eu me abri para ele. Eu recebi a graça de ser entendida por este padre. Uma rara graça, pois até aquele momento sempre me havia sido negado, e somente Jesus tinha sido meu Diretor. Monsenhor Sanguinetti me fez falar longamente e depois me impôs como delegada cultural para os Jovens Católicos. Agora eles tinham de me aceitar! Consegui ganhar o amor dos membros do grupo. Os líderes me amavam menos, com medo de eu suplantá-los naqueles lugares abençoados, tão desejados por seus pequenos corações vendo as coisas do ponto de vista humano. Mas os membros me amaram muito logo no início. Eles me viram como uma pessoa boa. Eu exigia ordem, estudo, pontualidade e obediência às regras. Mas eu era a primeira a observar esta ordem, estudo, pontualidade e obediência ao estatuto, e assim eles me seguiram. Ai se aqueles que estão abaixo de nós nos virem cometendo as falhas pelas quais os censuramos! Está tudo acabado!
[Pág. 191-Appendix] Depois de conseguir entrar no Grupo Jovem Feminino da Ação Católica, nunca participei de um congresso diocesano ou qualquer outro. Eu estava sempre em casa. Casa, casa, casa. Para mim não havia nada mais que isso, e se eu ficasse um quarto de hora a mais no Círculo, havia muitas censuras [por parte de sua mãe]. Eu tive que preparar minhas aulas com os livrinhos da Ação Católica e a Cartilha sobre o Cristianismo e a Moralidade Cristã de Olgiati. Eu não tive outros auxílios humanos. Mas tudo se tornou fácil para mim porque Jesus me ajudou, acima de tudo, por amá-lo. E amá-Lo é entendê-Lo, e entender almas. Por isso, progredi em minhas atividades e com as garotas.
Maria Valtorta começou a dar palestras na paróquia sobre assuntos católicos, em especial a vida dos Santos. Na festa do Preciosíssimo Sangue de Cristo, ofereceu-se novamente à Justiça Divina. Em 4 de janeiro de 1932, teve a primeira visão de seu Anjo da Guarda, Azarias. Em 23 de novembro de 1930, adquiriu o hábito (a roupa/uniforme) da Terceira Ordem Franciscana e renovou seus votos e ofertas (conf. Notebook 1945/1950, 10/02/1946).
Em sua autobiografia, ela diz:
[Pág. 117/119] Durante a Semana Santa de 1930, fiquei ainda mais inflamada do que o habitual com um espírito de amor e reparação. Tendo a oportunidade de sair com mais frequência, graças ao Círculo [do Grupo Jovem Feminino da Ação Católica], corria na igreja como um peixinho que escapou da rede. A grande figura de Cristo crucificado no altar parecia estar olhando para mim com olhos mais implorantes do que nunca. [...] Então fomos à igreja. Estávamos sentados quase embaixo do púlpito. Na décima primeira palavra, eu comecei a sentir-me bastante doente. Um sofrimento nunca antes experimentado até aquele momento – um terrível sofrimento. Eu tive meu primeiro ataque de angina de peito precisamente na Sexta-feira Santa, nas horas da Agonia de Jesus.
Se lembrarmos que um médico da antiguidade que conseguiu identificar essa doença e os sofrimentos e perigos que isso traz – mas sem encontrar um tratamento – o descreveu como uma “pausa na vida em que alguém sofre a morte”, pode-se entender como é terrível. Apenas quem experimentou uma angústia aguda de agonia, cãibras, asfixia e colapso pode saber o que realmente é. E eu experimentei pela primeira vez na Sexta-feira Santa. Jesus em agonia, Maria de Jesus em agonia. Eu realmente pensei que estava morrendo. Não se podia sair por causa da multidão, e, além disso, você não pode andar naquele momento...! Eu praticamente tive de me despir na igreja porque tudo o que é apertado aumenta o sofrimento. Mas eu não tinha medo. Eu senti que Jesus estava me levantando na cruz.... Eu implorei a Ele assim, nos últimos cinco anos, a me aceitar como vítima.... O tempo abençoado do consentimento divino veio, e em um dia e uma hora que eram tão cheios de significado.
Você [Padre] pode dizer: "Mas você também se sentiu mal no ano anterior". Oh, era totalmente diferente! Este parecia ser praticamente o começo de um acidente vascular cerebral devido à má circulação. Um afluxo notável de sangue no meu pescoço e cabeça, tonturas intensas, e isso foi tudo. Era dor espasmódica, um suor gelado, uma agonia, falando propriamente. Foi um presente do Jesus moribundo para sua pequena vítima. Quando a crise acabou, voltei ao normal. Eu estava extremamente cansada. Mas depois de um bom sono eu não sentia mais o cansaço.
[Pág. 121] “Minha fome ardente de salvar almas me estimula a procurar vítimas a quem associo a minha obra de amor”, disse Jesus à Irmã Benigna Consolata Ferrero [foi uma Freira mística italiana da Ordem da Visitação de Santa Maria, do Mosteiro da Visitação em Como – 1885-1916]. Eu ainda não estava familiarizada com essa Irmã naquela época. Mas a necessidade de me oferecer também à Justiça, como eu me ofereci ao amor, era urgente em meu coração. Por puro acaso eu me tornei ciente desta pequena secretária de Jesus. Por algum tempo, pessoas diferentes, consagradas e leigas, me perguntavam se eu tirei minha forma de pensar de seus escritos, pois eram iguais aos dela. Eu nem sabia que a Irmã Benigna tinha vivido! O desejo de conhecê-la veio até mim. E Jesus, sempre cortês, preparou esse encontro. Um cartão escrito por ela caiu em minhas mãos. Eu tive a conexão. Eu escrevi para as Irmãs Visitadoras em Como para receber as obras completas da Serva de Deus.
Ontem à noite parei porque estava sofrendo demais para continuar. E foi uma sorte, pois durante a noite me ocorreu que havia omitido fatos. O primeiro é que eu tive algum tempo antes para pronunciar os votos de virgindade, pobreza e obediência. Eu então mudei meu anel da minha mão direita, onde estava desde 1915, pretendia ser um lembrete do pobre Roberto [o antigo pretendente dela], à minha esquerda, onde deveria ser um símbolo de casamento místico com Jesus.
[Pág. 125] Os bons médicos nunca foram capazes de entender como isso aconteceu em uma criatura com uma vida saudável e ordenada como a minha – mas se olhassem para o alto, regiões sobrenaturais, eles teriam entendido o motivo dessa minha doença especial, diferente de todas as outras formas de problemas cardíacos, que eles descrevem com mil nomes, porque possui características de todas elas e, ao mesmo tempo, carece de alguns dos traços essenciais de cardiopatias inteiramente naturais em um sentido adequado....
[Pág. 127] Assim, continuei minha atividade cultural e, de fato, a ampliei, pois convenci o padre da paróquia a me deixar dar palestras para quem quisesse vir. [...] Lembre-se [Padre Migliorini] de que eu era e ainda sou muito tímida, embora não pareça. Na escola, escrevi os ensaios acadêmicos, mas outra garota os lia. No hospital, falei apenas com os feridos, que eu os tratava como crianças. Quando visitantes mais ou menos ilustres vinham, eu corria para me esconder no "Ala de Isolamento", onde ninguém vinha. No hotel eu estava sempre com o Memmo [o primo dela], evitando conversas, tanto quanto possível. A timidez tem sido uma doença dolorosa para mim, um sofrimento real. Mas, pelo amor de Jesus, até me tornei desinibida, a ponto de falar em público.
[Pág. 130/131] Eu decidi diminuir o tempo. Eu estabeleci o dia 8 de setembro como a data para minha oferta à Justiça Divina, a fim de ter a Santíssima Virgem como minha Patrona naquele voto de sofrimento. Mas agora não era mais algo para adiar. O sinal chegou. Eu perguntei a Deus para me inspirar com a própria fórmula.
Depois de alguns dias, era a primeira sexta-feira do mês de junho. Na missa, em meio aos membros do Círculo, experimentei uma hora de verdadeira agonia mortal.... intelectualmente, vi tudo o que virá no futuro: guerras, fome, mortes, massacres – e desespero sem fim. Que sofrimento! Eu, que nunca chorei em público, chorava tão copiosamente que era como se estivesse cega. Quando a missa acabou, eles tiveram que me ajudar a sair porque eu não via nada, tão abundantes foram minhas lágrimas.... Meus companheiros, os melhores, me perguntaram o que havia de errado.... Eu disse a eles o que era, embora velando-o, com uma modesta reserva relativa a certos detalhes.
Alguns dias depois, senti o ato de oferecer florescer em meu coração, exatamente como havia escrito e pronunciei em 1º de julho, a Festa do Preciosíssimo Sangue de Cristo. Que dia mais lindo eu poderia optar por me unir à vítima cujo sangue divino fluiu inteiramente para aplacar a Justiça do pai? E que nome eu poderia escolher para mim a partir desse momento mais bonito que “Maria da Cruz”? [...] Imediatamente depois de me oferecer ao martírio do amor, foi acrescentado um martírio de sofrimento aguçado na carne e aumentado no espírito por uma severidade que parecia pesar sobre mim. Vou explicar ou tentar explicar. Não que eu me sentisse abandonada por Deus. Não, o amor dele estava sempre em mim. Mas se Jesus me acariciou, o Pai fez a mão dele pesar mais no meu coração. Um período de penitência compacta começou. Tudo relacionado ao sentido no amor sobrenatural desapareceu. Refiro-me aos bons sonhos que haviam sido minha alegria há anos e à confiança de que Deus nos pouparia a todos do que estamos passando agora. A hora do Getsêmani tinha vindo de uma vez, total e sombriamente – e posso dizer que durou dez longos anos, porque apenas em 1941 teve sua gravidade diminuída.
[...] Eu experimentei todas as dores no meu corpo, que se tornaram um compêndio de enfermidades! E o pior, essas doenças não deixaram a parte espiritual imune, mas a perturbou com um desenfreado de sensações que por si só são um martírio.... [...] Nesse meio tempo, as crises cardíacas ocorreram com frequência. [...] Eu já estava em tratamento há um ano. A princípio, a exaustão nervosa foi tratada. Que cansaço, apesar de ter dormido tranquilamente a noite toda e tive uma memória tenaz e um testemunho da resistência mental, sem perceber o menor distúrbio de fadiga intelectual? O céu sabe! Depois de me encher de glicerofosfatos e de ver que ficava pior, eles suspenderam. Excesso de sangue e excesso de peso. Portanto, iodetos e iodatos para diluir o meu sangue. Pior que nunca. Então eles eliminaram tudo e me deram sedativos para o coração. Sem vinho, café ou carne. Não poderia ter sido pior! As crises foram a ordem do dia, se não o dia, pelo menos da semana, e elas eram cada vez mais intensas.
Mas, exceto eu, que as experimentei e sabia que elas eram uma morte a cada vez, ninguém mais se preocupava. Dentro e fora de casa, todos queriam ser assistidos e atendidos por mim. E se, ao menos, eles tivessem sido gratos a mim! Mas em casa havia o egoísmo de sempre, tratamento despótico. Lá fora havia casos de inveja, tão comuns e deploráveis em certos círculos chamados "religiosos". [...] Mas continuei com o meu trabalho da mesma forma. Apesar de tudo, retomei as palestrar além das atividades do Círculo. O primeiro foi sobre Santa Isabel da Hungria. Eu estava completamente curvada pela terrível dor na coluna vertebral. A segunda foi sobre meu pai seráfico, São Francisco de Assis.
[Pág. 133/134] E voltemos para 4 de janeiro de 1932, o dia em que vi meu anjo [Azarias, o anjo da guarda de Maria Valtorta]. Era domingo. Eu começara o dia com a Santa Missa e Comunhão. Mais tarde, depois de ter arrumado a casa, fui à sede da Associação para a reunião: reflexão religiosa e o concurso. Às doze em casa. Entrei e percebi o ar irrespirável. A mãe, que, para sua sorte, tem um coração de ferro fundido não se incomodou com o ácido carbônico, preparou quatro braseiros, manteve um grande fogo nos fogões e fechou as janelas para não sentir o frio. O ar da casa estava azulado. "Você pode asfixiar aqui!" Eu chorei, pois com meu coração enfermo não podia suportar carbono ácido mesmo em doses mínimas. E fiz um movimento para abrir a janela. "Deixe aberta", uivou a mãe. “Você tem todas as suas doenças em casa, mas você está sempre bem do lado de fora!" Uma mentira absoluta! Eu me senti mal nas lojas, na floresta de pinheiros, nas ruas, na igreja, no mercado, de Mantellate [mulheres Servas de Maria] à administração fiscal e nas casas de amigas.... Mas quando a Mãe vai ser uma “mãe” para mim?
Não respondi mais e respirei aquele ar poluído, sentindo meu coração cada vez mais pesado e latejante. Enquanto estávamos tomando café, uma pobre criatura veio nos ver. Pobre porque ela estava morrendo aos trinta anos de tuberculose. Conversamos enquanto eu lavava tudo. Assim que a doente saiu, mãe ficou doente e, como estava tonta, houve, é claro, um espetáculo de "ah" e "oh". Liguei para o nosso vizinho porque minha mãe não queria ficar sozinha enquanto eu fui esquentar um pouco de café e depois pegar sais com cheiro. Corri para a direita e para a esquerda, subi e desci escadas.... No final, fiquei doente. Eu sentei em uma pequena sala e – tive uma síncope [perda dos sentidos devido à deficiência de irrigação sanguínea no encéfalo]. Ninguém ouviu o barulho do meu corpo ao cair; ninguém estava preocupado em eu não ter voltado; ninguém sequer ouviu o barulho causado pelo vidro que quebrei com a queda. Mãe, que já havia superado a leve tontura, apenas respirando puro ar, estava tagarelando alegremente com o vizinho....
Recuperei a consciência depois de quase meia hora e me vi no chão com minha boca cheia de sangue, porque ao cair eu tinha cortado a língua em sete lugares com os dentes; as costas das minhas mãos estavam totalmente esfoladas pelo golpe e pelo copo em que eu caíra, joelhos foram arranhados, e então meu coração....! Levantei-me com esforço e muito lentamente fui para o andar de baixo.... "Oh, você finalmente voltou? Dê uma xícara de café para Elia [a vizinha]. [...] Eu então mostrei minhas feridas e contei o resto. Exceto que, enquanto caí, eu tinha visto meu anjo da guarda ao meu lado. Como ele era bonito! Que esplendor em seu rosto e roupas, que parecia ser feito de pétalas de lírio cobertas de pó de prata e diamantes! Que Sorriso! Eu estaria disposta a sofrer todos os dias assim para vê-lo novamente! Deve ter sido ele quem guiou minha queda para que eu não acabasse sendo perfurada pelos frascos de vidro, que teriam cortado minha garganta. E, assim, os caprichos de minha mãe obtiveram para mim a visão do meu anjo. E também obtiveram um estado de exaustão cardíaca.
No dia seguinte, soubemos que a pobre mulher doente também caíra no chão logo que saiu de nossa casa. Só então a mãe cedeu à evidência de que o ar estava saturado com gás. E ela fez isso, acima de tudo, porque ela também se sentiu doente. Apesar do que aconteceu, fui ao Círculo da mesma forma. Deus me ajudou. Eu nunca falei tão bem quanto naquele dia. No final, fui elogiada e me perguntaram por que eu, que sempre fui tão pontual quanto um monarca, me atrasei. Mostrei minhas mãos, que não havia tirado das luvas, e minha língua, toda cortada, e contei-lhes sobre o que havia ocorrido. Todos ficaram surpresos e até proferiram reprovações gentis por minha imprudência. Mas o que importa a prudência, quando ela pode esconder o rosto de Deus e de seus anjos de nós?
[Pág. 142/144] Em casa, ao meio-dia, comi como de costume: uma pequena quantidade, mas com prazer. Às 3 da tarde, fui ao Instituto St. Dorothy, onde iria fazer a palestra. Às 3:30 eu comecei a falar. Eu tinha proferido algumas palavras quando um ataque cardíaco tão repentino e sério se desencadeou que eu estava prestes a morrer. Na primeira pontada, parei, sorrindo, como se esperasse um pouco mais as senhoras tomarem seus lugares naquele momento. Eu estava esperando que meu coração se limitasse àquela dor aguda, que já me cobria com suor gelado. Eu estava sorrindo – mas meu rosto mudou de repente de tal maneira que a Superiora se aproximou de mim, perguntando se eu estava doente. "Não é nada", respondi. "Está passando agora." Eu esperei por alguns minutos. Em pé, heroicamente em pé enquanto sentia a morte sobre minha cabeça. Como Joana de Orleans, eu estava dizendo: “Que Deus seja o primeiro a ser servido!" Mas Deus queria ser servido pela agonia de sua pobre serva.
O ataque cresceu e cresceu, e eu tive de ceder e me sentar. Eu era um cadáver de respiração. Isto durou duas horas.... Você [Padre] sabe o que significa sofrer duas horas assim...? Eu fui ajudada, levada no ar.... Olhei para Nossa Senhora, cuja estátua parecia se animar, vista como eu estava vendo, entre bobos convulsivos.... E eu olhei e beijei meu crucifixo.... Eu não queria um médico. Ele teria me levado para o hospital.... Em tal estado não há nada além do hospital, e eu não queria ir lá, pensando em meu pai e minha mãe. Eu pedi a Deus que não me deixasse morrer assim por causa deles, por causa do choque que eles sentiriam. Mas quanto a mim.... Oh, como eu teria partido com alegria! Eu já tinha recebido a comunhão naquela manhã – foi na Novena de Natal.... Que lindo ir celebrar o Natal no céu! Que enorme egoísmo teria sido – digo agora! Muito diferente da beleza: egoísmo. Ir para o céu no Natal sem passar pela minha paixão! Primeiro era necessário atravessar, uma longa, e longa agonia na cruz...! E então a Glória do Paraíso viria.
Finalmente, às 5:45, comecei a ficar em condições de poder voltar para casa. E voltei, apoiado por duas mulheres compassivas. "Quanto tempo você levou! Você volta mais tarde e mais tarde. São quase seis horas e ainda não bebemos nada". Esta foi a saudação da minha mãe. Ela estava conversando com uma mulher idosa que vinha quase todos os dias para passar a tarde conosco. Era costumeiro às 5 oferecer chá, café ou chocolate. E, é claro, fui eu quem teve de preparar. Daí a censura porque eu havia atrasado. Você [Padre Migliorini] pode imaginar o quão difícil foi para mim ficar ao lado do fogão, bater o chocolate, derramar em copos e levar a bandeja. Eu estava no limite da minha força. Sentei-me sem falar. Eu não conseguia. A mulher perguntou: "Muita gente?" [na palestra] "Bastante". De fato, o salão estava completamente lotado. “Eles gostaram da palestra? Você vai ler para mim? “Eles gostaram. Mas estou muito cansada agora. Amanhã leio para você. "O que há de errado com você? Você parece uma múmia. Você está de mau humor? Perguntou Mãe. "O que há de errado é que estou me sentindo muito doente. Olhe para mim, você verá. “De fato”, disse a velha amiga, “eu imediatamente vi que você estava chateada, mas não disse nada para não causar confusão....” A pobre velhinha era tão boa...!
O que você [Padre] teria feito se fosse minha mãe? Tenho certeza que você teria cuidado de mim, me servido, me amado naquela noite. Não senhor. Ela acabou me atordoando com censuras por meu subterfúgio (meu silêncio com a intenção de dizer as coisas gradualmente para não amedrontá-la era para ela um subterfúgio); ela me atormentou acusando o Círculo de ser a causa de todos os meus problemas e me chamando de idiota por ir para lá, e assim por diante. Mas ela era muito cuidadosa comigo em não me poupar das tarefas domésticas. Tendo feito o jantar – nunca comi à noite, nem mesmo então – e fiz todo o serviço de lavar a louça, eu finalmente fui para a cama. Uma febre muito alta à noite, asfixia, cãibras e uma melancolia.... [...] À noite, agonia física, moral e espiritual, ao lado de minha mãe – que estava dormindo alegremente - sem sequer ter a liberdade de chorar abertamente, refugiei-me em Cristo e, como Ele já havia feito com Catarina de Siena, ele me disse: “Você pediu para sustentar e ser punida pelos defeitos dos outros, assumindo-os, e você não percebeu que estava pedindo amor, luz e conhecimento da verdade, pois eu já havia lhe dito que quanto maior o amor, mais aumenta a dor; portanto, em qualquer pessoa em que o amor cresça, a dor cresce”. E qual maior crescimento no amor poderia haver do que esse – de um Deus que estava me dando sua própria cama, seu próprio trono, seu próprio altar: a cruz?
[...] De manhã, tentei me levantar na hora habitual. Impossível! Fiquei na cama até às nove e ainda estaria lá se minha mãe não tivesse chamado peremptoriamente para que eu fosse comprar o leite porque o leiteiro não veio. Levantei-me com a maior dificuldade. Meu coração estava em um estado crítico. Minha cabeça estava girando e minhas pernas tremiam – eu estava completamente quebrada, como se tivesse sido flagelada. Desci para o térreo, respirando pesadamente, com o sangue correndo através de todas as minhas veias. A cada passo, parecia-me que meu coração, que pesava tanto, estava afundando, como se estivesse prestes a se soltar. [...] Todo mundo viu que eu tinha um rosto de agonia, exceto minha mãe. Depois de alguns minutos eu parecia me sentir melhor; Saí da loja e comecei a caminhar pela rua Leonardo. Eu teria de ir para a praça Piave. Eu estava cambaleando. Depois de alguns passos, a terrível doença do dia anterior apareceu toda de novo. Uma senhora e um cavalheiro intervieram bem a tempo de me pegar antes que eu desabasse no chão. Eles me levaram de volta para casa.
Você [Padre Migliorini] acha que a mãe entendeu a seriedade da minha condição, pelo menos então? De modo nenhum! Quando consegui falar, disse: “Quero o médico. Eu sinto que estou morrendo". O médico da família – Armellini naquela época – estava do outro lado da rua da nossa casa. Eu sempre fui ao consultório dele. Mas naquele dia eu gostaria que ele me visitasse. Mãe, no entanto, disse: “Vá você mesmo. É apenas a alguns passos de distância, e você pode caminhar até lá sem gastar o dobro para que ele venha aqui. Dinheiro amaldiçoado! Papini está completamente certo ao chamá-lo de "excremento do diabo". Por cinco liras, uma diferença de cinco liras, eu tive de sair de novo e me sentir mal no meio da rua. Uma mulher me acompanhou ao médico e, após o exame, o próprio médico mandou a sua empregada me acompanhar.
Eu estava muito doente e o médico disse isso abertamente, não apenas para mim, mas para a mãe – ela não havia ido ao médico, mas ele veio até ela para explicar. Ele talvez esperasse que eu seria poupada depois. Nem um pouco! Eu continuei andando pela casa, soprando como um fole, caindo de vez em quando e sofrendo uma agonia contínua. Eu não saí – foi impossível. Mas em casa era como antes. Agora, se isso é o que eu digo, minha mãe dizia bastante o contrário, mas há muitas testemunhas que afirmam que estou dizendo a verdade e ela não está. [...] Meu pai, o pobre homem, ficou com muita tristeza de me ver assim.... Acho que ele começou a morrer naquele momento, pois toda vez que ele me via doente – e meu coração agora cedia pelo menos uma vez por dia – ele perdeu completamente a cabeça. Pobre pai – quantas lágrimas derramaram sobre sua Maria, sofrida daquela maneira aos 35 anos! Ele foi o único que me amou. Jesus no céu e o pai na terra.
4 de janeiro de 1933 foi o último dia em que Maria Valtorta conseguiu sair de casa, e mesmo assim caminhando com extraordinária fadiga. A partir de então, ficou acamada pela maior parte do tempo. Ela Passou a receber em casa muitas pessoas desconhecidas que queriam saber sobre sua vida. Isso lhe causava muitos sofrimentos por ela ser tímida e reservada e também em função de seus sofrimentos físicos, pois tinha de escutar e falar constantemente. Mas, por outro lado, via uma oportunidade de continuar o seu apostolado que ela iniciou no Grupo da Ação Católica.
Em sua autobiografia, ela diz:
[Pág. 146/148] Fui à floresta de pinheiros, apoiada pelo pai. Mas tive de dar comida aos passarinhos de Deus ali mesmo, onde a madeira começava. Eu não conseguia andar. Eu não saí mais até o dia 4 de janeiro. [...] Apenas me vestir era um esforço.... Dois passos e uma pausa, outros dois e outra pausa.... As pessoas olhavam para mim.... Então – até minha mãe teve de ceder à evidência de que a pobre burrinha de carga não podia fazer caminhadas mais longas.... E desde 4 de janeiro de 1933 nunca mais saí. Eu realmente deveria ter ficado descansando por completo, mesmo em casa.... Mas não estava em repouso. Eu gostaria de acordar às sete e trabalhar a manhã toda. Então, depois de comer – ou melhor, vendo os outros comerem, para ser mais exata – eu me deitava até as 17h, quando me levantava para preparar o jantar para eles. Às segundas-feiras, as meninas que participavam da competição chegavam, e eu lhes dava lições. E eu terminei de me matar desse jeito. De vez em quando eu estava prestes a morrer de ataques cardíacos e depois me recuperava novamente. Mas eu estava cada vez mais doente.
[...] Renunciei a tudo na vida: saúde, felicidade, riqueza, alegrias da amizade, caminhadas, vistas da natureza, mas renunciei para ter tudo na outra vida. [...] Eu abandonei tudo; Eu dei o meu maior tesouro, saúde e vida humana, pois eu estou perto da morte; Abandonei pai e mãe desde que me foi negado por conta da doença ajudá-los em sua morte [isso será relatado mais a frente] e eu não posso mais servir minha mãe e cada vez mais sinto que sou uma fardo para ela – por isso sou abandonada por ela. Renunciei às filhas da minha alma [as companheiras do Grupo Jovem], sobre cuja florescência eu me inclinei com tanto amor; Eu renunciei até a minha casa desde que moro apenas entre as paredes de uma sala como uma cela enclausurada da qual nada pode me deixar sair enquanto eu viver; Já não possuo nem minhas próprias coisas, como meus queridos livros, meu piano – abandonei tudo por amor a Deus e recebi cem vezes mais por seu amor, que é voz, carinho e presença. Eu tive perseguições, pois o mundo sempre nos persegue quando nos encontra, mesmo que o infortúnio nos deixe entre os mortos; e os nossos parentes estão no mundo, para quem nós somos um fardo, e eles nos dizem isso; e os amigos que nos ridicularizam como pessoas loucas; e os médicos que nos atormentam de mil maneiras; e a estranhos que, sem saber de nada, querem se queixar de críticas impiedosas.... Tenho, então, certeza que eu possuirei a vida eterna um dia. Visto que Deus não mente, já que Cristo não pode se enganar em afirmar as coisas, uma vez que a Santíssima Trindade não pode quebrar sua palavra.
[...] E então os meses se passaram.... Eu pensei que seriam meses.... Já faz anos. Algo inconcebível então ocorreu. Eu havia andado pelas ruas até dezembro, e ninguém me procurava. Eu não era atraente porque me vestia mal, como uma mulher velha; raramente falava e era uma criatura não identificável e imperceptível. Nem mesmo meu discurso em público atraiu amizades. Somente almas foram para Deus. Nada veio a mim, uma voz fraca que falou de Deus. E, além disso, eu não desejava atenção humana, pois trabalhava somente para Ele [Jesus]. Mas, a partir de então, uma série de estranhos vieram me procurar quando eu estava confinada na minha casa. E aumentava cada vez mais, impondo-me trabalho duro em paciência e fala.... Há pouco tempo, eu quase comecei a chorar por causa disso. Eu tenho tanta necessidade de silêncio e tranquilidade. E eu sou sempre perturbada. Eu quase desmaiei de tanto ter de ouvir as pessoas, muitas vozes, e ter que responder a tantas palavras.... Mas – não importa...! Uma jovem, uma mulher mais velha da aristocracia, ainda outras.... Quem as enviou? O céu sabe! Nenhum deles era dos meus conhecidos. Eles não me tinham ouvido falar antes. Eles vieram porque disseram que queriam saber sobre mim. E começou esse pequeno apostolado que ainda continua e me custa muito em palavras e escritos.
[...] Na festa de São Lourenço, fiquei bastante doente. Um tratamento errôneo havia aumentado minha doença. A partir daquele dia, eu rapidamente piorei. Apesar de todas as minhas boas intenções em tentar agir, agora me arrastei, usando assim minhas reservas finais. [...] Eu tinha pedido sofrimento. E o sofrimento veio de toda parte. Eu me senti como um reservatório no qual as águas de muitos canais estavam sendo reunidas. Havia o canal da doença, da calúnia, indiferença, necessidade, inveja. Todos eles, todos eles. [...] Em dezembro, por outro tratamento – ainda mais errado que os outros, com base em doses de brometo adequadas para cavalos, e soros – eu tinha sido reduzida à condição de tremer como se estivesse com paralisia. Não conseguia mais escrever e, apesar de sempre ter sido dotada de uma mente tão firme, sofria de uma assustadora amnésia. A análise revelou que eu estava perdendo setenta por cento dos fosfatos.... Era então para ser remediada com outros, cada vez mais, tratamentos bárbaros. Eu tive que engolir doses pesadas de cardiazol, como é feito com lunáticos.
Enquanto isso, um jovem amigo nosso que havia me ajudado em 10 de agosto durante uma terrível crise havia se formado. Ele também queria me examinar e suspendeu todos os tratamentos tão mortais. Mas ele partiu e eu fiquei, e o médico da família insistiu. Vamos prosseguir então.
Havia até duas crises por dia. Uma agonia constante. Eu já estava na cama a maior parte do tempo, levantando-me apenas para fazer tarefas domésticas, o que nunca me pouparam enquanto eu pudesse suportar. Até o que aconteceu em 1º de abril de 1934 [data a partir da qual ela ficou acamada permanentemente]. [...] Mas devo lhe dizer – a você que é meu Pai espiritual [Padre Migliorini] – o que não disse a ninguém. Os tratamentos foram estúpidos e teriam feito qualquer um piorar. Mas eu tinha outra coisa que estava me fazendo morrer e viver apesar dos médicos.... E foi o amor.
[...] [Pág. 150] As aflições aumentaram progressivamente em número e profundidade, mas eu não mudei minha música e sempre digo: "Bendito seja a dor, a cruz e o amor".
[Pág. 151] Nove anos. Quantos ainda tenho de passar? Parece que estou perto do fim.
Como resultado de complicações de sua lesão em 1920 (o golpe da barra de ferro na coluna) e de ter contraído numerosas e terríveis doenças que lhe causavam muita dor, a partir de 1º de abril de 1934, ela não conseguiu mais sair da cama e foi forçada a permanecer nessa situação pelos 28 anos restantes de sua vida (quase metade da vida), tendo sofrido dores excruciantes.
Em sua autobiografia, ela diz:
[Pág. 155/156] Sinto que não me engano ao pensar que tudo o que ocorreu a partir de 1º de abril foi causado por minha condição especial como vítima oferecida à Justiça Divina. [...] Não sei se estou expressando minhas ideias claramente. Eu sofri. Quando eu estiver morta, deixe que saibam que os sofrimentos físicos não são nada comparados aos morais que eu experimentei. Eu digo "morais" porque o espírito não foi prejudicado. Foi empurrado e recebeu um tapa, mas não mutilado.
[...] Em maio, o que eu chamo de Torre de Babel começou. O novo médico, que cuidou de mim tão bem e me proporcionou uma considerável melhora, foi convencido por uma pessoa, um dos instrumentos do diabo, de que eu não tinha problemas cardíacos, mas manifestações da tuberculose. O médico antigo, assim que descobriu que, em sua ausência, havíamos chamado outro (acredito que ele aproveitou a oportunidade porque achou que eu estava prestes a morrer e não queria que a responsabilidade caísse sobre ele...), espalhou esse boato e, depois de ter sido amplificado pelo novo médico, assumiu credibilidade. Na verdade, um médico deve acreditar apenas em si mesmo. Mas foi assim.... Este médico não era de Viareggio. Ele veio de Florença. Em 5 de maio, após um exame cuidadoso, o habitual exame semanal – ele vinha todas as semanas – ele mudou meu tratamento.... Ele já havia mudado uma dúzia de vezes. Retirou a trinitrina e viretona e o cardiotônico. Ele queria me dar injeções de cálcio porque a tuberculose pulmonar era presente.... Tuberculose? Desde quando? Não havia aparecido em nenhuma análise e não havia nada em mim para fazer alguém assumir isso. Repito: talvez agora esteja presente. Mas nove anos atrás realmente não havia nada. Basta. Recusei as injeções de cálcio. Eu não queria injeções.... E agora eu já tinha mais de 13.000 – isso mesmo: treze mil.... Então eu tive que engolir cálcio, óleo de fígado de bacalhau, colesterol tomado por via oral, fosfatos e vitaminas.... Meu estômago virou uma pia.... [...] O resultado foi um estômago arruinado, um obstáculo à nutrição, não superabundante, mas sim menos do que o habitual, porque eu sempre tive indigestão de todas aquelas misturas que engoli, crises cardíacas mais violentas do que nunca, um aumento da febre e, finalmente, um congestionamento de primeira classe devido ao sol e ao endurecimento das minhas artérias, a ponto de ter esclerose juvenil, com a formação de aneurisma.
Mas antes de dizer o resto, farei uma observação. Se outra pessoa tivesse de encarar esse diagnóstico, teria se assustado. Eu aceitei com alegria. Ter tuberculose, e no ponto em que eu estava, segundo o médico, destinada a morrer em breve. E o que eu queria, exceto consumar meu sacrifício? Oh, tolice humana! Essa pressa minha foi covardia e egoísmo, nada mais. Covardia: sofrer muito, mas por pouco tempo. Egoísmo: parar de sofrer em breve.
[Pág. 157/160] Então chegou o verão. E, com o verão e o tratamento incorreto, congestão. Isso foi no dia 1 de agosto às 15h. Eu estava realmente no extremo. Aqui, também, o diabo começou a trabalhar adequadamente para fazer com que eu me desesperasse. Meu pai imediatamente se apressou para pedir que o médico viesse. [...] O resultado foi que ele chegou depois de duas horas de crise, quando meu sangue já estava coagulando em minhas veias. Foi minha primeira injeção, de cinco ampolas diferentes misturadas. Já houve conversa de hipodermóclise para mim, mas mais tarde foi possível evitar. Eu quase fui comemorar o Perdão de Assis no céu! Em 24 horas, tive cinco ataques angiospásticos!
Na manhã de 2 de agosto, às quatro horas, meu pároco, totalmente convencido de que eu estava morrendo, me trouxe a Comunhão. E ele permaneceu por muitas horas, e também presenciou uma consulta médica na qual – uma descoberta valiosa – eu não tinha mais coração, pulmão ou problemas circulatórios, mas um distúrbio hepático. Fígado? E quem já reparou em ter um fígado? O céu sabe! Eu tinha que ter problemas no fígado. Eu ainda estou esperando por isso depois de nove anos! Tratamento de água termal e assim por diante. [...] Uma vez que os dois descobridores do fígado tinham ido embora, eu quis outro exame. Mas eu queria sem a presença do médico da família. O professor Bianchi, um fisiologista, chegou. Ele excluiu o fígado e qualquer forma de tuberculose, principalmente pulmonar. Ele descobriu apenas isso com todo o cálcio administrado, pois havia calcificado minhas artérias. Como resultado, tratamento para descalcificação para a esclerose precoce e trinitrina e espasmosedina mais uma vez para o meu coração, lesionado ao máximo. Silêncio, descanso, o quarto ficou escuro, e assim por diante. Eu passei o verão com a janela aberta e as persianas fechadas. Ainda me lembro do raio de sol batendo na parede perto da escada.... Se penso naquele raio de sol, vejo aqueles dias novamente. Por dezessete dias eu estava mais morta do que viva. Então o êmbolo se dissolveu e eu melhorei um pouco.
Agora eu tinha que ser vigiada. Minha mãe imediatamente me abandonou ao cuidado de outras pessoas. Se eu tivesse uma filha naquele estado, com um coração que poderia ceder de um minuto para o outro, eu não a teria deixado por um instante. Ela me abandonou desde a primeira noite, durante a qual fui vigiada por uma Irmã [de caridade].
[...] O médico sustentou obstinadamente que eu tinha tuberculose ou histeria. Análise após análise.... E a tuberculose não aparecia, a fim de agradá-lo. Teste após teste para estabelecer a histeria. Mas também não queria aparecer para fazer ele feliz. E eu sofri muito.
Outra consulta com um cirurgião. "É apendicite! Deve ser operada imediatamente!" Estrondo! Em 1920, o mesmo havia dito isso e, após catorze anos, o apendicite ainda não havia aparecido. Eu ainda estou esperando por isso. E eu vivo com salada crua, ervilhas e coisas semelhantes para um intestino que, segundo o cirurgião, é quase perfurado...!
Outra consulta: "É um caso de insuficiência genital". Surpresa três vezes! eu nunca tive sofrido nesse sentido. Insuficiência, é claro! Se havia alguma coisa, seria uma tendência para super-suficiência! Mas esse tinha de ser o terreno fértil. Não havia solução. Muito confortável para os médicos cuidarem das mulheres! O que eles são incapazes de classificar por seu nome é chamado histeria, e nós cuidamos disso! Tratamento com hormônio ovariano. O resultado: meu coração permaneceu o mesmo. Uma inflamação ovariana que levou ao tumor, o que me dá tanta dor e não apenas problemas físicos.
Então, desde que eles não atingiram o alvo, senhoras e senhores, era hora de uma mudança. O fisiologista voltou mais uma vez. Devidamente trabalhado pelo médico de família – ah, inconsistência humana! – ele retomou todo o diagnóstico pouco tempo antes e considerando que ele havia me colocado para beber água fresca e sucos de frutas para o minha pressão, ele agora ordenou supernutrição; considerando que ele já havia encomendado imobilidade, sob pena de morte, ele agora ordenou que eu levantasse e fosse para a floresta de pinheiros; Considerando que ele já havia descalcificado minhas artérias com todos os nitratos possíveis, ele agora pediu cálcio novamente sem interrupção, porque havia tuberculose bilateral (Surpresa!), que, se não fosse controlada por supernutrição, ar, movimento e cálcio, me levaria ao cemitério em três meses (Surpresa! Surpresa!) em meio a tremendas hemoptises (Surpresa! Surpresa! Surpresa!).
Era 4 de setembro de 1934. Hoje é 8 de abril de 1943 [1943 é o ano em que ela escreveu sua autobiografia, a pedido do Padre Migliorini]. Comi cada vez menos, não conseguia respirar, exceto pelo que entrava pela janela, não me mexi, não ingeri cálcio, e eu estou aqui – esperando.... Eu tinha de me mover, mas nenhum dos três consultores se comprometeu a me levar na ambulância para fazer o raio-X.... Eles sabiam que ao me mover arriscava morrer, ou pelo menos precipitava a morte. Em resumo, alguém me deu álcool por via das dúvidas; outro vinho branco diluído em água; um administrou doses pesadas de cafeína e outro proibiu o café; alguém me alimentou em excesso, provocando crise após crise, e outro me colocou de dieta em água e suco de frutas .... O suficiente para enlouquecer qualquer um!
Finalmente, veio um professor que era nosso amigo. "Por que, quem lhe deu todas essas coisas?" ele exclamou ao ver a farmácia que eu tinha na minha mesa de cabeceira. "Mas eles são loucos! Eu jogaria tudo isso no meio da rua". Um exame, e a exclusão completa de tuberculose. Uma miocardite grave, definitivamente, e agora uma inflamação ovariana. Cama, repouso completo, ingestão de alimentos nutritivos, mas muito limitada, injeções cardiotônicas e tudo. "E depois procurarei o médico que você precisa". E ele o encontrou. Este é meu médico atual, [Dr. Lamberto Lapi] que me trata há oito anos e meio e quem, se não um gênio curando todas as doenças, é pelo menos um bom psicólogo que entende as causas dos males. E isso já é bastante para um paciente, principalmente para certos pacientes!
Com relação à minha recuperação.... Ele afirma há vários anos: “Não podemos fazer nada neste caso. Estamos diante de forças mais fortes que a medicina, que impedem o menor alívio da condição da paciente, assim como eles impedem sua morte, pois, em termos humanos, ela deveria ter morrido anos atrás, por causa da violência das doenças que a atormentavam e dos tolos tratamentos aplicados desde o início. Não sou um crente convencido, mas me rendo à evidência de um milagre: um milagre ainda maior que o de uma cura. Eu não fiz nada. Eu apenas acompanho a doença da melhor maneira possível, porque sinto que, mesmo que cumprisse o impossível, colidiria com uma vontade que anularia todos os meus esforços”. Que bom que ele entendeu! Mas os outros – aqueles que estavam apenas "passando" digamos, como os consultores – também chegaram à mesma conclusão. “Se você acredita, vá para Lourdes ou Loreto. Aqui a mão de Deus está presente, e somente Ele pode curar”.
Tem sido frequentemente proposto que eu vá a Lourdes ou Loreto. Meu pároco desde o início também sugeriu me acompanhar lá de graça. Mas, embora grato a ele, eu recusei. O primeiro de tudo, como já escrevi, seria uma inconsistência séria. O que foi doado não é pedido. Em segundo lugar, renunciei à graça da saúde que me pode ser concedida a favor de outra criatura doente que não se resigna à enfermidade. Toda vez que há uma peregrinação de pacientes ou uma novena solene, como as de Nossa Senhora de Lourdes, São José, Santo Antônio e outros, digo ao Senhor: “Se eu fosse, se lhe perguntasse, Bondade Infinita, também me traria de volta à saúde. Mas peço e suplico que, em vez disso, dê a outra pessoa a saúde, ou pelo menos o alívio da agonia, que você me daria. Deve outro aproveitar e louvar. Existem tantos pais e mães de família que estão doentes e são necessários para seus filhos! Cure um deles! Existem tantos pacientes que desesperam por estar assim: cure um deles! Basta que haja outra criatura que te ama e abençoa, e eu estou contente, muito mais do que se eu ficasse bem ou minha agonia diminuísse".
[...] Oh, eu estou tão feliz quando sofro muito, muito...! Minha missão é sofrer. Toda vez que a compaixão dos médicos pensa em um remédio e toda vez que a compaixão dos fiéis profere orações pela minha melhoria, uma deterioração mais séria e um sofrimento mais agudo é observado. [...] Tudo, tudo tem sua razão na criação, e tudo tem sua missão, dada pelo Criador. Eu tenho a minha: sofrer, expiar, amar. Sofrer por aqueles que são incapazes de sofrer, expiar por aqueles que são incapazes de expiar, amar por aqueles que são incapazes de amar. Eu não penso em mim. Digo ao bom Senhor: "Confio em ti!" e é tudo o que eu digo a ele. [...] Não peço nem morte nem vida. Morrer agora ou daqui a dez anos me deixa indiferente. Nem mesmo o pensamento de que a morte abrirá a Vida para mim é capaz de me fazer pedir a Deus que apresse-se a me imolar completamente. Quero apenas uma coisa: "fazer a vontade dele" – fora isso, nenhuma paz....
[Pág. 160] Enquanto eu preparava a farinha de rosca para dar aos pombos, pela segunda vez durante a manhã, ouvi uma voz sussurrando: “Lembre-se de que o que você escreve é material que permanecerá, e no qual as pessoas procurarão reconstruir sua vida. Veja, então, e reflita sobre o que você diz para não diminuir nem aumentar a si mesma.” [a voz refere-se à autobiografia que ela estava escrevendo] Esta manhã também, nas primeiras horas do dia, enquanto eu estava ocupada com minhas coisas, a mesma ideia foi articulada em mim. Muitas vezes acontece que inspirações, conselhos e vozes soam no meu coração exatamente quando eu estou ocupada em coisas muito distantes do reino do espírito. É improvável que eu os ouça quando estou orando, mas enquanto escrevo, leio, trabalho, como, brinco com meus animais ou falo com alguém, uma palavra brilha na minha alma.... Talvez seja devido ao fato de que, o que quer que eu faça, meu eu mais profundo está sempre fixo em um só lugar, e nada pode separá-lo de sua vida, que é Deus. Eu não sei. Eu acho que é assim.
Na primeira vez não prestei atenção a essa ideia. Na segunda vez pensei sobre isso e concluí da seguinte forma: “Seja lá o que alguém possa pensar, ao me examinar, sinto que não fiz nada além de escrever meus pensamentos mais verdadeiros e profundos e narrar meus maus e bons momentos, tal como aconteceu. Eu farei o mesmo até o fim. Se ao narrar eu tiver que me diminuir, não me importo. Se eu tiver que dar às pessoas uma opinião melhor de mim mesma, isso não me interessa. Seria apenas uma maior glória para Deus, que é capaz de atrair um prodígio da graça do nada. No que diz respeito ao pensamento de que em meus escritos, a posteridade poderá, no futuro, procurar reconstruir um retrato perfeito de mim, eu lhe digo que isso não me perturba. Quando isso ocorrer, não serei mais uma criatura humana, mas um espírito. Como espírito, e espero que como espírito no Reino de Deus não haverá perigo de orgulho sendo despertado.
Nos céus, esta planta feia não cria raízes. Como resultado, essa perspectiva não me exalta nem me deprime. Se quem fala é o meu Deus, vê que eu estou dizendo a verdade sobre tudo, incluindo este último pensamento. Se quem fala é o Inimigo, então ele pode salvar seu fôlego: nenhuma das suas presunções de louvor irá para minha cabeça. Você [Padre] pode ter certeza disso. Eu estou muito consciente da minha indigência passada e do meu nada presente.
[Pág. 161] Minha mãe tinha o monopólio das doenças.... Meu pai e eu não tínhamos direito de ficar doentes. Era assim que ela pensava. Mas Deus mostrou a ela o contrário. Aconteceu que aquele carvalho que era meu pai desmoronou em três dias e eu permaneci doente toda a vida. Ela é a única saudável. Em suma, vendo que eu não melhorava e que, depois de ter sido excessivamente servida por mim, ela agora tinha de me servir e isso a deixou furiosa. Pobre pai! Quanta incivilidade, quanta negligência! Ele teve de passar seus últimos meses de vida condenado a comer carne cozida e fatiada, café e leite – acostumado como ele era a guloseimas e, acima de tudo, aos bolos, que eu sempre fiz para ele que ele gostava tanto como se fosse uma grande criança. [...] Quando eu era criança e fiquei doente, minha mãe era um pouco mais “maternal” para mim. Mas agora, desde que fiquei doente, esse milagre não ocorreu mais. Eu sou simplesmente um fardo...! Pobre pai! E pobre de mim! Quanta indiferença! Quantos atos de descaso, resmungo e abandono! Meu pai ficava bravo ao vê-la, por exemplo, ocupada e preocupada em regar as flores ou dobrar a roupa em vez de vir para minha cama quando uma crise me fazia vacilar entre a vida e a morte. À noite ela ia para o segundo andar para dormir, muitas vezes sem nem me dar um beijo e dizer boa noite...! se eu morresse à noite – ela não estaria lá.
Em dezembro – 18 de dezembro – como resultado de insistir teimosamente em permanecer vestida com roupas de verão a mãe pegou pneumonia brônquica. Céus acima! Três amigas, duas irmãs, o médico e uma empregada de meio período não eram suficientes para ela.... Eu fiquei sozinha por dias inteiros, porque ela mantinha todos ocupados.
Na noite do dia 25, o pai, que alguns dias antes havia tido um ligeira hemorragia na vesícula, teve um pequeno derrame. Ele estava entrando no meu quarto com uma bacia cheia de água.... O vi cambalear e se tornar cianótico, e sua boca se torceu. Desafiando a paralisia cardíaca, eu agarrei-o e guiei-o para um assento ao meu lado. Ele então melhorou, e quando o médico e a pessoa que cuidava de mim à noite (dormindo) veio, ele foi capaz de ir sozinho para o quarto. Mas imagine o que eu sofri por permanecer lá, impotente e sozinha – pois estávamos sempre sozinhos das 17 às 22 horas – com o pai doente.
Em 2 de fevereiro de 1935, além das três enfermidades principais que Maria Valtorta já possuía (miocardite, tumor ovariano e lesão espinhal), ela sofreu uma terrível crise cardíaca e, a partir de então, começou a sofrer de perda parcial da motricidade. Era uma forma de paralisia progressiva lenta, mas inexorável em seu curso. Com a intensificação das dores crônicas, os médicos lhe aplicaram várias injeções de morfina durante dois anos, o que só causaram a piora da sua condição, em especial, na parte psicológica.
Em 24 de maio de 1935, um ano depois de estar acamada, Martha Diciotti, que se tornou órfã de mãe, foi morar com Maria Valtorta e ajudou a cuidar dela. Martha Diciotti nasceu em Lucca, em 1910. Ela viveu ao lado de Maria Valtorta e com amor ajudou-a de 1935 até a morte dela em 12 de outubro de 1961.
Em 30 de junho de 1935, depois de já vir definhando a bastante tempo, o pai de Maria Valtorta morre solitário, em casa, sem qualquer assistência ou companhia da esposa. Ela ficou muito abalada mentalmente por causa disso por meses. Ela amava muito o pai e ficou profundamente triste por ele ter morrido sem qualquer amparo de sua mãe. Ainda por cima, não deixaram que ela se despedisse dele na hora extrema de sua morte, e não permitiram que o visse depois de morto. Alegaram que ela estava muito debilitada para suportar o sofrimento. Isso não a convenceu de forma nenhuma, porque ela preferia ter morrido com ele.
Em janeiro de 1939, ela se compadeceu com o pai de uma criança doente de quatorze meses que estava já em fase terminal – uma forma de infecção pulmonar, degenerada em gangrena pulmonar. Ela fez uma oferta a Deus para tomar sobre si a doença da criança, desde que houvesse a cura e o pai não duvidasse de Deus. O pedido foi atendido e a criança ficou curada. Então ela, a partir desse momento, contraiu a mesma doença que a criança tinha, a pleurisia. Mas sabendo que “a caridade cobre um multidão de pecados”, ela ficou feliz com isso.
Em sua autobiografia, ela diz:
Voltei para a cama porque meu coração estava pulando e minhas pernas dobrando. Não por medo, mas de exaustão. Agora eu sabia o suficiente, no entanto. Eu sempre quis saber a verdade. E para dizer a verdade. A paresia iniciada no abdome inferior se espalhou pouco a pouco para muitos outros órgãos e, de tempos em tempos, dá sinais de paralisar os outros. Quando sobe, é a cabeça que é afetada; quando desce, o tórax. É mais doloroso porque, de acordo com a forma que atinge o centro bulbar, ocasiona cegueira ou surdez ou comprometimento da fala, deglutição, respiração, digestão, filtração renal, escrita .... Uma mina de problemas. Foi então que fiz um pacto solene com Jesus para resgatar uma alma para cada crise. Eu tinha feito isso antes informalmente. E como eu ficava feliz se tivesse muitas crises por dia. Naquela época eu tinha apenas dores cardíacas e espinhais e uma tensão com o calor, como se eu tivesse um incêndio dentro de onde o tumor estava se formando.
Na Páscoa, por causa de uma terrível crise causada por minha incorrigível mãe, fiquei muitos dias com os braços e a garganta paralisados. Sofri moralmente com o grau máximo possível. E eu não era amada...! Apenas meu pai me amava. A mãe me alimentou com tanta má vontade que preferia que me deixasse morrer de fome. Eu estava deitada em uma mesa porque minhas vértebras estavam muito inflamadas. Eu tinha uma forma estranha de sonolência delirante.... Eu tive de sofrer tratamentos que eram detestáveis para mim.... E o diabo estava soprando por dentro.... Eu senti que a guerra estava chegando.... Eu sabia que o pai estava morrendo.... [...] Nesse meio tempo, a dor abdominal aumentou e, como resultado, houve outros exames, o que confirmou cada vez mais a existência do tumor. Mas eles não chegaram a uma conclusão, pois quando chegou a hora de fazer algo, todos os médicos se retiraram por medo do estado de meu coração.
[Pág. 163] Eu me fiz um calendário de sofrimento. Todo dia eu oferecia minhas aflições por uma determinada classe de pessoas e para reparar alguma coisa em especial. Na segunda-feira eu fiz reparação por violações da lei de Deus e da Igreja, por justiça e para obter uma morte santa para aqueles em agonia. Na terça-feira por abusos e desprezo da palavra de Deus, por resistência à graça e para as almas no purgatório. E assim por diante. No sábado, quando ofereci e sofri por confissões sacrílegas e pecados dos sentidos, acrescentei a intenção de resgatar mulheres perdidas. [...] Talvez a sugestão/tentação demoníaca também tenha funcionado intensamente em mim. Oh, isso me atormentou em todos as maneiras! Só eu sei o quanto isso me atormentou! E por anos! Foi algo estranho. Minha alma permaneceu sempre a mesma: unida a Deus, em paz, em sede de sacrifício. A oração era minha alegria; Eu desejava os sacramentos mais do que o próprio ar. Mas minha carne estava louca. Produziu um efeito, pela vontade de não saber quem, se é o Altíssimo ou o Mais Baixo, como se eu estivesse dividida em duas. Deus reinou sobre o meu espírito; na parte material Lúcifer mordeu, incitou, perturbou – e às vezes curvada na lama. Então o espírito e a carne foram reunidos, e seguiu-se a angústia de ter sido fraca.... [...] Sofri, repito, de uma maneira desumana. Às vezes ainda me pergunto como isso poderia acontecer em uma alma totalmente doada a Deus. Eu acho que Deus quis assim me manter humilde para que eu não me exaltasse ou acreditasse ser perfeita.
[Pág. 166/167] Martha [Martha Diciotti, a cuidadora de Maria Valtorta] veio a nós em 24 de maio de 1935. Imediatamente depois, meu pai começou a não se sentir muito bem continuamente. [...] Oh, meu pai, pobre pai, que só tinha a mim para amá-lo e não me teve por perto nos seus últimos dias e na hora extrema! [Maria Valtorta foi impedida de companhá-lo na hora da morte e de vê-lo, mesmo depois de morto]
[...] Junho chegou. Tive então os primeiros ataques de peritonite crônica, com o aparecimento do vólvulo. Entre outras coisas, fiquei tão agitada com vários exames internos, que eu tinha feito sem sucesso, que eu fiquei fora de mim. Eu sempre me lembrarei que um dia eu repeli até o pai, que queria me acalmar.... ainda vejo seu olhar doloroso de surpresa – e eu não gostaria de merecer esse olhar.... [...] E os dias se passaram.... Os dias 15, 16 e assim por diante.... Cada vez mais doente, o pai ainda se arrastava – indo até St. Paolino, até a floresta de pinheiros e vice-versa.... Ele deve ter sofrido terrivelmente. Eu sei como é sofrer de cálculo renal, cistite e hemorragias na vesícula.... é como estar cheia de ácido sulfúrico. Sofri vendo-o sofrer e com minha dor cada vez mais espasmódica. Eles estavam me dando morfina por meses. Mas com o único benefício de relaxar meus nervos, duros com as contrações tetânicas. A dor não foi reduzida, mas, pelo contrário, minha sensibilidade se tornou afiada. Não sei se estou sendo clara. O que eu quero dizer é que esse sentido, sempre sonolento em mim, sofreu um reavivamento produzido pela droga. Eu via apenas monstros, tinha apenas náuseas intensas e delírios próprios de alguém envenenado com narcóticos e sensibilidade mórbida. Quem afirmou que o ópio, a morfina e substâncias semelhantes dão visões, frenesis calmos e apazigua a hiperexcitabilidade dos sentidos? Que enganador! Eles devem ser depravados a gostar daquele paraíso de monstros e rostos estranhos...! Eu nunca senti nada, além dos efeitos horríveis da morfina, na medida em que, tomando-a dia após dia, após dois anos de luta entre o médico, que queria administrá-la, e eu, que não a queria, venci e nunca mais ele administrou isso. [...] Após dois anos de injeções – incluindo duplas – de morfina, eu as proibi por mim mesma e não senti nenhuma necessidade delas. [...] Aqui também, quem diz que morfina não pode ser retirada quando alguém está habituado a ela? Que mentiras! Bastava querer eliminá-la. Se não fosse mais encontrado nas farmácias, as pessoas ainda se dariam bem, o que você acha [Padre] ? É tudo uma questão de querer.
[Pág. 168/170] Às 2 da manhã do dia 30 de junho, um grito alto lançado pelo pai – "Mãe!" – fez todos acordarem. E esse foi o fim. Ele sentiu a morte chegando e chamou a esposa, que ele sempre chamava de "Mãe". E ela não estava lá. Ah meu Deus! Meu Deus, que hoje me deu um verdadeiro dia de paixão, Você deveria atender o meu desejo, as minhas necessidades, apenas por causa do que me custa perdoar, em Seu nome, minha mãe por ter deixado meu pai morrer tão sozinho...! Fui tomada por uma crise cardíaca que me levou ao limiar do futuro. Por quê eu não morri junto com o pai? Por quê? O médico, apressando-se, me manteve viva à força de injeções. Não sou grata a ele por isso, pois não sou grata a ele por não me deixar ver o pai vivo ou morto, com a desculpa de que eu poderia ter morrido. [...] Eu pairava entre a vida e a morte durante todo o dia 30 de junho. Fiz todos os preparativos para o funeral, apesar disso. Mãe não podia fazer nada além de fazer cenas tolas de amor tardio. Mas eu não sei o que aconteceu em mim. Eu certamente me aproximei da loucura e permaneci nesse estado por meses. Meu pároco sempre diz isso. [...] Agora eu estava sozinha, sozinha. Você entende [Padre]? Sozinha. Não havia mais ninguém na terra. No céu, Deus e meu pai.
[...] Eu vivi dias tremendos. Às vezes eu era lúcida e equilibrada, capaz de dar instruções, ditar epígrafes e assim por diante. Às vezes eu ficava louca. Eu parecia que tinha dois corpos, duas mentes em um único corpo. E eu não sabia mais qual era o meu. Meu pai! Talvez se eu o tivesse visto, eu teria avaliado melhor a situação. Mas desse jeito.... Ai de mim se eu ouvisse movimento no quarto do papai! Eu vivi sem comer. Duas ou três ameixas e um frasco de soro fisiológico foram minhas refeições diárias. E, infelizmente, eles serviram para me manter viva. Disseram-me que o pai, após a morte, havia recuperado toda sua antiga beleza masculina, porque meu pai era bonito. Disseram-me que, mesmo quarenta e oito horas depois, ele estava livre de toda a aparência de um cadáver. Eu acredito nisso. Ele era um homem justo. E, quem vive como uma pessoa justa, na morte recupera a beleza e uma imunidade especial e majestosa. Mas eu não o vi! É uma espada rasgando meu coração. Eu cuidei de mil pessoas morrendo e as acompanhei na morte – mas não meu pai. Nós dois na mesma casa, e não lhe disse adeus vivo ou morto. Basta! Basta! Se eu continuar mais, vou enlouquecer de novo.
Você tirou tudo de mim, ó Deus! Você quis reinar como um absoluto soberano e fez para Si um trono sobre meu coração trespassado. Você expôs esse meu pobre coração, adornado com tantas feridas – aos seus pés.... Um coração pobre nunca encontrando alguma paz na terra... Quanto me sacrifica, o amor pelo meu Deus! Mas nenhum sacrifício se compara à perda do meu pai dessa maneira.... Quase oito anos se passaram, mas minha dor é a mesma – e não consigo ouvir alguém chamar "pai" ou ver uma criança nos braços de seu pai sem sentir meu coração sendo esmagado sob o peso da saudade do meu pai.... Como eu entendo Teresinha [Santa Teresinha do Menino Jesus] quando ela fala do pai dela! Para mim também, papai era tudo – ele era o "rei". Um rei justo e amoroso que sabia tudo e providenciava consolo para tudo.... E para ele eu era a pequena rainha, ou melhor, uma imperatriz, e bastante despótica, já que, com ele, compensava o que não poderia ter em outro lugar. Pra mim ele representava todas as perfeições de beleza, bondade, inteligência e amor.... [...] Com o pai morto, minha mãe, agora a dona da casa completa, tornou-se totalmente despótica. [...] Agora não havia mais controle, e a mãe se impôs sem restrições para Martha, eu, e todo mundo.... Uma verdadeira lunática! Ela realizou atos mais cruéis e tolos por conta própria nos últimos oito anos que um hospital psiquiátrico inteiro. Até a boa Irmã que cuidava do meu mim e meu pai teve de intervir porque minha mãe me acusava continuamente com o insulto de que eu não sofri pela morte do pai...! E eu estava quase louca de tristeza! Garanto-lhe que Martha e eu fomos bastante atormentadas.
[Pág. 172] Não havia mais horários fixos para as refeições, dormir – nada. Caos. Tudo dependia dos caprichos e do humor da mãe. Um dia comemos às dez e outro às três; uma manhã nós acordávamos às quatro e outra às oito. Um dia comíamos três vezes e no outro apenas uma vez, talvez sem sopa, apenas pão e um pouco de queijo.... Um verdadeiro hospício! E se fossem apenas excentricidades desse tipo, quem teria se importado! Mas havia coisas piores. De vez em quando, sem motivo, havia longos silêncios, como meu pai os chamava – isto é, o tremendo humor sombrio em que ela não falava, mesmo que a casa estivesse pegando fogo. O começo e o fim desses "longos silêncios" foram marcados por cenas injustas e violentas.... Basta pensar como era a nossa vida.... A mãe sempre sofreu mania de perseguição: "Ele é meu inimigo"; "Ela quer me matar"; "Sim, eles estão tentando me fazer cair, adoecer, me envenenar [e assim por diante] para me matar...." Agora, essa mania havia atingido um pico de febre e eu era a Inimiga por excelência (de acordo com ela). [...] É verdade que a mãe me censurava continuamente pelo que eu lhe custava. Mas o que posso fazer sobre isto? Se Deus me mantém viva, certamente não posso acabar comigo mesma para não gastar o dinheiro dela.
[Pág. 173] Em resumo, tudo pertencia à mãe, e eu dependia da caridade dela. Então, depois de me amaldiçoar, ela saiu e, apesar de o fato de o médico e o padre informarem que eu estava oscilando entre a vida e a morte, não veio me ver por oito dias. Em 10 de dezembro, fui tomada por um delírio que quatro pessoas não conseguiram me segurar.... E então – isso a trouxe lá para o andar de baixo. Mas a camisa de força deveria ter sido colocada nela, eu lhe garanto. Naquele dia meu sangue, comprimindo por muito tempo no meu coração, transbordou em meus pulmões com tanta violência que um saco de sangue se formou no meu pulmão direito. Levou meses para reabsorvê-lo.
E esta foi minha mãe após a morte do pai. Assim mesmo. Você sabe quantas vezes eu a ouvi dizer: “Ah, se eu estivesse livre! Ah, se ao menos essa história chegasse ao fim! Fora com Martha [a cuidadora de Maria Valtorta], fora com todos! Me deixando sozinha para fazer o que eu quiser!” Sim, eu sou um fardo para a mãe. E o meu amor por Jesus é necessário para que eu a ame, apesar de ela me dizer diretamente quanto de carga eu sou para ela. São perversões morais que somente alguém que testemunhasse por conta própria acreditaria. É por isso que tremo pensando em perder o médico também, que agora está convencido sobre como vivemos na minha casa.... Essa é uma calamidade que ninguém nunca experimentou, Padre. Onde somos amados, tudo o mais é suportável, e uma pessoa amada doente nunca é infeliz. Mas não sou amada, sou rejeitada e declarada como “um fardo” por minha mãe.... “Olhe e veja: existe alguma tristeza como a minha...? ”
[Pág. 175/176] Quando alguém não me ama, não é grato a mim, meu coração sofre, mas não de egoísmo, a decepção de não ser correspondida. Mas sofre por ver seus companheiros degradando-se em malícia inútil. Por que sofro tanto ao ver minha mãe tão má? Não por minha causa, pois daqui a pouco estarei protegida de toda a sua malevolência. Mas por conta da inutilidade disso para ela. Quando penso em como ela será deixada sozinha assim que eu não estiver mais aqui sofro terrivelmente.... Não posso forçar ninguém a morar com minha mãe. Ninguém poderia, já que ninguém que a conhece a ama e tem vontade de morar com ela. Mas este é um golpe de faca no meu coração.... Como sofri ao ver as pessoas observando o pai definhando, sofri até mais profundamente ao ouvir como as pessoas julgam minha mãe. Eu daria tudo para que eles não percebessem que ela é tão inutilmente perversa. E, mesmo ao custo de morrer depois de ter bebido o último cálice de dor, eu gostaria de morrer depois dela para ter certeza de que ela seria cuidada até o fim e amada até o fim pela única capaz de amá-la: por mim. [a mãe dela terminou morrendo primeiro, em 4 de outubro de 1943]
Sim, por causa de minha mãe, sofro por mim e por ela. E ela não acredita nisso. Entre os que ajudei, ela é certamente a mais ingrata de todas. Mas isso não destrói o meu amor por ela. Se meu coração suar sangue também, esmagado como é por sua maneira de agir, eu sou capaz de transformar esse suor em um bálsamo para amá-la mais e servi-la em mil necessidades. Deus me pagará no céu. Outras pessoas que eu ajudei também foram ingratas. Mas isso dói menos porque elas eram estranhas. Outros nem disseram "obrigado" para mim. Mas eles não são culpados porque não sabiam que eu os tinha ajudado. Eu rio quando penso: "Essa pessoa não imagina que eu, uma pobre mulher, dei-lhe tanto!
[...] Em janeiro de 1939, dei a um pai desesperado a fé e a filha dele. Ele era um jovem pai de uma menina muito delicada de catorze meses. [...] Essa menina ficou gravemente doente no início de 1939. A doença, uma forma de infecção pulmonar, degenerada em gangrena pulmonar. A criança estava morrendo. Um mês de doença consumiu sua tenra força. Numa noite, agora condenada pelos médicos e consultores, o pobre anjinho foi realmente ao extremo. Era esperado que ela morresse à noite. O pai, em desespero, veio até nós para pegar algodão e não sei mais o quê. Era domingo à noite e as farmácias estavam fechadas, exceto as da rua Regia. Aquele pobre pai não queria ir muito longe de sua pequena filha moribunda. Ele estava realmente desesperado. Ele orou, tinha altares acesos, enviou ofertas para quem sabe quantos santuários. Agora, diante da inutilidade de suas orações, vendo sua pequena em agonia, ele sentiu a fé morrendo em seu coração. O momento em que dizemos a nós mesmos: "É inútil orar!" é tremendo. É preciso experimentar para poder entender. Eu experimentei. Eu sei o que significa não ter mais esperança. É um horror que, para impedir as almas de experimentá-lo, voluntariamente dou a minha vida.
Naquela noite, depois que o pai havia saído – a quem eu tinha falado palavras de conforto que nada resolveram, pois a criança estava em um ponto em que não tinha volta –, eu queria salvar uma alma da morte espiritual. Não se desespera a morte da alma? E que morte! Eu fiz uma oferta a Deus, então, para tomar sobre si a doença da criança, desde que ela ficasse bem e seu pai não duvidasse de Deus, pois mesmo duvidar é uma tortura indescritível. E a criança ficou curada. "Um milagre, um milagre", todos disseram. O milagre era ela ter sido substituída por uma pobre criatura que não queria que a alma desse pai morresse em desespero. Não só a pequena Anna Maria melhorou, mas ela não teve mais problemas nos pulmões, que haviam sido reduzidos a uma peneira por uma doença tão intensa e longa. E desde então, desde aquela noite, tenho pleurisia. Aquela criança, agora com cinco anos, chegou a me ver alguns dias atrás, e ao beijá-la eu pensei: "Você é mais minha que da sua mãe, pois eu lhe dei uma vida mais robusta".
[Pág. 176] Eu estou morrendo. Também estou morrendo dessa doença também [a pleurisia]. Mas o que isso importa? Estou cheia de defeitos. Mas o que isso importa? Já estive ainda pior. Mas o que isso importa? A caridade cobre um multidão de pecados.
Também no ano de 1939 inicia a Terceira Guerra mundial, tendo a Itália, país de Maria Valtorta, participado ativamente do conflito.
Sua mãe ficou muito doente e Maria Valtorta teve muitas pioras em seu estado de saúde, mas isso não prejudicou o seu apostolado.
Em sua autobiografia, ela diz:
Não tive mais nem o mínimo de calma que eu tinha antes, me alimentei até menos e pior do que o normal para ficar dentro do dinheiro que a mãe me dava, enquanto, no entanto, para ela mantinha a sua escolha de carnes, vinhos encorpados, frutas da estação e refrescantes bebidas, e ter de ficar o tempo todo com meus ouvidos atentos para saber se ela estava bem à noite, sendo repreendida ainda mais do que o habitual, e ouvindo Martha sempre ser repreendida, e a ansiedade de vê-la doente foram tantos golpes no meu organismo já danificado. Desde então, piorei como nunca antes em quase dez anos. Às já doenças existentes, outras foram adicionadas: neurite com dor espasmódica, tão intensa que eu implorei ao médico para me deixar morrer. Eu fui tão longe a ponto de passar uma tintura muito forte de iodo sobre todo o meu rosto que entorpeceu o nervo trigêmeo, o que me deu dores enlouquecedoras. Dores que eu não pude aliviar com nenhum analgésico por causa do estado do meu coração. À neurite juntou-se uma paquimeningite que me deixou entorpecida como se eu tivesse sido mumificada. Ao mínimo movimento, era forçada a uivar. Meus rins quebraram, e a cistite crônica foi complicada por pielocistite que culminou em hemorragias renais e vesicais. A peritonite aumentou, produzindo os fenômenos de oclusão intestinal. A pleurisia aumentou no lado direito, onde aderências dolorosas se formaram. No muito frio dezembro de 1940, quando Martha teve de ficar ausente por alguns dias e fiquei sem garrafas de água quente e aquecimento, uma congestão pulmonar piorou cada vez mais nas inúmeras recaídas que eu tive desde então. Que lista bonita! Mas é minha.... linha de trabalho....
[Pág. 185] A doença me isolou em casa, é verdade. Mas não atrapalhou o meu pequeno apostolado. Enquanto quisermos, podemos realizar um trabalho apostólico por amor a Deus. Paciência na doença já é em si um apostolado.
O monsenhor Romualdo M. Migliorini, dos Servos de Maria, um padre missionário, visitou Maria Valtorta e tornou-se o Diretor Espiritual dela pelos próximos 4 anos. Depois desse tempo ele foi substituído pelo Padre Corrado M. Berti da Ordem dos Servos de Maria, Professor da Faculdade de Teologia “Marianum” de Roma.
No início de 1943, quando Maria Valtorta estava acamada há 9 anos (desde 1934), seu diretor espiritual, o padre Migliorini, pediu a ela que escrevesse sua autobiografia. Sem ver utilidade nisso, Maria Valtorta hesitou, mas cedeu em escrever a sua vida. Ela, de fato, não poderia deixar de atende-lo, pois tinha feito votos de obediência à Igreja e, por isso, o pedido, na verdade, seria uma ordem inspirada por Deus. Em cerca de 2 meses (de fevereiro a abril de 1943), ela conclui a autobiografia tendo produzido várias centenas de páginas manuscritas para seu diretor espiritual (conf. nota 163 de Notebook 1945-1950).
Na conclusão de sua autobiografia, ela diz:
[Pág. 189/190] Padre [pe. Migliorini], eu terminei. Um escritor francês diz que toda vida que se afasta da rotina “é um sonho de juventude se tornando realidade em uma idade madura". Posso afirmar que, na minha maturidade, tenho de fato realizado o sonho místico de minha juventude. Essa realização foi longa e dolorosa; Passei por lentidão e eclipses. Mas as plantas que crescem mais saudavelmente em altura e idade são aquelas que, antes de expandir triunfante em direção ao céu, trabalham profundamente nos estratos da terra. [...] Eu não procurei escrever uma obra literária. Anotei meus pensamentos exatamente como eles vieram para mim, desvendando-os do meu coração, sem preocupação em poli-los e organizá-los dentro de um modelo de perfeição literária. Essas são palavras do meu coração, não do meu cérebro. [...] Você [Padre] me permitiu falar de você para tantas criaturas que você me confiou, e também agradeço por isso, meu Deus. Por essas criaturas, por todos aqueles que amei, conheci, e guiei, e para aqueles que têm laços de sangue comigo ou apenas irmandade humana, tenho orado e sofri, ó Deus, para que todos possam entrar, esperando em sua misericórdia, creio que devo entrar também: em seu Reino eterno. Mesmo agora, enquanto eu morro, oro por eles e mais uma vez te ofereço minha vida. Preserve-os, Pai, do perigo de Te perder, esse é o único Bem verdadeiro. Eu ore por eles, Senhor, e por todas as pobres almas que não sabem mais onde deve ser encontrado o Caminho certo, a Vida verdadeira, e a Luz eterna. [...] E pelo meu sacrifício secreto de cada minuto, ó Pai, conceda-me multidões de almas para Te oferecer.
[Pág. 192-Appendix] Desde que tenho servido a Jesus como instrumento, não tenho lido mais nada. Desde 20 de março de 1946, Pe. Migliorini teve a lista dos livros que eu possuía e os que comprei. Para resumir, com tive uma mãe exigente e que fez oposição às minhas práticas religiosas e tendo concluído meus estudos, posso afirmar que não tive fontes humanas para saber o que estou escrevendo e, mesmo escrevendo, muitas vezes não sou capaz de compreender.
Jesus revelou a ela posteriormente que ele mesmo, de fato, inspirou o Pe. Migliorini a fazer esse pedido, conforme segue:
Notebooks 1943, pág. 74, 25/06/1943:
Jesus diz: [...] Quando eu inspirei o Pe. Migliorini a pedir sua pequena autobiografia, eu o fiz porque sabia que isso faria bem a você. Ao escrever, você expulsou toda a amargura, todo o veneno e todo o fermento que a vida depositou em você. Você se limpou disso. Você precisava dizer a você mesma tudo o que sofreu e contar isso a um coração Cristão. É isso que a consola enquanto você é um ser humano. Você precisava, por assim dizer, fazer algum tipo de contabilidade espiritual para ver o que você deu a Deus e recebeu de Deus, o que você deu aos homens e recebeu dos homens. [...] É por isso que eu queria que você passasse por esse teste doloroso também. Você sofreu enquanto lembrava e escrevia, mas sua alma se despiu de tanta humanidade que obstruiu sua evolução de ser uma criatura muito humana para ser uma criatura espiritual. Você agiu como uma borboleta saindo de um casulo: a cerca que prendia seu espírito caiu como uma coisa morta, e sua alma abriu suas asas.
Na manhã da Sexta-feira Santa, em 23 de abril de 1943, após concluir sua autobiografia, ela, do quarto, chamou Martha Diciotti e disse que algo extraordinário havia acontecido: uma voz repentina falou com ela pedindo-lhe para escrever, e então mostrou a Martha os ditados escritos (os primeiros ditados de Jesus). Martha ligou para o padre Migliorini e contou sobre isso. O padre Migliorini veio imediatamente e pediu para Valtorta escrever todas as mensagens e ditados de Jesus que ela recebesse e lhe prestou apoio fornecendo cadernos em branco e datilografando os seus manuscritos.
Depois disso, a partir de 23 de abril de 1943, Valtorta escreveu quase todos os dias até 1947, e de forma intermitente nos anos seguintes até 1951. Ela usava uma caneta-tinteiro e, como estava acamada, escrevia apoiando o caderno em uma placa sobre os joelhos, que ela mesma tinha cuidadosamente forrado com pano, adicionando um bolso interno onde guardava o caderno durante as pausas. Ela não preparou esboços ou rascunhos, nem sabia o que escreveria de um dia para o outro e não relia para corrigir. Às vezes, ligava para Martha e pedia para ler o que havia escrito. Após o Padre Migliorini datilografar, ela revisava para saber se estava de acordo com o que tinha escrito.
Em 4 de outubro de 1943 morre Iside Fioravanzi, a mãe de Maria Valtorta. Jesus a consolou da seguinte maneira nos dias que precederam e no dia da morte:
Notebooks 1943, pág. 156, 12/08/1943:
Jesus diz: [...] Deixe-me agir, então. Agir ao máximo. Daqui a pouco serei seu pai e sua mãe, além de ser seu irmão e cônjuge. Você não terá nada além de Mim daqui a pouco. Venha. O golpe é duro, mas seja informada sobre isso e seja generosa. Deixe-me agir. Eu não faço nada que não tenha o sinal do amor. Seja como um cordeiro recém-nascido em minhas mãos como um bom pastor. E se o seu pastor deixa você comer essa grama amarga, mesmo isso, é porque Ele quer lhe dar um lugar mais bonito em seu coração. E não tenha medo. Eu te ajudarei. Eu sempre te ajudo; você sabe disso.
Notebooks 1943, pág. 237, 02-03/10/1943:
Jesus diz [em resposta à lamentação de MV]: “Peço apenas que sua cabeça seja coroada de dor e que seu coração trespassado esteja em minhas mãos. “Eu nunca deixo de cumprir minhas promessas. Estou com você e nem lhe digo "não chore", mas, em vez disso, digo: "Chore nos meus braços". Há tristezas que exigem lágrimas, e eu não impeço o que é justo. Sempre. Chore e ouça. As lágrimas secarão no calor das minhas palavras. “É verdade que você tem o que eu não tive – ou seja, a distância de sua mãe. Mas considere, minha filha, que você não é inocente e que ela não é inocente. Minha mãe e eu fomos unidos e divididos na morte. Eu te disse que me ver, no alto da cruz, foi agonia após agonia para a minha mãe. E nós éramos inocentes!
“Seu sofrimento e o sofrimento de sua mãe não são sem propósito, Maria. Você acha que seu Jesus pode fazer algo inútil? Pode surgir em você a suspeita de que Ele, que ama você tanto e ama sua mãe – pois ela também é filha da minha redenção – pode dar dores sem um santo propósito? Não Maria. Você não me pediu para mostrar toda a misericórdia à alma da sua mãe? Saiba agora que o sofrimento dela na terra, nesta longa doença, é para diminuir a expiação no outro mundo; saiba que seu sofrimento tem o mesmo propósito. [...] “Ela nunca disse "obrigado" a você nesta terra com sua boca mortal. Mas pense na sua alegria futura, quando a alma imortal de sua mãe se juntar a você e dirá: "Obrigado a você, Maria, pela verdadeira vida que você me deu. "Será como se sua mãe tivesse nascido de você e por toda a eternidade. Deixe seu coração em minhas mãos. Eu gostaria de poder ter todos os seus pobres, fracos, doentes, corações feridos e dolorosos para fortalecê-los, sará-los, curá-los e consolá-los.
Notebooks 1943, pág. 238, 04/10/1943:
Jesus diz: [...] “Somente Deus, justo e santo, em uma hora de dor como esta pode fazer você escrever palavras como aquelas que você escreverá. Só Deus. E eu sou ele. [...] "Ela não disse "obrigado" para você. Mas eu digo isso por ela. E agora ela já está dizendo isso para você, pois minha Luz iluminou horizontes para ela que sua humanidade lhe ocultava. "Filha, não chore. O resto virá mais tarde. Continue orando e sofrendo por ela. E tenha esperança em Mim. “Vá em paz, alma fiel. Eu não abandono você. Você está em meus braços, que são mais doces que de todas as mães”.
Após concluir sua autobiografia em 1943, Valtorta viria a produzir mais de 15.000 páginas manuscritas em 122 cadernos (de 1943 a 1951).
Ainda no ano de 1943, ela escreveu vários cadernos que foram agrupados em uma obra chamada “NOTEBOOKS 1943” (415 páginas). Esses notebooks contém em sua maior parte os ensinamentos e ditados de Jesus, e em sua menor parte alguns pensamentos e reflexões da própria Maria Valtorta (como um complemento de sua autobiografia), alguns ensinamentos de Nossa Senhora, de Deus Pai, do Espírito Santo e um único ensinamento do Apóstolo João. Esses “ditados” referem-se a discursos, ensinamentos ou explicações de passagens bíblicas de Jesus que ele a mandava escrever. Eles são um guia para o nosso próprio crescimento espiritual e incluem conselhos sobre o amor e o sofrimento, confiança em Jesus, oração e sacrifício e preparação para os tempos difíceis. Muitas vezes eles eram dirigidos à própria Maria Valtorta. Há trechos, inclusive, que são compreensíveis apenas para quem leu a autobiografia, por ser, de certa forma, uma continuação, uma explicação ou complemento dela.
Algumas vezes, ela ficava exausta devido às doenças que sofria e não conseguia acompanhar escrevendo tudo o que Jesus ditava, mas ele, pacientemente, repetia tudo em outro momento. O próprio Jesus, conf. pág. 161 dos Notebooks 1943, instruiu Maria Valtorta a organizar os cadernos da seguinte forma:
Jesus diz: “Seus escritos devem ser lidos da seguinte maneira. “A parte que é sua terá o valor informativo usual para a curiosidade do homem, que sempre quer sondar os segredos das almas. "A parte que é minha e a qual deve ser separada da sua terá valor formativo, pois a voz do Evangelho é encontrada nela, e essa voz sempre tem valor para a formação da espiritualidade, de qualquer forma que ela vier.
As revelações de Maria Valtorta escritas após a autobiografia, pertencem a uma categoria de literatura mística bastante comum chamada de "revelações privadas". Como a Igreja orienta, os cristãos não são obrigados a acreditar nessas revelações, mas seu valor deve ser medido por sua capacidade de instruir e inflamar almas, estimulando-as a amar mais a Deus e aplicar os ensinamentos divinos nas suas vidas cotidianas (vide item 66 do catecismo da Igreja Católica).
É bom registrar também que ela escreveu a maior parte de sua obras num ambiente bastante difícil de conflito armado mundial. Foi durante a “Segunda Guerra Mundial”, que ocorreu no período de 1939 e 1945, tendo a Itália participado ativamente desse conflito. Ao ler suas obras, é comum vê-la citar frequentes disparos de sirenes de alerta, ataques aéreos, mortes e bombardeios.
Em 24 de dezembro de 1944, Valtorta retornou de Sant’Andrea di Compito para a sua casa em Viareggio. Compito é a localidade onde ela se refugiou no período de 24 de abril a 23 de dezembro de 1944 para se proteger da guerra. O governo havia determinado a evacuação da cidade de Viareggio por conta dos intensos bombardeios. Isso causou-lhe grande tristeza e sofrimento por ter ficado longe de casa, dos parentes, vizinhos e amigos (conf. Notebook 1945/1950, 10/02/1946).
Entre 25 a 31 de março de 1944, ingressou na Terceira Ordem dos Servos de Maria e adquiriu o hábito (o uniforme dos membros) (conf. Notebook 1945/1950, 10/02/1946). Essa Ordem é formada por um grupo de cristãos que, vivendo e atuando na sociedade, querem pautar a sua vida segundo a espiritualidade da Ordem religiosa à qual estão ligados e segundo os ensinamentos do Evangelho de Jesus Cristo, guiados pelos irmãos da mesma Ordem e que tem como característica principal a devoção à Mãe de Deus. Essas fraternidades leigas são conhecidas geralmente pelo nome de “Ordens Terceiras". As mais conhecidas são as dos Franciscanos, Dominicanos, Agostinianos, Mercedários e Servos de Maria. Desde as origens da Ordem dos Servos de Maria (1233), sempre houve pessoas e casais que pediam para compartilhar de alguma maneira a espiritualidade da Ordem. Alguns leigos foram admitidos em comunidades da Ordem como “Oblatos”, segundo o costume beneditino que recebiam leigos em seus mosteiros. A maioria dos que compartilhavam a espiritualidade dos Servos de Maria continuava vivendo em suas casas, cumprindo os deveres familiares e exercendo suas funções na sociedade e no mundo do trabalho do seu tempo.
Nos Notebooks de 1944, há os seguintes relatos sobre o vínculo dela com a Terceira Ordem dos Servos de Maria:
Agradeço a Jesus e a sua Mãe, que lhe disseram isso, e obrigado por ter entendido. É fútil agora. Venho dizendo desde o último ano que Nossa Senhora das Dores sempre agiu com tolerância em relação a mim. Ela queria que eu fosse guiada por um filho dela [o Padre Migliorini]
[Pág. 405, edição em espanhol] Ao receber a Santa Comunhão, Jesus me disse:
«Quero que todos os ditados e visões que lhe concedo pertençam à Ordem dos Servas de Maria. Quero que a Ordem os use para seu próprio bem e para a pregação. Quero que a Ordem o defenda, proteja e ajude. Se você estivesse sozinha, seria oprimida por escarnecedores, caluniadores, aqueles que abrigam o ódio, pois há muitos deles. Por esse motivo Eu predispus a você ter contatos com esta Ordem, da qual você queria se retirar, até o ponto de você quase ser forçada a pertencer a ela [de fato, ela era uma terciária dessa ordem]. A natureza e a missão da Ordem dos Servos de Maria estão de acordo com a sua natureza e com a missão para a qual eu queria chamá-la.
[Pág. 433, edição em espanhol] Por causa disso, no sábado eu estava exausta e à noite eu caí num torpor que só terminou ao amanhecer em relação à letargia absoluta, mas que, como atordoamento, durou quase até as 8 da manhã de domingo. E é por isso que eu não pude fazer nada. Me desculpe, porque desde que eu sou Servita [Ou seja, Terciário da Ordem dos Servos de Maria, também chamados de Servitas] eu nunca parei de fazer companhia à Virgem Dolorosa.
Há também a seguinte referência no Livro de Azarias (1946-1947, 26/05/1946), pág. 96/97:
E a Mãe Puríssima [Nossa Senhora] me responde:
[...] Meu filho colocou você sob a proteção dos Servos de Maria [Maria Valtorta foi Terciária na Ordem dos Servos de Maria] – e não posso explicar as razões para você por enquanto – porque você não pode ficar sozinha, minha filha, com o seu grande Tesouro. O Eterno também me deu a proteção que uma esposa possui [São José] – não para fecundar [No sentido de que, sendo Nossa Senhora noiva de Deus, fecundá-la correspondia somente a Deus], mas necessária para a tutela – quando o Tesouro do Céu e do Mundo estava prestes a descer até Mim.
Minha Divina Maternidade poderia muito bem ter sido cumprida mesmo sem José. Mas, por causa do escândalo de uma mulher solteira gerando uma criança e para não dar sinais àquele incansável escrutinador de almas que é Satanás e, finalmente, por causa da necessidade que uma criança tem de um pai e protetor, a Santíssima Sabedoria impôs meu marido sobre mim. Todas as razões acima mencionadas foram iluminadas para mim a partir do momento em que o Espírito Santo se infundiu em mim, tornando-me a mãe. Eu então entendi a justiça de meu casamento, que até então eu havia aceitado por obediência.
Pois então, minha filha, Jesus deu proteção a você também. Essa proteção! Não pergunte por que essa e não outra. Isso equivaleria a querer perguntar por que o décimo segundo apóstolo era Judas Iscariotes e não um dos santos e humildes pastores, por exemplo. Bem, eu te recebi sob o manto negro de um Servita [numa aparição de Nossa Senhora ela aparece a Maria Valtorta vestida de roupa de Servita, cuja cor é preta] [...] para te fazer sentir a plena proteção da Rainha da Ordem e dos filhos desta Ordem, que, por uma vida perfeita, estão comigo no céu. Eu te atraí para mim, junto ao meu Coração, protegida pelo meu manto [...]
Escreveu várias anotações que foram agrupadas na obra intitulada NOTEBOOKS 1944, a qual aborda os seguintes assuntos:
Durante o mesmo ano de 1944, Maria Valtorta começou a receber também, paralelamente e de forma intermitente, visões e ditados sobre diversos episódios da vida de Jesus descritas no Evangelho. Conforme orientado por Jesus, ela deveria destacar essas visões e ditados e incluir em um obra a parte, o que se prolongaria nos anos seguintes até a conclusão final do trabalho principal no ano de 1947, que fora intitulado “O EVANGELHO COMO ME FOI REVELADO”.
Escreveu várias anotações que se estenderam até 1950 e que foram agrupadas na obra intitulada NOTEBOOKS 1945/1950, a qual aborda os seguintes assuntos:
Além disso, durante o mesmo ano de 1945, ela continuou a receber visões e ditados sobre diversos episódios da vida de Jesus descritas no Evangelho para incluir na obra principal “O EVANGELHO COMO ME FOI REVELADO”.
No período de 1946 a 1947 escreveu “O LIVRO DE AZARIAS”, continuando a receber, concomitantemente, visões e ditados para incluir em “O EVANGELHO COMO ME FOI REVELADO”. “O Livro de Azarias” contém diversas lições, instruções e conselhos de Azarias, seu Anjo da Guarda, que toma como referência as liturgias das 58 missas encontradas no Missal Romano da Igreja Católica anterior ao Concílio Vaticano II de 1965. Maria Valtorta chamava essa obra de “Missas Angelicais”, com o subtítulo "Direções".
Em 27/04/1947 ela concluiu finalmente a sua obra principal “O Evangelho como Me foi Revelado”, iniciada no início de 1944. É extraordinário notar que essa obra monumental foi escrita em pouco mais de 3 anos, num total de 2.389 páginas e dividida em 10 volumes (conforme a publicação do Centro Editoriale Valtortiano, 2014 - versão em Inglês).
A obra principal constitui cerca de dois terços de todos o trabalho de Maria Valtorta e contém um relato mais detalhado da vida de Jesus, desde o nascimento até sua ascensão ao céu. As visões também descrevem as jornadas de Jesus por toda a Terra Santa, suas conversas com os moradores locais, com os doutores da lei, os discípulos e os apóstolos. Posteriormente à conclusão da obra, Maria Valtorta ainda incluiu alguns capítulos adicionais, que abordam questões como a eleição do apóstolo Matias (o substituto de Judas Iscariotes), a descida do Espírito Santos sobre os apóstolos no dia de Pentecostes e o martírio de Estevam. Também inclui a visão sobre a gloriosa assunção de Nossa Senhora ao céu.
A obra de Maria Valtorta contém visões que cobrem aproximadamente 500 dias do total de 1.200 referentes à vida pública de Jesus (3 anos e 4 meses), ou seja, 42% do total. Ela descreve em detalhes 179 milagres, dos quais apenas 30 são mencionados nos Evangelhos canônicos; e 97 parábolas na íntegra, enquanto os Evangelhos canônicos apresentam apenas 39 parábolas resumidas. (conf. Stephen Austin)
A obra contém 647 visões da vida de Nosso Senhor e Nossa Senhora. Muitos especialistas verificaram que o texto não contém erros significativos, confusões, enganos, contradições, também não há uma única pessoa, local ou coisa fora do lugar, embora inclua mais de 500 personalidades, mais de 350 locais nomeados individualmente, 950 citações bíblicas e referências a 40 livros do Antigo Testamento nos discursos de Jesus, um arranjo cronológico consistente das passagens dos Evangelhos canônicos (uma tarefa difícil de realizar!) e uma vasta quantidade de informações detalhadas sobre clima, agricultura, história, astronomia, cartografia, geologia, topografia, geografia, mineralogia, arqueologia, que permitiram a vários especialistas conferirem a precisão com grande espanto. (conf. Stephen Austin)
Conf. conf. Stephen Austin (pág. 73), o Padre Kevin Robinson escreveu muitos comentários excelentes sobre a Obra de Maria Valtorta. Aqui está um trecho de alguns de seus escritos:
Além disso, 166 visões descritas por Maria Valtorta lhe foram mostradas fora de ordem cronológica, ou seja, 26% dos capítulos. Seus cadernos eram datados a cada dia, mas sua escrita não estava em sequência, já que alguns dos últimos capítulos de “O Evangelho como me foi revelado” foram escritos primeiro. Mas ao final do trabalho, quando eles foram inseridos na ordem correta (seguindo a orientação expressa do próprio Jesus), apresentaram uma sequência contínua de eventos sem qualquer inconsistência de pessoa, local ou distância necessária para viajar de um local a outro. E o trabalho envolve mais de 500 pessoas citadas nominalmente, mais de 350 locais e cerca de 2.500km percorridos ao longo da Palestina. Essa é uma das muitas provas substanciais da origem sobrenatural de suas revelações. (conf. Stephen Austin)
“O Evangelho como me foi revelado” é a revelação mais longa, mais vívida e mais real da vida de Nosso Senhor e de Nossa Senhora já dada à Igreja. Aproximadamente 98,5% de todas as passagens do Evangelho nas Escrituras canonizadas que relatam a vida de Jesus e Maria foram descritas em detalhes sem precedentes, além de uma abundância de eventos anteriormente não registrados. Seus outros escritos (especialmente os Notebooks) também mostram muitas visões de eventos ocorridos no início da Igreja, após a morte de Jesus. (conf. Stephen Austin)
As páginas manuscritas por Maria Valtorta chamam a atenção pelo fato de não incluírem sobrescrições, correções (exceto pequenas correções) ou revisões. Os manuscritos originais podem ser verificados para comprovar que não há correções relevantes – agindo, assim, como testemunhas mudas desse feito. E o mais surpreendente de tudo é que esta obra monumental não consta apenas de 30, mas de 652 capítulos!
Outra característica da obra é que ela se assemelha muito a textos ditados por outra pessoa, o que condiz com os ditados de Jesus. Os leitores geralmente ficam impressionados com o fato de as frases atribuídas a Jesus nas visões terem um tom e um estilo distintos e reconhecíveis, diferentes de outros textos de origem da própria escritora [como sua autobiografia]. O fato de ela ter sofrido imensamente de doenças cardíacas e pulmonares graves durante o período das visões também não causou inconsistências ou prejudicou o fluxo natural do texto. (conf. Stephen Austin, pág. 308)
Dado que ela nunca deixou a Itália e ficou acamada durante a maior parte de sua vida (de 1934 a 1961 - 27 anos), os escritos de Maria Valtorta refletem um conhecimento surpreendente da Terra Santa. Um geólogo, Vittorio Tredici, afirmou que seu conhecimento detalhado dos aspectos topográficos, geológicos e mineralógicos da Palestina parece inexplicável. Um arqueólogo bíblico, padre Dreyfus, observou que o trabalho inclui os nomes de várias cidades pequenas que estão ausentes do Antigo e do Novo Testamento e são conhecidos apenas por alguns especialistas.
O que é particularmente extraordinário é que ela não tinha o estudo e o aprendizado necessário para saber tantas coisas; ela esteve acamada a maior parte de sua vida, bem como durante todo o período em que escreveu as revelações. E mesmo assim ela escreveu cerca de 15.000 páginas manuscritas em pouco mais de 3 anos (apenas considerando a obra “O Evangelho como me foi revelado”], em meio a várias doenças crônicas e tendo ao seu lado, para fins de consulta, apenas o Catecismo da Igreja Católica e uma Bíblia comum. (conf. Stephen Austin)
Pesquisas foram feitas em 8.000 dados de seus escritos em uma ampla variedade de campos científicos, e constatou-se que eles correspondem à precisão de 99,6% em relação aos dados oficiais conhecidos. (conf. Stephen Austin, pág. 16)
Pelo menos 28 bispos aprovaram, endossaram ou elogiaram “O Evangelho como me foi revelado” (bispos que representam 11 países diferentes). Pode-se citar alguns: Papa Pio XII (segundo testemunhas); 24 Clérigos ou Doutores extremamente cultos em Teologia/Divindade/Direito Canônico; 4 Cardeais; 7 Membros ou Consultores do Santo Ofício / Congregação para o Causas dos Santos; 14 Arcebispos; 7 Santos/Beatos/Veneráveis/Servos de Deus; 10 Bispos Regulares e 28 Professores Universitários. (conf. Stephen Austin, pág. 14)São Padre Pio e pelo menos duas filhas espirituais dele aprovaram a obra de Maria Valtorta (segundo testemunhas). Em 1967 (um ano antes da morte do Padre Pio), uma filha espiritual de longa data, a senhora Elisa Lucchi, perguntou-lhe na confissão: “Padre, ouvi falar dos livros de Maria Valtorta. Você me aconselha a lê-los? ” O Santo Padre Pio respondeu: “Não te aconselho – ordeno!” Esta citação é extraída de uma carta de 7 de janeiro de 1989, ao Dr. Emilio Pisani (o editor e publicador das obras de Maria Valtorta) e que foi escrita por Rosi Giordani, também filha espiritual do próprio São Padre Pio. O livro “Padre Pio e Maria Valtorta” contém esta carta na íntegra e também relata várias experiências místicas documentadas que Maria Valtorta teve com São Padre Pio enquanto ambos estavam vivos [vale lembrar que ambos eram italianos. Padre Pio viveu entre 1887 e 1968 e Maria Valtorta entre 1897 e 1961]. (conf. Stephen Austin, pág. 64)
Um dos eclesiásticos mais notáveis que elogiou os escritos de Maria Valtorta foi o Pe. Gabriel Roschini, O.S.M. (ordenado em 1924). Pe. Gabriel Roschini era um mariologista de renome mundial, Professor e fundador da Pontifícia Faculdade de Teologia Mariana em Roma em 1950 sob o pontificado do papa Pio XII, professor da Universidade Pontifícia Lateranense e consultor do Santo Ofício e a Sagrada Congregação para as Causas dos Santos. Durante o pontificado do Papa Pio XII, ele trabalhou em estreita colaboração com o Vaticano em publicações marianas. Ele é considerado por muitos como um dos maiores mariologistas do século XX, foi muito estimado por todos os papas durante sua vida (especialmente o Papa Pio XII), e foi frequentemente referido pelo Papa João Paulo II como um dos maiores Mariologistas que já viveram. (conf. Stephen Austin, pág. 16)
Pe. Roschini também conheceu Maria Valtorta pessoalmente, mas admitiu que, como muitos outros, ele era um cético em relação ao trabalho dela. Mas depois de estudar cuidadosamente os escritos, ele sofreu uma mudança radical e entusiástica de espírito, declarando depois que Valtorta era “um dos dezoito maiores místicos de todos os tempos”. Em seu último livro de 395 páginas, “A Virgem Maria nos Escritos de Maria Valtorta”, que ele disse ser o seu livro mais importante, declarou que a Mariologia encontrada nos escritos de Maria Valtorta excede a soma total de tudo o que ele leu, estudou e ele próprio publicou (e ele publicou mais de 790 artigos e escritos diversos, e 130 dos quais 66 tinham mais de 200 páginas – quase todas em Mariologia). (conf. Stephen Austin)
O Pe. Roschini escreveu: ... a doutrina mariana nesta obra é exata; o que é inegável. Mas, também é inegável que Maria Valtorta nunca leu um tratado mariológico. Ela nunca fez cursos ou aulas sobre o assunto, nem havia um mariólogo para sugerir o que ela escreveu sobre a Santíssima Virgem. (conf. Stephen Austin, pág. 239)
Maria Valtorta a princípio relutou em publicar seus cadernos, mas a conselho de seus padres, o padre Romualdo Migliorini e Corrado Berti, da Ordem dos Servos de Maria, concordou em publicar as obras em 1947. (conf. Wikipédia)
No primeiro semestre de 1947, o Pe. Berti apresentou a primeira cópia da obra ao Papa Pio XII. Em 26 de fevereiro de 1948, o Papa recebeu os padres Migliorini e Berti, junto com seu prior, Pe. Andrea Checchin, em audiência especial, conforme relatado no L"Osservatore Romano do dia seguinte, o jornal do Vaticano. (conf. Wikipédia). Confiante na aprovação verbal do Papa Pio XII, o padre Berti em 1948 ofereceu o “Evangelho como me foi relevado” (na época com o nome de “Poema do Homem-Deus”) à Imprensa do Vaticano, que, entretanto, não o publicou. Em vez disso, em 1949, o Santo Ofício convocou o Padre Berti e ordenou-lhe que entregasse todas as cópias e prometesse não publicar a obra. Padre Berti entregou suas cópias datilografadas, mas devolveu o texto manuscrito original a Maria Valtorta. (conf. Wikipédia)
O trabalho mais tarde recebeu a atenção do bispo canadense, Roman Danylak, que em sua aposentadoria na Itália começou a apoiar as alegações de uma série de indivíduos de que eles haviam recebido visões de Jesus e Maria (incluindo as aparições de Garabandal e um suposto milagre em Naju, Coreia). De acordo com Danylak (escrevendo décadas após o evento), os editores da primeira edição do livro de Valtorta não haviam submetido a obra à aprovação eclesiástica prévia. (conf. Wikipédia)
Em 1950, Maria Valtorta assinou um contrato com o editor Emilio Pisani, que entre 1956 e 1959 imprimiu o trabalho em quatro volumes, o primeiro deles intitulado "O Poema de Jesus" e nas outras impressões mudou o nome para "O Poema do Homem-Deus" – em referência a Jesus, o Homem-Deus (conf. Wikipédia).
No período entre 1948 e 1950, ao mesmo tempo em que escrevia os NOTEBOOKS 1945/1950 e adicionava episódios posteriores à Ascensão de Jesus ao Céu à sua obra principal “O Evangelho como me foi revelado”, Valtorta também escreveu a obra chamada “Lições da Epístola de São Paulo aos Romanos”. Essa é a última das obras "essenciais" de Maria Valtorta e é dividida em duas partes:
As lições dessa obra contêm ensinamentos belíssimos e bem profundos, podendo-se destacar:
Em 1951, concluiu finalmente a adição de episódios posteriores à Ascensão de Jesus à sua obra principal “O Evangelho como me foi revelado”.
Publicou-se a primeira edição de “O poema do Homem-Deus” [o primeiro nome dado à obra “O Evangelho como me foi revelado”] (conf. Stephen Austin).
Em 6 de janeiro de 1960, o Santo Ofício incluiu a primeira edição da obra “O Poema do Homem-Deus” no Índice de Livros Proibidos do Vaticano. O jornal do Vaticano L"Osservatore Romano, em um artigo para aquele dia, justificou a condenação acima mencionada, não por erros doutrinários, mas pelo crime de desobediência (por não ter sido aprovada previamente a sua publicação pelo Santo Ofício). (conf. Stephen Austin)
O Índice dos Livros Proibidos (Index Librorum Prohibitorum), era uma lista de publicações consideradas heréticas, anticlericais ou lascivas e proibidas pela Igreja Católica. A primeira versão do Index foi promulgada pelo Papa Paulo IV em 1559 e revista pelo Concílio de Trento. A última edição do índice foi publicada em 1948 e o Index só foi abolido pela Igreja Católica em 1966 pelo Papa Paulo VI. Nessa lista estavam livros que iam contra os dogmas e a doutrina da Igreja Católica ou que continham conteúdos tidos como impróprios e, deste modo, tinha o objetivo de prevenir o desvio dos fiéis católicos. (conf. Wikipédia)
O objetivo do Índice inicialmente era reagir contra o avanço do protestantismo, ficando sob a administração da Inquisição ou Santo Ofício. (conf. Wikipédia)
Para fomentar a prudência nas leituras, o Magistério eclesiástico continua a dar importância a esse tema, mesmo após a abolição do Índice. Nesse sentido, o Código de Direito Canônico, no cânon 823 § 1, estabelece que os bispos devem zelar pelos fiéis no que concerne às leituras. (conf. Wikipédia)
O Direito Canônico recomenda que os trabalhos sobre a Sagrada Escritura, Teologia, Direito Canônico, História da Igreja e quaisquer escritos que dizem respeito especialmente à religião ou aos bons costumes sejam submetidos à autoridade local da Igreja. Se a autoridade local der o nihil obstat ("nada impede"), obtem-se o imprimatur ("deixe-se imprimir"). (conf. Wikipédia)
Em determinados momentos da história, obras de cientistas, filósofos, enciclopedistas ou pensadores como Galileu Galilei, Nicolau Copérnico, Giordano Bruno, Nicolau Maquiavel, Erasmo de Roterdão, Baruch de Espinosa, John Locke, Berkeley, Denis Diderot, Blaise Pascal, Thomas Hobbes, René Descartes, Rousseau, Montesquieu, David Hume ou Immanuel Kant foram incluídas no Índice de Livros Proibidos da Igreja Católica, tendo, algumas dessas obras, sido removidas posteriormente. (conf. Wikipédia)
O professor de História da Religião e Filosofia da Universidade Estadual de Campinas André Barroso explica que, apesar da abolição do Index, a Igreja Católica sempre considera algumas publicações perigosas. Para elas, o clero emite um "admonitum", ou advertência sobre os riscos da obra. Isto aconteceu, por exemplo, com ‘O Código Da Vinci’, romance de Dan Brown que cria uma fantasiosa imagem do Opus Dei, lançado em 2003 e com os livros do personagem Harry Potter, de J. K. Rowling, acusados de promover a bruxaria entre as crianças. (conf. Wikipédia)
Entre 1923 e 1931, até o Santo Padre Pio foi atingido com 5 decretos de condenação pelo Santo Ofício que foram revertidos posteriormente. O Papa Pio XI, que reverteu a proibição de Padre Pio, declarou: "Eu não fui mal disposto em relação a Padre Pio, mas fui mal informado". Os escritos de Santa Faustina Kowalska foram colocados no Índice de Livros Proibidos antes de ser canonizada mais tarde. De fato, os escritos da Divina Misericórdia de Santa Faustina foram colocados no Índice de Livros Proibidos no mesmo dia que os escritos de Maria Valtorta, e os primeiros foram justificados pelo Papa João Paulo II. Até as obras de São Tomás de Aquino foram condenadas em 18 de janeiro de 1277 pelo papa João XXI, e a condenação posteriormente anulada. A Venerável Cidade Mística de Deus de Maria de Agreda foi examinada por catorze anos e depois colocada no Índice de Livros Proibidos por 3 meses, antes de mais tarde ser reivindicada pelo Papa Clemente XI, que proibia estritamente a Cidade Mística de Deus de ser incluída no Índice de Livros Proibidos novamente em dois decretos de 5 de junho de 1705 e 26 de setembro de 1713. A Cidade Mística de Deus foi ainda reivindicada por dois papas do século passado que chegaram ao ponto de dar uma bênção apostólica aos leitores e promotores do livro Místico Cidade de Deus, muito em contraste com as ações da Hierarquia que uma vez colocaram essa obra no Índice de Livros Proibidos. Durante o pontificado do Papa Leão XIII, o pontífice revisou o Índice de Livros Proibidos e derrubou cerca de 1.000 (mil) livros dessa lista. (conf. Stephen Austin)
Maria Valtorta morre em 12 de outubro de 1961 em Viareggio. É interessante ressaltar que Jesus prometeu a ela uma grande recompensa em seus últimos anos de vida, em retribuição aos trabalhos realizados. Ela seria agraciada de forma abundante com uma vida contemplativa e de muita e paz espiritual, o que de fato ocorreu, conforme abaixo destacado:
Notebooks 1944 (pág. 378, 12/09/1944, ed. em Espanhol):
[Jesus diz:] Se você pudesse ver o quanto o Céu está admirando o seu trabalho!... Ah! Quão feliz você será quando perceber que está no meu mundo para sempre e que chegou do mundo pobre sem nem perceber, passando de uma visão para a realidade, como uma garotinha que sonha com sua mãe e, quando acorda, se vê nos braços maternos! Então assim vai ser. Seja gentil, paciente, caridosa e não tenha medo.
NOTA DO EDITOR N. 669: Essas palavras adquirem um valor profético, se levarmos em conta que Maria Valtorta morreu após alguns anos de gradual e crescente isolamento psíquico, o que a levou a se retirar por completo do mundo exterior, como se totalmente absorvida por sua vida interior. Assim, quando ela morreu, ela passou de uma visão contemplada para uma realidade que viveria para sempre.
Notebooks 1945-1950 (pág. 248/249, 16/03/1947):
[Maria Valtorta diz:] Alguns dias atrás, também, e precisamente em 14 de março, meu aniversário de cinquenta anos – depois de receber a visão em que Jesus, dirigindo-se a Jerusalém, foi cantando salmos, assim como os peregrinos de Israel faziam – como eu estava dizendo a mim mesma: “Como vou sentir falta dessas músicas depois que o Evangelho estiver terminado! Que saudades do cântico perfeito de Jesus – e de seu semblante quando Ele fala com a multidão ou com seus amigos!” Ele apareceu para mim, dizendo:
Oh, é impossível descrever a maravilha disso!
NOTA DO EDITOR N. 313: Essas expressões, adornadas com imagens bíblicas (Cântico dos Cânticos 2: 10-17), se tornam impressionantes se lembrarmos que Maria Valtorta passou os últimos anos de sua vida terrena em um estado progressivo de apatia suave e misterioso isolamento psicológico.
Com permissão eclesiástica, seus restos mortais foram transferidos de Viareggio para Florença para a Capela do Grande Claustro da Basílica della Santissima Annunziata di Firenze (uma das mais bonitas igrejas da Itália, especialmente a parte interior). Escrito em seu túmulo estão as seguintes palavras: "MARIA VALTORTA - TERTII ORDINIS SERVORUM SANCTAE MARIAE SODALIS - HOSTIA DEO GRATA - DIVINARUM RERUM SCRIPTRIX", que significa: “MARIA VALTORTA - MEMBRO DA ORDEM TERCEIRA DOS SERVOS DE MARIA - UM SACRIFÍCIO AGRADÁVEL A DEUS - ESCRITORA DAS COISAS DIVINAS”.
O Padre Gabriel M. Roschini presidiu os serviços no "enterro privilegiado" de Maria Valtorta e a transferência de seus restos mortais para Florença. O Padre Roschini, mariólogo respeitado e professor fundador do Pontifício Instituto Marianum em Roma e assessor da Congregação para a Doutrina da Fé, estudou os escritos de Valtorta e declarou: "No trabalho dela, nos encontramos diante de um efeito que parece estar além de sua causa”.
A casa da Via Antonio Fratti, 257, em Viareggio, onde todas as suas revelações foram escritas, foi comprada pela editora de "O Evangelho como me foi revelado" e foi preservada intacta, podendo ser visitada com hora marcada em Viareggio, Itália.
A tradução em Inglês de “O Evangelho como me foi revelado” estreou nos Estados Unidos em 1986. Desde que foi publicado pela primeira vez em 1956, foi traduzido em mais de 30 idiomas, tornando Voltorta declaradamente a escritora italiana mais lida em várias línguas em todo o mundo. (conf. Stephen Austin)
Por ocasião do 50º aniversário da morte de Maria Valtorta, o Arcebispo Núncio Monsenhor Apostólico Pier Giacomo De Nicolò, Núncio Papal em vários países, fez uma homilia na Basílica da Anunciação em Florença, Itália, onde Maria Valtorta está sepultada, em 15 de outubro de 2011. O vídeo da homilia está disponível no seguinte endereço:
Trata-se de um vídeo de 40 minutos que mostra:
Na homilia, deve-se notar o quanto esse Delegado Apostólico aprova a vida e os escritos de Maria Valtorta, bem como os comentários perspicazes que ele faz sobre sua vida, a divulgação de suas obras e os bons frutos que produziram em incontáveis almas. (conf. Stephen Austin)
Transcrição da Homilia do Delegado Apostólico (extraído do trabalho de Stephen Austin, mas também pode ser consultado no endereço http://www.valtorta.org.au/Newsletters/MVRG_Bulletin_066.doc) (conf. Stephen Austin, pág. 77/79):
Queridos fiéis e amigos,
Nossa resposta dócil e humilde ao impulso envolvente do Espírito do Senhor nos trouxe aqui hoje, nesta gloriosa Basílica da Santíssima Anunciação, que tem sido o coração mariano de Florença por séculos, para aprofundar nossa vocação cristã através da oração. Esta feliz ocasião é apresentada a nós no 50º aniversário do dia em que Maria Valtorta nasceu no Céu, cujo sofrimento oculto oferecido ao Divino Cônjuge trouxe à perfeição, o fruto terreno e eterno da salvação para muitas pessoas ao longo das décadas ...
... Ao realizar as reflexões mencionadas, à luz do Espírito Santo – que sempre nos foram dadas, se perguntadas com humildade pacífica e perseverante –, nossos pensamentos voltam espontaneamente a Maria Valtorta, refazendo seu caminho nessa caminhada existencial.
Nas passagens da pedagogia divina, que são particularmente eloquentes, a criatura visava alcançar uma comunhão plena e vital com seu Senhor: um instrumento, inicialmente sem valor intrínseco suficiente para uma tarefa de tão elevada importância, escolhida para uma missão de redimir a salvação. Isso superaria de longe qualquer possibilidade humana. Maria respondeu ao chamado com o esforço heróico da virtude teológica que lhe permitiu superar a noite escura da purificação, ao mesmo tempo em que possibilitou receber presentes especiais para o benefício de seu próximo. No entanto, estes são acompanhados por uma identificação crescente e definitiva com a cruz de Cristo, sob o impulso do amor genuíno, encharcado incessantemente de dor, a fim de unir-se à obra redentora de seu Jesus.
Examinando as etapas da vida desta mulher, que são ricas em consistência, coragem, força, dedicação e prudência, vítima escondida em silêncio e incompreensão, ainda não completa neste momento. Observamos apenas que seus talentos naturais não podem explicar o que ela realizou com conhecimentos gerais bastante moderados e sem meios adequados de consultar referências. Em cada estágio, a luz sempre foi sua fé; em toda dificuldade e dor, sua esperança nunca diminuiu e ela nunca desistiu. A fonte interior de sua vitalidade ascética e de sua vida mística em união com o Senhor foi a Caridade que transfigurou todos os sentimentos e aspirações humanas.
Maria alcançou um nível heróico de confiança em Deus, essa confiança amorosa que só pode abrir o coração de sua amada desejando trazer Suas graças ao coração dos homens. Inicialmente, ela ficou angustiada com a rapidez com que os homens revogam a realização da alma que o mundo não pode satisfazer. Após esse estágio, ela se tornou toda do Senhor, e mesmo na cruz, ela apreciou a felicidade porque estava agora consciente de ter Aquele que a amava com um amor absoluto, ela ansiava: o amor infinito de seu Deus, sua esposa e seu Jesus.
Foi assim que ela se tornou o “instrumento”, “os meios”, “a caneta do Senhor” como ela gostava de referir-se a si mesma. Por outro lado, ela queria permanecer escondida e desconhecida na vida – este é um inconfundível sinal da autenticidade do seu carisma – e sofreu enormemente quando as indiscrições inocentes de seu diretor espiritual a revelariam ao mundo. Ela sentiu que era totalmente a favor do Senhor, reservava todos os louvores a Ele, e todos os dias ela queria "render a Deus aquilo que é de Deus", ou seja, ela mesma completamente.
Em relação ao seu trabalho como escritora mística, é evidente que o julgamento final pertence à Igreja, embora em casos como esse, considerações feitas em nome de membros eclesiásticos qualificados referem-se predominantemente à santidade da vida: exemplos a esse respeito são bem conhecidos. E é sobre a santidade que abordamos nossa reflexão.
No entanto, o trabalho de Maria Valtorta – livre de erros de doutrina e moral como observado por vários – reconhecido por mais de meio século, uma circulação ampla e silenciosa entre os fiéis (traduzidos em cerca de 30 idiomas diferentes) de todas as classes sociais em todo o mundo e sem publicidade em particular. A grandeza, magnificência e sabedoria do conteúdo atraiu inúmeros bons frutos e conversões: mesmo as pessoas imersas no turbilhão da vida e longe da fé cristã, mas, no entanto, anseiam por entrar em contato com verdades sólidas, abriram seus corações a um encontro com o Absoluto, com Deus-Amor, e eles encontraram confirmação completa do ensino de 2.000 anos da Igreja.
A sociedade de hoje em geral está passando por uma profunda crise de fé. Parece ter voltado à origem da humanidade: a tentação de construir um mundo sem Deus é grande e, portanto, sem futuro. O Santo Padre nunca deixa de repetir: “Vivemos um tempo amplamente caracterizado por um relativismo subliminar que penetra em todas as áreas da vida ... [que] se torna agressivo quando se opõe àqueles que dizem que sabem onde está a verdade ou o significado da vida deve ser encontrado”. Por esse motivo, os fiéis são chamados a oferecer um testemunho mais autêntico e credível, tornando-se a luz do mundo.
Para alcançar esse resultado muito bom, há o exemplo admirável que Maria Valtorta deu e o apoio ainda mais sólido que ela poderá dar no futuro; e mesmo que algumas dúvidas e mal-entendidos obscuros ainda pairam nos céus Valtortianos, nós aqui presentes formaremos os prenúncios vitais de que esses serão rapidamente dissipados.
Nossa oração nesta Eucaristia também será oferecida diretamente para esse fim: será um apelo fervoroso e confiante Ad Majorem Dei Gloriam – Pela Maior Glória de Deus. Amém.
Em 2012, a versão em inglês foi oficialmente substituída pela segunda edição em inglês, num conjunto de 10 volumes e com o novo título “O Evangelho como Me Foi Revelado”. Esse nome, de fato, é mais próximo ao original dado pela própria Maria Valtorta e reflete melhor a natureza de suas revelações. O título que ela tinha escolhido era "O Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, como foi revelado ao pequeno João" (em referência ao apóstolo amado, João, como Jesus a chamava carinhosamente). A editora, entretanto, em sua primeira edição optou pelo nome “O poema do Homem-Deus”. (conf. Stephen Austin)
Em 09/10/2021, a Fundação Fondazione Erede di Maria Valtorta (https://mariavaltorta.com) realizou uma conferência em memória do sexagésimo aniversário da morte de Maria Valtorta (1961-2021). O evento contou com os seguintes palestrantes:
Na ocasião, houve testemunhas de pessoas que conviveram com Maria Valtorta e confirmaram suas virtudes. Também foi transmitido um testemunho em vídeo divulgado pelo famoso tenor italiano Andrea Bocelli, que ficou bastante admirado com os escritos de Maria Valtorta.
O vídeo da conferência, de cerca de 3hs de duração, pode ser assistido na íntegra no youtube no seguinte endereço: https://www.youtube.com/watch?v=HADJXfOBY9I. Esse vídeo, embora esteja em língua italiana, pode ser visto com legenda em português, devendo-se escolher a tradução simultânea.