“Trifão replicou. — Sabes muito bem que o nosso povo todo espera pelo Cristo. Também te concedemos que todas as passagens das Escrituras, que citaste, se referem a ele. Eu pessoalmente te declaro também que o nome de Jesus dado ao filho de Nave levou-me a ceder também nesse ponto. O que duvidamos é que o Cristo tivesse de morrer tão vergonhosamente, pois na lei se diz que é maldito aquele que morre crucificado. De modo que, por enquanto, é muito difícil para mim convencer-me disso. Que as Escrituras tenham anunciado um Cristo passível é evidente. O que desejo saber, se tiveres um argumento a demonstrar, é o fato de que ele teria que sofrer um suplício que está maldito na lei [Dt 21,23; Gl 3,13]. Eu respondi. — Se Cristo não tivesse que sofrer, se os profetas não tivessem predito que, por causa das iniqüidades do seu povo, teria de ser levado à morte, ser desonrado, açoitado, contado entre os malfeitores e levado como ovelha ao matadouro — ele, cuja origem o profeta disse que ninguém seria capaz de explicar —, haveria motivo para maravilhar-se. Contudo, se é isso que o distingue e o mostra para todo mundo, como nós também não creríamos nele com toda segurança? Todos os que ouvem as palavras dos profetas, logo que ouvem que ele foi crucificado, dirão que este é o Cristo e não outro.Trifão disse: — Instrui-nos sobre isso através das Escrituras, para que também nós nos convençamos. Com efeito, sabemos que ele haveria de sofrer e ser conduzido como ovelha ao matadouro. O que nos tens que demonstrar é que ele também deveria ser crucificado e morrer de morte tão desonrosa e amaldiçoada pela própria lei. Nós, de fato, não podemos sequer imaginar isso. Eu respondi. — Tu sabes, como vós mesmos concordastes, que tudo o que os profetas disseram e fizeram foi envolvido em comparações e símbolos, de modo que a maior parte das coisas não podem ser facilmente entendidas por todos, pois eles ocultaram a verdade que existe nesses símbolos, a fim de que aqueles que a buscam a encontrem e aprendam com esforço. Eles confirmaram: — De fato, concordamos com isso. Eu continuei: — Agora escuta o seguinte: o fato é que Moisés com os sinais que fez, foi o primeiro que manifestou essa suposta maldição da cruz. Ele perguntou. — A que sinais tu te referes? Eu expliquei: — Quando o povo fazia guerra contra Amalec e o filho de Nave, a quem foi dado o nome de Jesus, comandava a batalha, Moisés orava a Deus com as mãos estendidas. Hor e Aarão as sustentaram o dia todo, para que elas não se abaixassem por causa do cansaço. Como está escrito nos próprios livros de Moisés, o povo era vencido se essa figura que imitava a cruz cedia um pouco; entretanto, enquanto permanecia nessa forma, Amalec era derrotado. E se o povo tinha forças, era por causa da cruz que as tinha. De fato, o povo levava vantagem não porque Moisés orava dessa forma, mas porque ele formava o sinal da cruz, pois era o nome de Jesus que comandava a batalha. Com efeito, quem de vós não sabe que a melhor forma de aplacar a Deus é a que se faz com gemidos e lágrimas, com o corpo prostrado e joelhos dobrados? Contudo esse modo de orar sentado numa pedra, nem Moisés nem ninguém o fizera antes nem o fez depois. Por outro lado, a própria pedra, como já demonstrei, é um símbolo de Cristo.” [pág. 250/252]
“Portanto, se foi da vontade do Pai do universo que seu Cristo carregasse por amor o gênero humano com a maldição de todos, sabendo que o ressuscitaria depois de crucificado e morto, por que falais como de um maldito daquele que se dignou sofrer tudo isso pelo desígnio do Pai? Valeria mais que chorásseis a vós mesmos. De fato, é certo que foi o seu próprio Pai quem o fez sofrer tudo o que ele sofreu por causa do gênero humano, mas vós não agistes para cumprir um desígnio de Deus, assim como ao matar os profetas não realizastes uma obra de piedade. E que ninguém de vós diga. "Se o Pai quis que o Cristo sofresse para que, por meio de suas chagas, viesse a cura para o gênero humano, nós não cometemos nenhum pecado."” [pág. 258]
“Em outra passagem, no salmo 22, Davi também alude à paixão e à cruz, numa comparação misteriosa. "Perfuraram minhas mãos e meus pés, e contaram um por um todos os meus ossos. Eles me consideraram e contemplaram. Dividiram entre si as minhas roupas e sobre a minha túnica lançaram sortes." Com efeito, quando o crucificaram, ao cravar-lhe os cravos, perfuraram-lhe as mãos e os pés. E os mesmos que o crucificaram repartiram entre si as roupas dele, cada um lançando a sorte sobre o que queria escolher.” [pág. 260]
“Também dizeis que este salmo não se aplica a Cristo, pois estais completamente cegos e não percebeis que a ninguém do vosso povo, que tenha tido o título de rei, perfuraram as mãos e os pés enquanto estava vivo, nem morreu por este mistério, isto é, crucificado, mas apenas esse Jesus.Recitar-vos-ei o salmo inteiro, para que escuteis sua piedade para com o Pai e como a ele refere tudo, pedindo-lhe que o salve da morte, ao mesmo tempo que mostra no salmo quais eram os que se haviam levantado contra ele, e demonstra que era verdadeiramente homem, capaz de sofrer. O salmo é este: "Ó Deus, ó Deus meu, atende-me. Por que me abandonaste? Longe da minha salvação estão as palavras dos meus pecados. Ó Deus meu, gritarei durante o dia a ti, e tu não me escutarás; gritarei à noite, e não é coisa que eu ignore. Mas tu habitas em teu santuário, ó glória de Israel! Em ti esperaram os nosso pais; esperaram, e tu os livraste. Clamaram a ti e se salvaram; esperaram em ti e não se envergonharam. Eu, porém, sou um verme, e não um homem, zombaria dos homens e desprezo do povo. Todos os que me contemplaram zombaram de mim; falaram com seus lábios e moveram a cabeça: "Esperou no Senhor, que ele o livre e salve, pois lhe quer bem" Porque tu és aquele que me tiraste do ventre, a minha esperança desde os peitos de minha mãe: sobre ti fui lançado desde o seio dela. Desde o ventre da minha mãe, tu és o meu Deus. Não te afastes de mim, porque a tribulação está perto, e não há quem me socorra. Rodearam-me muitos novilhos, touros fortes me cercaram. Abriram contra mim a sua boca, como leão esperto e rugidor. Todos os meus ossos se derramaram e espalharam-se como água. O meu coração se tornou como cera, derretendo-se no meio do meu ventre. Minha força secou-se como um caco de telha e minha língua pegou-se ao meu palato, e tu me afundaste até o pó da morte. Porque me rodearam muitos cães, um bando de ímpios me cercou. Perfuraram minhas mãos e meus pés, e contaram todos os meus ossos. Eles me consideraram e contemplaram. Dividiram entre si as minhas roupas e sobre a minha túnica lançaram sortes. Tu, porém, Senhor, não afastes de mim a tua ajuda, atende à minha petição. Livra minha alma da espada e a minha unigênita da pata do cão. Salva-me das fauces do leão e dos chifres dos unicórnios, a minha humilhação. Narrarei o teu nome entre os meus irmãos e no meio da congregação entoarei hinos a ti. Louvai o Senhor, vós que o temeis; glorificai-o, toda a descendência de Jacó. Tema-o toda a descendência de Israel" [Sl 22,2-23]” [pág. 261/262]